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Nenhures

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Para aqueles de memória curta ou de passado escasso talvez isto pouco interessará. Ainda assim sigo avante. Em 1980 e 1981, nos meus 16 e 17 anos, os meus pais renderam-se, regressavam a casa e deixavam-me ficar para trás, mais uns dias em São Martinho do Porto, onde sempre passávamos férias. Eu aboletado em casa de amigos ou talvez nem tanto, esticando o veraneio. Esses foram os meus inícios da boémia - lá havia uma grande discoteca, a "Pink Panther", a qual tinha um magnífico e super-actualizado disc-jockey, coisa espantosa para aquele ali nesse tempo. E um ambiente entusiástico.
 
Mas esses períodos de passagem, de iniciação às noites e outras facetas da vida, foram-me acima de tudo a aprendizagem da fome, que então ainda desconhecia. Pois o dinheiro que me deixavam era escasso, não só pela frugalidade vigente e por ser eu um ainda petiz, galarote. Mas porque então se vivia sob o espectro do FMI, entre aquelas suas duas intervenções - e falo aqui da época anterior a Ernâni Lopes ser demonizado... Nisso a espórtula paternal era escassíssima, a contribuição materna um pouco mais mimosa, e valia-me a adenda avoenga. Assim sendo comia em casa anfitiriã com a parcimónia cerimoniosa que a voracidade adolescente permitia, num noblesse oblige inculcado, e torrava os parcos escudos em tabaco (até mesmo os "Definitivos", "Provisórios" e "Kentucky") e nas cervejas e "Cubas Livres" - sim, era um miúdo - na referida "Pink Panther".
 
Nesses entretantos, às tardias alvoradas - que ainda não eram ditas horas de brunch - e às ceias acorria ao Café "Rosa", entre o Samar e o "Careca", defronte à tabacaria e à papelaria, ladeando o "Clube", e alimentava-me do peculiar prato "Crise" - pois esta não nasceu neste XXI, como pensarão alguns amnésicos. Constava ele de batatas fritas e um ovo estrelado. Ou dois, se estivéssemos esfaimados - e, se não me falha a memória, custava 5 escudos na versão de ovo duplo.
 
Confidência feita talvez os meus amigos possam compreender o enorme prazer que tenho, agora que 40 anos passados, ao sentar-me hoje, no popular Restaurante Cabeça de Touro nos Olivais, onde se confeccionam as melhores batatas fritas ao sul do Trancão, e encomendar uma réplica dessa saudosa "Crise". Estou mais espartano do que nessa era, pois falta-me o crédito do futuro que então tinha. E venho acompanhado de José Rodrigues Miguéis, nas suas belas crónicas em "É Preciso Apontar" (1964), que há tão pouco me foram ofertadas. Mas logo as largo, espraiando-me nas memórias dos tempos daquela "Crise". Quando tudo estava ainda ali mesmo à frente.
 
Mas não sou um saudosista. Por isso, para me mostrar que tudo mudou, no fim do repasto peço um "Famous Grouse".

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