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Nenhures

Nenhures

09
Nov24

A escassez noticiosa sobre Moçambique

jpt

ardinas.jpg

(Ardinas do Porto, início de XX, autor desconhecido)
 
No meu mural de Facebook um amigo (que viveu anos em Moçambique) comentou o silêncio (relativo mas evidente) da imprensa portuguesa sobre a actual situação naquele país. "Respondi-lhe" assim: 
 
A esse silêncio referi-o em alguns dos meus postais sobre esta situação - (como neste e neste). E diante disso tentei, na modéstia da repercussão de blog/mural de FB, ecoar alguns contributos interessantes na imprensa .
 
De facto há um enorme desinteresse noticioso (ausência de destaques, escassez de informações, rarefacção de comentários). Podemos encarar esse silêncio (relativo) como sintoma de vários factores. Indo além do resmungo contra o défice de qualidade da nossa imprensa. No seu (ignorante e/ou preguiçoso) seguidismo às "agendas noticiosas" internacionais (agora os EUA, Gaza, Valência, Ucrânia, até a Alemanha). Ou a sua falta de recursos económicos (para ter correspondentes ou encomendar reportagens) e humanos - há um ano referi o caso extraordinário do "Público", que se veio justificar por não ter noticiado o assassinato do jornalista moçambicano Chamusse por estar de folga o único (!) jornalista que lá escreve sobre África.
 
Tudo isso será verdade. Mas há outros factores relevantes: continua uma enorme dificuldade - um desconforto - em abordar as problemáticas nas antigas colónias. O que passa, por um lado, pela permanência de uma espécie de "remorso colonial", qualquer coisa como um "não temos o direito de nos imiscuirmos" (mas podemos fazê-lo sobre a inacção espanhola em Valência, por exemplo...). E por um outro lado, algo ligado, pela dificuldade em abordar as realidades africanas - e as das antigas colónias portuguesas, em especial - por gente que continua presa à velha topologia direita/esquerda como instrumento de interpretação do que lá se passa.
 
Entenda-se, como pode um tipo que se entende de "direita" ou "centro" compreender que alguém louve, criticamente que seja, um estadista como Chissano, que é do Frelimo, um antigo movimento marxista-leninista? Durante anos levei com comentários abrasivos em blog por causa desse meu "chissanismo", que nem sequer explicitava recorrentemente... 
 
Ou, de outra forma, como pode um tipo que se "identifica" como de "esquerda" perceber o movimento em curso em Moçambique, agarrado às necessidades de invectivar como de "direita" o evangelismo "bolsonarista" de Venâncio Mondlane (como Agualusa - e sobre este telefonou-me ontem um amigo, "tenho de te contar esta!!!", ria-se, acabado de conversar com intelectuais da "velha guarda" "samorista" os quais, com ironia caústica, o chamavam "Aguavumba", menosprezando o seu camaleonismo, de cooptado ao "bloco histórico" do poder - e não só andam a clamar).
 
Para além disto, haverá também um factor para o qual olho até por percurso biográfico. No nosso país há pelo menos três décadas de formação superior pós-graduada nessa amálgama disciplinar "Estudos Africanos". As quais não foram suficientes para produzir "intelectuais públicos" oriundos dessas formações, que tenham apetência e competência para intervenção comunicacional abrangente e ganho "espaço" na imprensa. (E um exemplo típico é o conflito de Cabo Delgado: o absurdo longuíssimo silêncio moçambicano sobre essa "insurgência" foi ombreado pelo português. O único indivíduo do "espaço público" que dele falava, e já anos depois daquilo ter começado, era Nuno Rogeiro...).
 
Mas este nosso silêncio informativo tem um outro factor motriz, talvez o mais relevante. E que afronta o "complotismo dependentista" usado para legitimar os regimes autocráticos pelos "intelectuais" clientes desses "blocos históricos" de poder, e seus "compagnons de route" internacionais. Esse é o factor estruturante, promotor do silêncio: a inexistência desde 1975 de um qualquer projecto neo-colonial.
 
Há umas retóricas (algumas saudosistas, outras sentimentalonas), há efectivos interesses económicos (mas muito minoritários na economia portuguesa), há alguma articulação política entre Estados (coisa pouca, como se viu na recente questão russo-ucraniana), há pequenos núcleos de emigrantes (também muito minoritários no universo dos emigrantes portugueses). Mas não há grande intensidade de relacionamento nem interesse estatal ou societal em fazer crescer as interacções.
 
E tudo isto é denotado, melhor, demonstrado por este "silêncio" noticioso. De facto, Portugal, o nosso Estado e a nossa sociedade, está interessado noutras coisas. Neste tipo de situações isto pode irritar-nos, pois vivemos lá (em Moçambique ou alhures), ficámos com afectos e interesses (não interesseiros). E poderá irritar os "anticolonos" que sempre recorrem ao "xicolono" como "inimigo externo", necessário à sua (auto)justificação. Mas nada disso é o verdadeiro real.
 
Abraço. Ou, melhor, "estamos juntos".

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