24
Fev22
A (In?)Esperada Guerra
jpt
(População insurrecta, Budapeste 1956; Fotografia de Erich Lessing)
A (in?)esperada guerra na Europa. Enquanto muitos clamam, outros resmungam (seriam patéticos se não fossem apenas patetas os que protestam com o secretário-geral da ONU). Eu também só resmungo, com o à minha volta, minha estreiteza de horizontes.
Há dias botei da minha repulsa pelos que tão anti-capitalistas defendem o capitalismo russo. Pelo menos dois ilustradíssimos (ex)bloguistas bloquearam-me no Facebook - o que não é um apartar, é uma denúncia enviada ao sistema FB de que eu tenho más práticas. Tiques de bufos comunistas, por melhores tradutores ou intelectuais que se apresentem à sociedade. E venho de um blog onde uma figura eminente da administração cultural portuguesa associa, de modo nada elíptico, aqueles que contestam um actual "Viva a Rússia" ao fascismo. Narrativa propagandística de comunista, agora reduzido a mero russófilo. Estes são, mesmo, os tipos que há alguns anos - a propósito de algo no Tribunal de Haia ou da morte de algum velho facínora, não me lembro - de súbito surgiram a higienizar os líderes sérvios. Tendo eu trabalhado na Bósnia-Herzegovina logo após a guerra, e tendo-me farto de ler sobre o assunto, surpreendeu-me em tipos letrados, e 25 anos depois daquela guerra, tamanha falta de pudor daquela que julguei eslavofilia - afinal nada mais do que a russofilia dos comunistas tornados velhos órfãos. É este o quadro mental destes vizinhos.
É isto grave? Não. Grave é atribuir a cidadania europeia a um Abramovich, a troco de alguma caridade e com o pretexto das estuporadas "desculpas históricas", tão em voga.
Mas ainda assim é significativo que este conúbio intelectualmente nulo - e neste caso de hoje sendo nada mais do que um apreço por um nacionalismo imperialista -, avesso a tudo o que seja democracia, seja constante no nosso meio intelectual, vivido como um "ser de esquerda" que nada mais é um do que placebo, imaginado como um "Viagra" moral, dado a orgasmos de "boas causas".
E lembro-me deste postal que botei em 2014, logo após ter regressado a Portugal, sobre algo que então muito me impressionou. Um texto muito auto-censurado, descensuro-me agora. Fui a uma sessão onde se congregavam dezenas de colegas graduados, uma conferência de mestre americano. Foi uma palestra escolar, nada relevante. Gabou-se o orador de formar a elite política, seus alunos transitados para a Casa Branca e Bretton Woods. E convocou-nos para a luta contra o "neoliberalismo" (sem definir o chavão, como competiria a quem fala num espaço universitário mas, sabe-se, algo que nunca é feito). No "debate" logo se levantaram entusiásticos apoios, bem recebidos pelo mestre que muito saudou esses seus "colleagues".
Eu, sabendo de onde vinha aquela vozearia, perguntei se essa convocatória que o mestre vinha fazer a uma capital da UE aos intelectuais europeus presumia que nos uníssemos aos comunistas. Apesar do meu tom curial (maiêutico, se se quiser) o ancião percebeu-me - ao "that gentleman" como de imediato me afastou -, respondendo-me com ênfase que sim, que necessária seria essa união.
Na cadeira ao meu lado alguém tinha abandonado um exemplar do "Público", com uma primeira página dedicada à efeméride do dia, o 48º aniversário da invasão russa de Budapeste. E eu, não só por isso mas também, não fui ao jantar subsequente. O que não implica que não seja esta a minha cidade. Feita disto.
Quanto aos restantes? Devem estar hoje, perto ou longe da Feira da Ladra, a denunciarem a invasão americana do Iraque.