A ler Stefan Zweig

Dois pequenos livros, preciosos, de Stefan Zweig, um escritor que fora algo desvalorizado - cá em casa os meus pais haviam remetido vários dos seus livros para a arrecadação, onde se acumulavam pilhas dos menos apetecíveis e/ou mais esquecíveis. Abarcando-o nessa despromoção, porventura por questões de gosto ou de desatenção. Ou mesmo apenas por falta de espaço nas estantes... De qualquer forma, o interesse no escritor foi revitalizado - e algumas (re)edições surgiram -, um pouco na sequência do filme que lhe foi dedicado, o "Adeus Europa".
Li agora "Uma História de Xadrez" (Relógio d'Água, 2017, 72 pp., tradução de Ana Falcão Bastos), uma publicação já póstuma (de 1943). É um dissecar das constituintes da mente, na sua diversidade e na diversidade das formas como é construída. Pois a trama é o combate entre um génio xadrezístico silvestre, um rural inculto predestinado, e um refinado vienense (daquela "Viena" que foi centro de civilização) que se fez xadrezista por sobrevivência. Mas o substrato é a ascensão do Anschluss, a adesão austríaca ao nazismo. Numa descrição que tem imorredoira actualidade, mesmo que o diga eu sem preocupações escatológicas: "Mas os nacionais-socialistas, muito antes de equiparem os seus exércitos contra o mundo, começaram a organizar em todos os países vizinhos, um outro exército igualmente perigoso e bem treinado, a legião dos desfavorecidos, dos humilhados, dos ofendidos. As suas chamadas "células" estavam instaladas em cada repartição e em cada empresa, e os seus informadores e espiões encontravam-se por toda a parte..." (p. 34).
E também "Foi Ele?" (Assírio & Alvim, 2023, 64 pp, tradução e - incisivo - posfácio de Francisco de Nolasco Santos), escrito já no exílio e publicado em 1942. A trama, facial, é a de uma sobreprotecção amorosa a um cão, assim crescendo tornando-se mastim, energúmeno. É quase uma evidência encontrar no texto a metáfora, tão actual na era da escrita da obra, sobre a ascensão da besta nazi, acarinhada no seu germinar até se tornar incontrolável, assassina. Mas lendo-a nos tempos de agora ocorre-me uma leitura com menor pendor metonímico. Pois no texto encontrando como se um augúrio sobre os efeitos desta disseminada transferência afectiva para os "animais" (os de estimação, claro), esta "petização" que grassa. Uma verdadeira monomania, já com efeitos políticos. E, decerto, com implicações psicossociais.






