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22
Mai24

A razão de falar sobre livros

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Meti-me nesta coisa de falar sobre livros que leio - ou (re)li. Em registo despretencioso, e mais do que tudo ambiciono não soar pomposo. Vou ver se tenho energia para ser perseverante nisso... O propósito, disse-o na primeira publicação, é conversar sobre livros com os "amigos" - os reais e os digitais. Já tive bons ecos disso, dois deles a pedirem-me livros emprestados, e sobre livros não há nada melhor do que... emprestá-los. Contrariamente ao que os decoradores de estantes sempre afivelam, muito ciosos de que nessa recusa simbolizam o seu apreço pelas "letras", pobres coitados. E quero ilustrar o que é esta coisa boa de se conversar sobre livros.
 
Um pouco antes disto das "redes sociais" alguns escrevíamos em blogs, tanto que até se falava de uma comunidade blogal, aquela "blogosfera". Interagia-se muito. Em debates, até em questiúnculas, em referências (os chamados "links" por aqueles que desconheciam o termo "elo"). Isso eram conversas, às vezes ombreando, outras conflituando. E nisso ouvíamos-nos (líamos-nos). Para exemplos, por questões políticas passei anos a resmungar com o senador blogal Luis Novaes Tito e por razões do meu encanto com Moçambique outros anos passei a seguir a louvar o belíssimo blog do André José. E assim (através dos tais "links", aliás "elos") ecoando-os, explicitamente... Isso perdeu-se nestas "redes sociais". Às vezes "partilha-se" algo alheio, muitas vezes "gosta-se" ("laica-se", dizem os imberbes e as ainda pré-menarcas). Mas nesse frenesim não se identifica, não se refere, não se... remete. Não se explicita aquele "vão lá ler aquele tipo". Ou seja, até paradoxalmente, a "rede social" impessoaliza-se, torna-se um mero (e extenso) rol de itens, não um agregado de gentes conversando.
 
Vem-me isto a propósito destas minhas "conversas" sobre livros, estes "estou a ler isto". O Carlos Sousa de Almeida (lá está, identifico e remeto) - que tem um bom mural no Facebook, do tão interessante que lá deixa - é gentil, elogia, e reconhece, sorridente (percebo-o), que "você gosta de fazer isso". É verdade, gosto de falar sobre livros, e faltam-me essas conversas. E, também o disse, é melhor falar do que escrever - pois na escrita tendo ao orlar ("tens/tem uma escrita rebuscada", já me escreveram 3 dos poucos incautos que compraram o meu "Torna-Viagem", esse "flop" que fica na minha "história de vida"). Ou seja, mais vale falar, sem ademanes. E sem palavrões (por mais que muitos livros mereçam pragas, devidas à forma e, acima de tudo, ao conteúdo apresentado).
 
Por que gosto eu de conversas sobre livros? É simples, pelas algumas pistas simpáticas que poderão aparecer. Mas principalmente pelas memórias ressuscitadas que acontecem. No pimeiro filme que fiz no meu mural de Facebook comentou o Acácio Manuel Maia Carreira - que eu conhecera há 30 anos quando ele era leitor do Camões em Nampula e que reencontrei agora - dizendo-me que naquele meu registo lhe apetecia reler o Calvino.
 
Sorri, iluminado. E interrompi-me, Fui à estante, até à prateleira do Calvino. E, só por causa do bom do Acácio, reli o "6 Propostas para o Próximo Milénio", um pequeno tesouro de inteligência. Cuja leitura completara no... 25 de Junho de 2001 em Xai-Xai, está lá escrito. Quando eu era imensamente feliz. E seguia, qual verdadeiro milenarista, cheio de propostas para o próximo (este) milénio. O Acácio (e o Calvino também) levaram-me assim, pela mão, até àquele jovem Zé Teixeira de quem eu, apesar de tudo, gostei. E depois, por causa da mesma influência, surgida devido à tal "conversa sobre livros", avancei para a releitura do maravilhoso "As Cidades Invisíveis" desse mesmo Calvino. Para apanhar logo na primeira página este meu veemente sublinhado, aposto em 1995!. Que transcrevo, para que se perceba o quão bom é.... falar sobre livros e assim a eles regressar:
 
"Na vida dos imperadores há um momento, que se segue ao orgulho pela vastidão ilimitada dos territórios que conquistámos, à melancolia e ao alívio de sabermos que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentimento como que de vazio que nos assalta uma noite com o cheiro dos elefantes depois de chover e da cinza de sândalo que arrefece nas braseiras; um vertigem que faz tremer os rios e as montanhas historiadas em fila na exuberante garupa dos planisférios, que enrola uns nos outros os despachos que nos anunciam a derrocada dos últimos exércitos inimigos de derrota em derrota, e tira o lacre dos selos dos reis de que nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas que avançam em troca de tributos anuais em metais preciosos, peles curtidas e cascas de tartaruga: é o momento desesperado em que se descobre que este império que nos parecera a soma de todas as maravilhas é uma ruína sem pés nem cabeça, que a sua corrupção está demasiado gangrenada para que baste o nosso ceptro para a remediar, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros da sua longa ruína."
 
É perceptível a razão que me leva a gostar de conversar sobre livros?

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