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Nenhures

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20
Jun17

A República dos Eucaliptos

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No final dos anos 1980s foi o “surto” das celuloses. Eram mecenas apetecidos, patrocinavam actividades. Era um maná, dizia-se. De facto não precisavam de publicidade para nada, era mesmo a criação da boa imagem, da naturalização da eucaliptização. Os da minha geração lembrar-se-ão disso. Para mim foi também foi esclarecimento político radical: era o tempo em que se vendia a ideia de que Portugal não tinha dimensão para ser agrícola, devendo ser silvícola e “de serviços”, e depois aquilo do Sillicon Valley da europa. Eu, tal como algumas pequenas franjas urbanas, ouvira o excelente Ribeiro Telles do PPM, a única voz pública ecologista, e que algo colheu do impacto dos movimentos ecologistas europeus daquela década, apesar do seu perfil diferenciado face a esses. Depois surgira o governante Carlos Pimenta, enérgico. E que veio a ser, convenientemente, enviado para Bruxelas. Nisso eu deixara-me de quaisquer dúvidas sobre o quão abominável era o poder de Cavaco – que viria a acabar anos depois entre Duartes Limas, Nunos Delerues e ainda da missa não sabíamos quase nada, das trocas da “Mariani” ao conselheiro Dias Loureiro passando por aquela cloaca toda – quando o ministro Mira Amaral declarou que os eucaliptos eram o nosso “petróleo verde”. E passara a votar PS.

Uma década depois, já o PCP havia criado a fraude “verdes”, usurpando um importante espaço simbólico (e roubando, via parlamento, o erário público e abastardando o sistema político, expressando o seu escarro ditatorial pela democracia parlamentar), o jotinha Sousa Pinto, durante andanças do parlamento europeu, seduziu Mário Soares para a sua léria “causas fracturantes”. O velho sábio percebeu o filão político que ali estava, e patrocinou-o no já pântano de Guterres, o que implicou a adopção de algumas causas urbanas apetecíveis ao agit-prop e ao colher de simpatias nas novas gerações. Estratégia cuja refracção promoveu a coligação dos grupelhos de inspiração estalinista, maoísta e trotskista, que desse momento se alimentou. Os núcleos da pequena-burguesia urbana, funcionalizada ou a isso almejando, aderiram a esse feixe de causas, muito derivadas da importação da agenda identitarista americana – algo interrompida quando a causa da legalização do cannabis não ascendeu devido ao surgimento da crise mas é óbvio que vem aí a da racialização da sociedade -, apetecível aos quadros universitários que a compunham (e compõem). E também valorizadas porque apreensíveis pela corporação jornalística, oriunda dos mesmos estratos sociais e, sendo generalista e menos dotada de capital cultural, consumidora e reprodutora de questões de aparente simplicidade pois sempre traduzíveis em termos “morais” e apelando à simplificação topológica “direita-esquerda”.

Refiro isto pois significou a absorção de energias políticas num “nicho ecológico” social português do qual se poderia esperar a emergência de sensibilidades e até movimentos ecologistas. Que alertassem, debatessem e colocassem no centro da agenda política a questão da flora nacional, do ordenamento territorial. Houve e há associações e sensibilidades ecologistas, há discurso, há até imprensa (e houve bloguismo…), mas têm pouca repercussão. Entretanto o país organizou a Europália, comemorou os “descobrimentos”, propagandeou a lusofonia e a CPLP, fez a EXPO-98, entrou no euro, Timorou, avançou para o Euro-2004, acreditou-se enriquecido, e depois rebentou-lhe a crise, distraído que vinha. Retraiu-se. Agora até avançou para tentar prender uma ligeira franja da oligarquia que tem predominado.

Mas não olha para a grande revolução que lhe acontece há décadas, a silvícola – ululamos que somos campeões de futebol mas ninguém se interroga, ou apenas refere, que somos campeões do eucalipto, o país do mundo com maior percentagem de território em eucaliptal! Tem especialistas, tem testemunhas. Mas não os ouve. Aos que falam da dramática involução da flora, do apego ao produtivismo silvícola. São questões complexas e dolorosas, e não reduzíveis em simplicíssimos termos de “moral” ou de “esquerda/direita”. Terá muito de conhecimento científico mas tem também muito de decisão sobre modelos de desenvolvimento do país, que naquele não se esgotam.

E a questão não se alimenta dos partidos nem os alimenta. É certo que o PCP (ainda que abastardando a questão pela sua canibalização simbólica do movimento ecologista) sempre tem combatido este movimento do “eucaliptal”, ainda que não lhe dando o relevo político que a sua centralidade nacional exige. O PS e o PSD estão colonizados por interesses económicos. E estão esvaziados de verdadeiros núcleos de debate ideológico (entenda-se, sobre estratégias desenvolvimentistas), são botes de cabotagem, nada mais. O CDS esvaziou-se após décadas de solavancos de Paulo Portas (alguém ouve falar em democracia-cristã? há alguma reclamação de uma via conservadora?) e enreda-se no oxímoro do sex-appeal ponderado, maculado pelo abate de sobreiros. O PPM morreu, andando por aí uma apropriação tão básica que indigna, o Partido dos Animais (no qual votei) é, afinal, um ruminante, o Partido da Terra é mera areia. A ecologia, ou seja, o ordenamento do país, a preservação/desenvolvimento da flora e do país não é assunto dominante. E não colhe votos. Porque nós, eleitores, não votamos segundo esse tipo de considerações, escolhemos pelas promessas de redistribuição dos fundos estatais e pela aparência e retórica dos cabecilhas.

E o “petróleo verde”, ele-próprio e todo o abandono e inquestionamento do interior que ele simboliza, continua a espalhar-se. E a ser, até, usado como símbolo do benfazejo. Neste país, no qual a produção das celuloses poderá ter lugar, a simples ideia de que este epíteto é valorizador, ainda utilizável, significa o vazio da discussão, da desistência da população e da conivência e incapacidade dos políticos. 30 anos depois de Mira Amaral ainda se ouve Paulo Fernandes, responsável da Altri, receber António Costa, fazer-lhe exigências, ainda que sendo financiado, e brandir, melífluo, o “Petróleo Verde”. Diante do silêncio, incapaz, do primeiro-ministro. Este apenas mais um na fileira dos abstencionistas. Políticos de cabotagem. Que governam, com nosso acordo, esta República dos Eucaliptos, tal como outros títeres o fizeram nas repúblicas das bananas.

Deixo breves programas da RTP, 5 minutos, para que não se diga que há radicalismos políticos envolvidos:

Compreender os incêndios florestais de 2013. A eucaliptização do país.

Associações ambientalistas acusam o Governo de querer destruir a floresta com nova lei

(Postal no "O Flávio")

Bloguista

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