Moinho Saint-Pierre (o moinho de Alphonse Daudet)
"Antigamente fazia-se aqui um grande comércio de moagens e, tôda a gente das herdades, dez léguas em redor, nos trazia o seu trigo para moer ... Em volta da aldeia, as colinas estavam tôdas cobertas de moinhos de vento. À direita e à esquerda não se viam senão asass que volteavam tocadas pelo mistral, por cima dos pinheiros, récuas de burricos carregados de sacos, subindo e descendo ao longo dos caminhos; e tôda a semana era um prazer ouvir lá nos altos o estalido dos chicotes, o ranger da tela e os gritos à esquerda! à direita! dos moços dos moleiros ... esses moinhos faziam a alegria e a riqueza da nossa região.
Infelizmente, uns Franceses de Paris tiveram a ideia de estabelecer uma fábrica de moagem a vapor na estrada de Tarrascon. Outros tempos, outros ventos. Tôda a gente se habituou a mandar o trigo aos moageiros e os pobres moinhos de ventos ficaram se ter que fazer. Durante algum tempo, tentaram lutar, mas o vapor foi mais forte e um após outro, todos êles, coitadinhos, foram obrigados a fechar ... O mistral bem soprava, mas as asas conservavam-se imóveis. Depois, um certo dia, o conselho municipal mandou deitar abaixo êsses casebres em ruina e no seu lugar plantaram-se vinhas e oliveiras.
Contudo, no meio da derrocada um moinho tinha resistido e continuava a fazer girar corajosamente as suas asas no cimo da colina, nas próprias barbas dos moageiros. Era o moinho do tio Corneille, êste mesmo em que estamos agora a fazer o nosso serão.
O tio Corneille era um velho moleiro, que vivia há sessenta anos no meio da farinha e sempre desesperado com a sua situação. A instalação das moagens tinha-o posto como doido. Durante oito dias viram-no correr para a aldeia, juntado em volta de si muita gente em alvorôço, gritando com tôdas as suas forças que queriam envenenar a Provença com a farinha dos moageiros. "Ninguém vá lá abaixo, dizia ele; aqueles bandidos, para fazerem pão, servem-se do vapor que é uma invenção do diabo, enquanto eu trabalho com o mistral e o vento norte, que são a respiração de Nosso Senhor ...".
(Alphonse Daudet, "O segrêdo do tio Corneille", Cartas do meu Moinho, Livraria Chardron, c. 1915 [1869], pp. 17-19).