FGV CPDOC | Entrevista com Carlos Machili (15/08/2008)
Com pesar tomo conhecimento da morte de Carlos Machili. Quando fui viver para Maputo ele era o enérgico reitor da Universidade Pedagógica, imerso da tarefa de sedimentar a formação de docentes - a UP enquanto tal era ainda recente, no processo de transição do anterior Instituto Superior Pedagógico, que não fora apenas terminológico, e tinha normais "dores de crescimento". Exercendo o cargo com grande acessibilidade - num evidente reflexo da típica abertura para com os outros patente em algum clero católico, meio entre o qual se formara - Machili era cativante. Mas era-o também pelas suas ideias sobre o processo moçambicano, sobre as necessidades educativas dele decorrentes e, também, sobre a academia nacional, e as quais proferia com evidente desassombro, e tudo isso me parecia algo excêntrico. Sendo que, de facto, acima de tudo era uma visão saudavelmente heterodoxa. Mas que mais surpreendia por provir de um reitor - numa época em que tal cargo era de grande relevância política, até por então haver apenas duas universidades públicas. Muito disso vir-lhe-ia do seu trajecto intelectual, que o distinguia da maioria dos seus pares. Algo que lhe daria um ponto de (tomada) de vista algo diferente...
Enfim, melhor do que escrever eu uma incipiente sinopse das ricas memórias que tenho desse período, já com um quarto de século, trato de partilhar uma preciosa entrevista "de vida" (quase uma hora), realizada em 2008 por Guilherme Mussane, uma bela memória.
Deixo apenas uma pequena nota pessoal, a isso não resisto. Quando em 1997 cheguei a Maputo uma das instituições para as quais eu trabalhava tinha alguns engulhos no relacionamento com a UP, apenas devidos a atitudes pessoais, coisas de somenos mas que muito haviam maculado o funcionamento dos projectos. Jovem (cabelo todo preto, recordo até com ironia) e inexperiente fiz os meus possíveis para remediar o remediável, confesso que não me lembro se com sucesso suficiente. Dois anos depois chegou-me um novo chefe, transição sempre temida pelos quadros, como é sabido. Passados alguns dias acompanhei-o a uma visita ao reitor Machili, numa (oficiosa) "apresentação de cumprimentos" que se transformou numa conversa de hora e meia. À saída, já no carro mas ainda ali na Comandante Augusto Cardoso, o chefe, sorridente, atirou-me "ó Zé, o que é que V. fez a este homem?", "ele adora-o..." e riu-se, naquela sua saudosa forma contida. Tamanha tinha sido a simpatia - o apoio, claro - das referências que Machili havia feito ao miúdo, eu mesmo. Vim a ter oportunidade para lhe agradecer tamanha gentileza. E para dele receber como resposta aquele seu sorriso, cúmplice, até gaiato.
E repito agora, Obrigado, Professor Machili. E parabéns pelo bom trabalho.