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Nenhures

Nenhures

11
Abr23

Ciências Sociais em Portugal

jpt

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Sou muito pior do que gostaria. E do que me imagino:
 
Um dia, há muitos anos, respondi a um tipo que cruzara em Maputo, também bloguista ele. Esquerdalho, desses póscoloniais, decoloniais, abissaiscoloniais, causascoloniais, anticoloniais, etc... Um seu camarada de teclas passara por lá a caluniar-me, tipo que nem me conhecia, personagem típica. Desses esquerdalhos saídos do PCP após 1991 para se agregarem aos enverhoxistas e quejandos - etapa naquele óbvio e consabido caminho para o MES.
 
Os burguesotes por cá não percebem, eu sei. Os emigrantes, principalmente os que estão em países com Estado Social muito deficitário, contam com as solidariedades pessoais. Assim fui eu, principalmente com amigos moçambicanos e portugueses. Não só para aceitação laboral, quando não se pertence a um "quadro" perene mas se depende da aceitação e recomendação dos colegas ali nacionais. Mas também nas coisas pessoais: para exemplos deixo que tinha a minha filha dois ou três anos e eu tive de partir para Norte para um trabalho e a minha mulher teve de vir à Europa. Não havia avós ou tios à mão de semear e ela ficou em casa dos bons Diogo e Carla, que tinham filhos daquela idade... Nas zangas conjugais não iam os homens para casa dos pais, ali inexistentes, mas acolhiam-se em casa dos amigos (lá em casa por exemplo, mas também eu, imerso numa estúpida zanga amorosa - como o são quase todas - me acolhi junto aos queridos São e Luís). Em caso de acidentes a precisar de expatriamento para as clínicas do Jone congregavam-se cartões de crédito... Etc.
 
Pois, os burguesotes de Telheiras, do Príncipe Real e arredores, deste Minho à Madeira (que julgam Timor), por mais esquerdalhos que o sejam, não o percebem. Nem percebiam. Chegados a Mavalane - e ainda mais no velho aeroporto, verdadeiro aeródromo na nossa era, qual pura "arquitectura portuguesa" -, acolhidos por cicerones ou carros dos hoteis, avançavam lestos, até cúpidos, cruzavam o Ministério da Agricultura, seguiam junto ao "caniço", viravam na "Drenagem" (a Joaquim Chissano), percorriam a Kaunda e a Nyerere, deixavam-se na Polana ou Sommerschield (muito raramente no Bairro Central), iam debicar à Costa do Sol, cruzar a Fortaleza, e tudo lhes era português. A língua que ali todos falam, a arquitectura que se mete pele dentro, o "patrão" ("não chames patrão ao branco, que ele acredita" é meu o copyright) que lhes é dedicado, o vinho que vem à mesa, e também os cardápios, o camarão, o jeito geral que de facto (ali) é similar, tudo os faz em casa. Transpiram, suam - continuam a ser inspectores do cacimbo, principalmente se universitários ou altos quadros da função pública - mas estão em casa. No (ex)Império. Assim sendo qual o passo seguinte? A maledicência. Pois pouco (lhes) importa o que se passa ali, o relevante é libertar o fel, entre arrotos de 2M e espirros do piripiri, do que se passa no "Chiado". Principalmente no "Chiado" esquerdalho. Diz isto este jpt, ancorado em 18 anos disto, dezenas ou até mais de penduras destes recebidos em Mavalane... "Já viste que nada perguntaram sobre nós e sobre isto..." era nossa habitual conversa de travesseiro no após-seca dito convívio (desculpa Inês convocar-te, não é meu costume memorialista).
 
Enfim, lá chegou um bloguista e jornalista, afamado, esquerdalho. Um dos meus bons amigos veio a perguntar-me se o conhecia eu. Que não, respondi, ainda por cima pouco atreito - sou adversário dos comunistas que respeito, e com eles estou pronto a beber, mas desprezo os bloquistas (e os MES). "Pois olha que o tipo veio dizer que tu prejudicas não sei quem...", imputando-me maiores maldades do que as misérias que são as minhas, e dolorosas me são.
 
Irritei-me, dada a tal cena de isto me poder minar as solidariedades pessoais que são necessárias e fundamentais - que não naquele caso, pois em amigo próximo, mas sabe-se lá de outros ... E também pela consciência de que nesta maledicência "lisboeta" estes tipos demonstram que nada mais são do que colonos esquerdalhos - ali julgando-se em casa, entre Campo Grande e Campolide, do "Choupal até à Lapa", por assim dizer.
 
Estava-se na era da "blogosfera". Um dos companheiros desse traste, naqueles super-blogs colectivos de então, sob agenda (e remuneração?) política, o tal a que aludo no início, disse-me qualquer coisa. Invectivei-o pelas companhias, num "suca" maputense (o "arreda" dado aos cães vadios). Fiel ao meu imaginário (como se dizia então) western lembrei-me da morte do Cheyenne no "Aconteceu no Oeste": o grande Jason Robards - a quem a diva Cardinale não concedera as graças almejadas - parte sem nada mais dizer, para além da suave palmada no rabo que lhe deu... Já ladeado por Bronson desmonta-se para morrer informando-o que tinha sido ferido, um tiro no estômago dado por um mau atirador, morte lenta e dolorosa, coisa que não lhe recomendava... "Não podes cavalgar com bandoleiros e dizer que não és bandoleiro", resmunguei, neto de John Ford, filho de Clint Eastwood. "Desejo-te um tiro mal dado, uma morte lenta e dolorosa", foi o meu voto ao decolonial, abissal, póscolonial, etc. Comunista burguesote...
 
Mais de uma década passou. Ainda que eu em silêncio, sorridente desde há dias, até de Maputo me enviam os textos... Esses da enorme bronca nas ciências sociais portuguesas, tudo no diz-que-diz, poucos falando com os nomes postos. Hoje até recebo (sim, repito, de um Maputo também sorridente) a colapsada resposta institucional a um texto publicado que pontapeia uma célebre e proto-paradigmática instituição conimbricense. E que não pode ser "cientificamente" negado pois usa a retórica, o jargão e, acima de tudo, a metodologia analítica que tanta tralha deste "jornalismo ideológico" academizado utiliza e com os quais é sufragado.
 
Pouco me importa se o texto, e sua verrina, tem fundamento ou não. Até prefiro que não o tenha. Que seja mesmo só malevolência. Porque o tiro, mal dado, no estômago, chegou(-lhe/te). Os patrões (sim, sem aspas) não (o) protegem, descartam-se, aflitos. O esquerdalho - injustiçado ou não, não me importa - desmonta-se. Eu, feito Jimmy Mcclure, assente na minha pileca, desdentado escarro entre os parcos dentes restantes antes que ele dê o peido-mestre. E sigo, escarninho num "cabrãozinho!...". Até à minha hora, que espero venha a ser curta. Fulminante, mesmo.
 
Sou mesmo, assumo, não há dúvida, muito pior do que gostaria. E do que, por vezes, me imagino.

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