Colóquio eleitoral
(Numa esplanada dos Olivais juntaram-se amigos de longa data para decidirem em quem votar nestas eleições. Aqui deixo a acta do colóquio:)
... "Nisto dos debates andas para aí a resmungar com todos. Afinal em quem vais votar?", atira, enfadado, o Zé Teixeira ao Zezé, entre aquela amálgama animada, ao que logo sai resposta peluda junta a um "que é isso pá?, não tenho de o dizer em público!". "Então se é assim cala-te..., ora porra, que já enjoa o assunto", e a conversa a azedar, os clientes nas outras mesas a desviarem os seus soslaios, já algo incomodados. Intervém o Flávio, o mais-novo, um miúdo tímido sempre a fazer-se fino, num "calma, não vale a pena zangarem-se", e logo leva reprimenda, "ouve lá puto, aguenta-te à bronca, vai mas é lá dentro pedir mais uma rodada, e outro balde de gelo", o típico sarcasmo do Zé Flávio, seu tio que lhe legou o nome, e enquanto o rapaz lá vai ao que foi mandado insiste o Bonanza - que há anos não aparece aqui, "zanga com a Maria, estou em casa dos meus pais" anunciou à chegada, entre as estupendas abraçalhadas e as exclamações do júbilo alheio, antecipando-se às perguntas sobre que ventos o trazem - "boa ideia, digam lá em que vão votar, tenho de me decidir e estes gajos são todos iguais". O jpt irrita-se, gesticula, "não, não, não, isso não é assim, não são todos iguais", ao que o sempre-céptico Zé Flávio se ri "e achas que há algum que valha a pena?", mas incólume segue o jpt num "é preciso derrubar o Sócrates...." que afinal se lhe interrompe pois todos clamam em uníssono - excepto o Bonanza, que não tem andado por cá - "porra, lá está este gajo com o Sócrates", saem risadas, e explica-se ao Bonanza, "este gajo é maníaco, anda há anos nisto, não se cala com o Sócrates e com o PS...", e há mais risos e o jpt, irritado, insiste "mas isto agora está igual ao socratismo" e há apupos, trejeitos e imprecações, "e o galamba nas minas, vocês não percebem?, e aquilo da procuradora...". Nisto o Zé Teixeira, o mais-velho à mesa, impõe-se, "deixa-te de coisas, há mas é que olhar o futuro" ao que todos anuem, mesmo que sem grande entusiasmo. "Precisamos de estudar as propostas dos partidos ("ver o que vão fazer com a bazuka", murmura o puto Flávio). "Estudar?!!, os programas dos gajos?!! Tu és maluco, aquilo são só lérias" ri-se o Zé Flávio, mas ele insiste, lançado, "pelo contrário, tem de se fazer uma análise da situação actual, que é má, e..." mas o Zezé nem o deixa terminar "ouve lá, estudar? fazer uma análise? vai-te lixar, vens para a esplanada dar aulas? vai mas é entregar o doutoramento e deixa-te de politiquices!!". "Vais por aí?" balbucia o Zé Teixeira, até acabrunhado, "assim não há condições", "Isso é má onda ó Zezé", diz o jpt, sempre em busca de aliados contra o PS, "qual quê, então o gajo vem para aqui dar-nos lições? o que é que ele quer? palmas?, alunos?", e o Zezé está assanhado. O Bonanza aproveita, repete-se, e bota que "são todos iguais, todos a quererem sacar, mas o Ventura tem-nos posto em guarda" mas leva logo com um geral "ui, olha-me este!" e o Zé Flávio dispara "vai para o caralho com o Chega!, muda mas é de mesa...", "diz o quê?", reanima-se o Zé Teixeira, a voltar-se a doutor, "as propostas dele não têm...", "está lá calado", insiste o Zezé, "agora vamos estar aqui a falar do mariola do Ventura? foda-se, já chega do Chega!" - "atenção ao palavreado, olhem as senhoras", defende o Flávio, meneando olhos em volta das mesas vizinhas onde há já quem se trejeite nas cadeiras ao que se lhe impõe o tio "o quê? se estão incomodadas que vão para a pastelaria, quem as manda vir para a tasca?" e o puto fica-se, claro. O Bonanza, que está atrapalhado, insiste mas já com cuidado, "Este tipo novo do CDS parece aguerrido, que acham dele?", e alguém lhe responde "O CDS? ainda usas samarra?", e todos se riem, "boa!", clama o jpt. "Não me digam que vocês agora são do Bloco?" espanta-se o Bonanza... e todos renovam risos, "só se for o Flávio, o puto anda a estudar antropologias e isso, lá pela universidade" diz o Zé Teixeira, "intelectual, sensível, cá para mim acaba no Bloco e a pegar de empurrão", diz o jpt a quem o uísque já está a soltar a língua, "Hé, hé, hé, calma lá!," insurge-se o tio Zé Flávio, "o puto é família, que é isso?, pá!, tem lá tento na língua". "Está-se a brincar ó Zé Flávio" diz o Teixeira, Zé também, já a mostrar-se em coligação com o jpt, "certo, mas há limites" responde o tio, em sorriso mas com voz cava, e, amansando-a, "de qualquer maneira o puto não vota no Bloco que o pai corta-lhe a semanada", e todos se riem, sabida a militância PCP do verdadeiro mais-velho, ali sempre presente ainda que agora ausente. "Bem, já que me perguntaram eu tenho uma opção" diz o Zezé, "e acho que tu és capaz de estar de acordo ó Zé Teixeira", "e tu também, jpt, porque isto vai contra esse teu Sócrates", "ok, diz lá" empertiga-se o jpt, pois sempre sensível ao tema. "O mal desta merda toda é que vai tudo para o Estado e tudo vem pelo Estado", "hâânn, hââân" colectivo, "isso mesmo" diz o Zé Flávio, "o que aliás é coisa já de séculos no país" soma-lhe o Zé Teixeira, "lá está o historiador a falar!", irrita-se o Zezé por ter sido interrompido, "ele não é historiador, é antropólogo" defende-o o Flávio, já antever o que lhe vai acontecer vida afora, "e há alguma diferença, astrólogo, antropólogo, historiador? vais-me agora ensinar alguma coisa, puto?", ainda mais se irrita o Zezé na urgência de concluir o raciocínio. E continua "ok, dizia eu, está tudo estrafegado pela manápula do Estado, e à volta deste pulula esta cáfila agarrados aos partidos" - "os sócrates!" diz, veemente, o jpt - "e nisto o ps e o psd são farinha do mesmo saco" - "e este Rio é muito fraquinho" apoia o Zé Teixeira. "Por isso vou votar na Iniciativa Liberal", culmina o Zezé... "Ihh, com um caraças, esses gajos são uns betos", dizem vários... "E depois?" continua o Zezé, cheio de mau feitio, "querem eleger operários? votem no camarada Jerónimo... de resto, qual a diferença entre estes e os tipos dos outros partidos? não me lixem...". O Zé Teixeira, que está a sorrir, o sacana, pois conseguiu pôr o Zezé a botar opinião, toma-lhe o lugar "pois, é muito bonito, mas os liberais não têm atenção aos problemas sociais, e...", "ai, outra vez, lá vem o sociólogo com as tretas dele" interrompe-o o Zezé, ri-se alto com menosprezo o Zé Flávio e o jpt irrita-se - estão já formados dois grupos de pressão, vê-se bem - e defende o aliado "o Zé tem razão, os liberais vão derrubar os serviços sociais", o Bonanza murmura não se sabe bem o quê e o Flávio já nem diz nada. "Não vão" diz o Zezé, "olhe que não, olhe que não" completa o Zé Teixeira, com esta cunhalice a mostrar que afinal não está em desacordo e nisso carrega o jpt, que o segue se for contra o Sócrates. "Primeiro de tudo porque não vão mandar, e o que faz falta é agitar esta tristeza, este marasmo" ("o que faz falta é animar a malta" entoa o Bonanza, para surpresa geral, e "hé camarada!" aplaudem-no), continua o Zezé. "E depois, porque se o tentarem fazer a gente não deixa", completa o jpt, que já aderiu, claro. "Sim, porque votar num partido não é casar com ele", ergue o Zé Teixeira, impante. "Nem sequer namorar", secunda o jpt. "É mais uma one night stand!", conclui em sotaque olivalense o Zé Flávio, que sempre quer aparentar ser homem de conquistas, ainda que a gente lhe saiba o escassíssimo currículo neste departamento.
"Agora, o importante é que todos votemos, pois um voto ou outro pouco significará", racionaliza o Zé Teixeira. "Vamos todos votar na IL?, a ver se elegem dois ou três tipos, se atrapalham aquilo?", anima o Zezé. "Por mim tudo bem" diz o Bonanza, e ri-se. "Puto, tu votas?" pergunta o Zé Flávio erguendo a mão em formato de calduço, "Voto tio, esteja seguro disso" sossega-o o Flávio, "no Chega é que não votava". "Outra vez o Chega! Porra, deixem lá essa coisa..." diz o Zé Teixeira. E quase conclui, "pronto assim está bem, sempre são seis votos que os tipos aqui ganharam". Mas o jpt é que conclui, "acho muito melhor pedir uma garrafa do que estarmos aqui sempre a pedir rodadas", "isso mesmo" responde o coro, "e paga o Zé Flávio, que é o mais abonado" é a tese que vigora.