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Nenhures

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10
Nov24

Do que se vai dizendo sobre Moçambique

jpt

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(Fotografia de João Vaz de Almada, Maputo, esta semana)
 
A fotografia é de Maputo, esta semana, feita pelo João Almada, que está a escrever reportagens para a "Sábado". Uso-a para encimar este postal, continuando a falar sobre a abordagem da imprensa portuguesa à situação em Moçambique. Chamando a atenção para algumas intervenções, para quem se possa interessar. Mas também como desabafo, diante de outras.
 
Se há um relativo silêncio ele vem-se desvanecendo. A quem não tenha ouvido ou visto recordo que a Rádio "Observador" tem dado espaço a excelentes comentários de João Feijó (1, 2). E acabei de ouvir um programa "Contra-Corrente", no qual muito se justifica ouvir Paula Cristina Roque (as outras intervenções são despiciendas). E, repito a nota, na RTP 3 também muito bem falaram Pedro Martins e Fernando Jorge Cardoso.
 
Na imprensa escrita pouco tenho lido, apenas o que me enviam. Mas há uma constatação evidente. Em Portugal continuamos com a ideia que consagra "jornais de referência", altaneiros face aos "populares". Destes o mais apupado é sempre o "Correio da Manhã" - e ainda mais desde a célebre expressão "perguntas do Correio da Manhã", proferida pelo famigerado José Sócrates, esse que a intelectualidade clientelar defendeu até ao "último cartucho" nos tais órgãos "de referência".
 
Para aquilatar da pertinência dessa velha distinção - entre "bons", pois intelectuais, e "maus" jornais, pois do povoléu - convirá ler o que hoje publica o CM (no suplemento Domingo), uma reportagem de Alfredo Leite: "Moçambique: um país amordaçado". E comparar o texto de António Ribeiro, o tal que considera Mondlane "populista", "perigoso" e "imprevisível", no "referência" "Público". Ali são notícia as declarações dos bispos católicos, justiça seja feita. E é dado o restante espaço às vozes do poder (governantes e jornalistas) a criticarem os "desacatos" - como agora cá se diz -, os quais prejudicam os bons (e ordeiros) cidadãos. É uma peça porventura incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, pois invocando o espírito dos defuntos "Diário da Manhã" e seu sucedâneo "Época"...
 
Os meus amigos dizem-me que desde há décadas tenho a "secção africana" e "afrodescendente" do "Público" como minha besta negra (ou "branca", se preferirem, a cor é-me indiferente), tantos os dislates e as demagogias ali regurgitados. Mas se esta breve comparação não chega dou outro exemplo: há dois dias o "Público" publicou esta crónica-reportagem, in loco, "Moçambique, como acertar a bússola". A autora é Ana Bárbara Pedrosa. Nunca ouvira falar, fui ver quem é: escritora, militante activa do Bloco de Esquerda, colaboradora do jornal do partido "Esquerda.net". Tudo confere, seja com o conteúdo do texto seja com o perfil da tal secção "afro" do jornal.
 
O argumento da cronista, ali recém-chegada, é relativamente simples: o problema do país é Venâncio Mondlane, um populista, messiânico e, pior, fugitivo que abandonou as massas a um infausto destino.
 
Ao ler a imunda tralha de Pedrosa ocorreram-me alguns daqueles termos que a minha irmã e a minha filha me impedem de escrever. Enviei-o para alguns amigos em Moçambique. Responderam-me com termos ainda piores.
 
Mas há um ponto a retirar do disparate pegado desta bloquista encartada. Pois é um viés que não está apenas nela. Já o vi por cá, e já o li em pelo menos dois romancistas sitos em Moçambique. É a radical aversão (ideológica) ao facto de Mondlane ser um evangélico, dito messiânico. Se a Comissão Nacional de Eleições moçambicana é usualmente encimada por um clérigo, isso não lhes levanta problemas. Se há proclamações de índole política dos bispos (católicos ou anglicanos) também não. Se as hierarquias islâmicas (muito mais difusas) intervêm, também não. Em última análise, se o grande Tutu se ergueu isso não foi mal. E se Jesse Jackson quis ser presidente dos EUA também não. Etc.
 
O que quer dizer isto? É que para estes "ideólogos" - marxistas globais, bloquistas de cá, samoristas de lá também, os neo-identitaristas, etc. - há umas religiões boas, as "(re)conhecidas", cujo clero até pode participar na política. E depois há estas (novas) igrejas, evangélicas, pentecostais até, às quais dizem "abrenúncio". Como se sejam satânicas.
 
E se em jornalistas generalistas esta incompreensão até pode nem ser deslize grave, já aos intelectuais escritores a gente pode-lhes dizer: "vai lá ler, pá!". Porque as dimensões políticas, variadas, das igrejas evangélicas estão estudadas, há literatura sobre isso - e também em Moçambique. Ou seja, este espanto, repugnado, é mera ignorância.

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