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Nenhures

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24
Ago23

Estou inconsolável na morte de Prigozhin

jpt

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Na morte de Prigozhin fico inconsolável. Não tanto pelo desastre que o vitimou, e aos seus mais relevantes lugares-tenentes, cujas causas desconheço. E, num plano mais particular, não o estou por continuar a incompreender o que se passa na cabeça dos seus concordantes lusos, meus vizinhos, esses que lhe foram atribuindo razão - uma razão histórica, que seja - como este ramalhete encabeçado por Boaventura Sousa Santos, esse já patético decano (pós-)enverhoxhista que continua a clamar que a responsabilidade desta guerra de ano e meio é dos norte-americanos. Ou os seus inversos soberanistas, afinal farinha da mesma palha, esses crentes na "nação" impoluta, que abominam a democracia liberal e nisso encontram virtudes (para mim insondáveis) na demanda russa do seu ratzeliano (e hitleriano) "espaço vital", como dizia a actual coordenadora do BE Mortágua, então comentadora política a tempo parcial.

Sigo inconsolável pois não encontro o meu "O Príncipe" de Maquiavel - legado avoengo, assim uma perda irreparável desta edição de 1945, enriquecida pelos comentários ao texto em tempos feitos por Bonaparte. Já basto usado, lombada desgastada, páginas oscilantes, amarelecidas. E uma preciosa colectânea de sublinhados, apostos pelos sucessivos donos Flávio, António José e este José Flávio. Que lhe terá acontecido, em que andanças terei perdido o querido livro? - e recordo até que há anos alguns ex-alunos me confidenciaram, risonhos, ter eu ganho entre algumas turmas a alcunha de "Maquiavel", decerto que pelo empenho veemente com que perorava sobre o autor, pois nunca fui de tratar maquiavelicamente alunos, colegas ou outrem...

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Pois caído o avião que transportava o "cabo de guerra" russo, logo avancei para as estantes, em busca da literatura necessária para compreender o acontecido. Muito mais o Tácito de "Anais" e "Histórias" do que Suetónio. E, claro, Maquiavel, esse do qual agora me resta apenas esta selecta, publicada em 1890 mas com poucos excertos da obra magna, o evidente "O Príncipe". E lá estão os nacos que procurava, para me aconselhar nesta queda mercenária, sobre o exercício do poder e sobre a privatização da guerra, como agora se chama. Para os partilhar abdico do francês doméstico e acorro aos fundos digitais, os gratuitos pdfs disponíveis, traduções brasileiras talvez menos apetecíveis aos nossos olhos. Mas suficientes. Aqui deixo os excertos sobre Prigozhin, esse que há tão pouco cruzara o Rubicão...

"Quando seja louvável em um príncipe o manter a fé (da palavra dada) e viver com integridade, e não com astúcia, todos compreendem; contudo, vê-se nos nossos tempos, pela experiência, alguns príncipes terem realizado grandes coisas a despeito de terem tido em pouca conta a fé da palavra dada, sabendo pela astúcia transtornar a inteligência dos homens; no final, conseguiram superar aqueles que se firmaram sobre a lealdade. Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o animal e o homem. Esta matéria, aliás, foi ensinada aos príncipes, veladamente, pelos antigos escritores, os quais descrevem como Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram confiados à educação do centauro Quiron. Isso não quer dizer outra coisa, o ter por preceptor um ser meio animal e meio homem, senão que um príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma sem a outra não é durável.

Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve deste tomar como modelos a raposa e o leão, eis que este não se defende dos laços e aquela não tem defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte. Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os homens fossem bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não observariam a sua fé a teu respeito, não há razão para que a cumpras para com eles. Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua quebra da palavra. Disto poder-se-ia dar inúmeros exemplos modernos, mostrar quantas pazes e quantas promessas foram tornadas írritas e vãs pela infidelidade dos príncipes; e aquele que, com mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador: tão simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar." (cap. XVIII; "De que modo os príncipes devem manter a fé na palavra dada")

"Dissemos acima como é necessário a um príncipe ter bons fundamentos; do contrário, necessariamente, cairá em ruína. Os principais fundamentos que os Estados têm, tanto os novos como os velhos ou os mistos, são as boas leis e as boas armas. E, como não pode haver boas leis onde não existam boas armas e onde existam boas armas convém que haja boas leis, deixarei de falar das leis e me reportarei apenas às armas. Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos. A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora." (cap. XII: "De quantas espécies são as milicias, e dos soldados mercenários")

E agora vou ler Tácito. Um bom dia para os aqui visitantes.

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