Falar à bolina sobre Moçambique
1. Escolho uma foto tirada em Nampula com mais de uma década. "Uma delícia polissémica", disse-a então. Tremendamente denotativa, senti então. E assim a sinto hoje, agora.
2. Os resultados finais foram anunciados. Uma vitória esmagadora do Frelimo - a permitir a revisão da constituição, julgo -, a devastação do Renamo. Com o esfacelar da oposição, a degenerescência do Renamo, a regionalização do MDM - este também em decadência desde a morte do seu presidente Simango - e a tardia constituição da candidatura de facto unipessoal de Mondlane, a vitória frelimista seria mais do que previsível.
Tudo reforçado pela grande abstenção acontecida. E sustentado pela sua base social de apoio nacional, o âmbito dos seus militantes e simpatizantes, a influência do voto tradicionalizado, também do atávico. E por ter um novo candidato, apresentado como indivíduo sem mácula.
3. Ou seja, em termos de votos efectivos nada surpreende que o Frelimo tenha ganho as eleições. Dito de outra forma, não era preciso isto tudo! Agora o partido tem uma vitória ilegitimada, interna e externamente. Fruto de uma total irracionalidade política.
4. Por causa disso surgem manifestações em vários pontos do país. Não são "jovens", são moles de "cidadãos" contestando o rumo. Entenda-se, a questão não é quantitativa (percentagens de votos, eleitos), é qualitativa, a legitimidade do processo... nacional. Espero, sinceramente, que não surjam "desacatos" - esta inovação semântica que alguma imprensa está a usar para os tumultos agora importados para a Grande Lisboa.
5. Uma nota sobre a imprensa portuguesa. Do jornal "Público" (esse boletim ideológico) - esse mesmo que há pouco tempo anunciava Venâncio Mondlane como descendente de Eduardo Chivambo Mondlane - emana agora a ideia de que "Venâncio Mondlane é perigoso", porque "populista", e nisso imprevisível... Entenda-se, segundo o especialista local - pois dizendo-o o tal único "populista" -, ele será portador de uma visão de que representa o "povo" sem mediação, imbuído de uma retórica (e crença) nacionalista, e desprovido de um substantivo conteúdo programático. Tudo isso causador de uma "perigosa" (e irresponsável) imprevisibilidade, um não-futuro.
Não sei se as pessoas conseguem reconhecer alguns desses traços ideológicos noutro qualquer partido moçambicano...
Mas também importante para nós, portugueses, não sei se as pessoas se conseguem irritar tanto como eu com este tipo de jornalismo, escrito e podcasteiro. Dito "de referência".
6. Enfim, espero que não seja uma "noite longa" nas cidades moçambicanas. Paz, paz! É muito fácil estar atrás de um ecrã, ao teclado, a clamar "Avante". Mas "Paz", "Cuidado", é muito mais....
Revolucionário.