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Nenhures

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16
Jun23

Foodies

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Júlio César Machado, Do Chiado a Veneza (Tinta da China)

Ainda me surpreendo um pouco com o efeito (recepção) do que vou colocando no blog, e partilhando nas redes a que o associo. Avance eu com as minhas exaltações totalmente pertinentes, escoradas em finíssimas análises, sobre o "estado da Nação", ou refira - o que me é cada vez mais raro - a situação moçambicana, dedique-me eu a temáticas prementes no mundo, ecoe - o que também me vai escasseando - alguma leitura que me foi mais aprazível, ou me permita a um arremedo de crónica sobre o meu, de facto, vácuo quotidiano, e obtenho reacções de um aprazível grupo mais ou menos constante de "amigos", interlocutores internéticos - "correspondentes", dir-se-ia no milénio passado... Comentários e "gostos" ("likes") que são forma explícita de me confirmarem essas simpáticas pessoas, algumas das quais desconheço, de que "estamos juntos" (como se diz em África) neste vale de lágrimas digital. O que imenso lhes agradeço, verdadeiro bálsamo que me são.

Mas diferente, por mais bojuda e bem mais agradada, é a reacção quando gingo eu sobre outros dois temas - sobre os quais sou vastamente ignorante: o futebol, claro, ainda que o venha descurando desde que abandonei o blog sportinguista És a Nossa Fé!; e a gastronomia, pois qualquer alusão que eu faça a episódios da minha frugal dieta é acolhida com evidente júbilo... Deixo explícito que tal me agrada. E sendo bloguista militante, sempre em busca do próximo postal, sinto que isso até me promove uma maior apetência pelas (aparentes) patuscadas que vão polvilhando esta minha via monástica. Mas agradando-me tal apreço alheio não deixa de me surpreender, e exactamente por não ter eu quaisquer novidades ou saberes próprios sobre a matéria.

Mas esclareci-me agora, e em lugar inesperado, sobre a razão de tais preferências. Uma querida amiga ofertara-me este "Do Chiado a Veneza" de Júlio César Machado, no qual o autor narra a sua viagem a Itália feita em 1866. Não sou eu grande consumidor de livros de viagens contemporâneos, enfastiam-me. Sejam os singelos simpáticos de Gonçalo Cadilhe, os best-sellers (e tão desinteressantes) de Paul Theroux, ou os insuportáveis do gigante Naipaul, um genial romancista mas anacrónico viajante, e até patético analista. Décadas atrás li com imenso apreço os relatos de viagens dos exploradores portugueses, da Ásia e África, e também alguns de estrangeiros que visitaram o Portugal de séculos pretéritos - mas isso é outro material, e diferente o que nele buscava, o tentar desvendar o olhar dos autores daquela(s) época(s), sua argúcia, candura e rispidez. Também por isso, enquanto tive o privilégio de ser docente, durante anos encetei uma disciplina de que estava encarregado por uma abordagem a Marco Polo, no intuito de demonstrar onde estavam os pressupostos no seu texto, tão ao invés do que rezam as ladainhas vigentes...

Mas enfim, já divago, trato então de regressar ao Machado. O qual li agora, exactamente por me ter sido ofertado pela já referida "mana" querida. E a páginas tantas (16) concede-me o oitocentista, muito popular cronista e folhetinista no seu tempo, a tal resposta à minha já antiga dúvida, esta da tamanha adesão aos "foodies", mesmo que estes básicos, como é o meu caso:

"Todos os escritores que conhecem os segredos da arte de escrever, sabem que nunca deve deixar-se em silêncio o que se come, porque os leitores distintos que lêem uma descrição prendem-se sempre com mais simpatia a esse ponto do que a outro qualquer."

Percebo, finalmente. E sossego-me, ainda mais. Pois nestes tempos nem é preciso ser dono dos tais "segredos da arte de escrever", até desnecessários face ao manuseio do telefone para se filmar ou fotografar os pitéus. Apenas falta transmitir os aromas. Lá virá o dia, Apple o permita.

 

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