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Nenhures

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24
Mai23

Jorge Forjaz

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(Jorge Forjaz, Ilha de Moçambique, 2017)

Ao longo da vida vão-se fazendo amigos, mais quando se é novo como é consabido. Na meninice, na escola e universidade, às vezes na tropa, na boémia. Nos empregos. Passos biográficos conjuntos, convívios, projectos ou obrigações comuns. Depois a gente cresce, vai envelhecendo, enquista, escasseiam as novas amizades pois rareia a disponibilidade, a abertura. Conhecimentos sim, até simpatias, mas afecto?

Jorge Forjaz é um desses meus raríssimos últimos amigos. Conheci-o já no início dos meus 40s, ele acabado da ancorar na Ilha de Moçambique - imerso no seu projecto de reabilitar uma feitoria para fazer um hotel, num interessante projecto de turismo comunitário que nunca veio a terminar. E, um pouco depois, como gerente do célebre "Relíquias", o restaurante do bom do Jorge Simões. E também nos seus trabalhos de reabilitação das casas da cidade. E por aí afora, nas minhas inúmeras estadas ou visitas à Ilha.

Não tenho projectos ou interesses comuns com ele, nem as nossas biografias são muito próximas. A minha amizade com ele veio mesmo só da minha empatia, a promover-me carinho e um grande prazer em estar com ele. E mesmo saudades, quando demorava em regressar a Muipiti... Talvez por isso aquele meu hábito de então, de lhe entrar feitoria adentro com uma Famous Grouse e de irmos bebê-la (apesar da sua consabida frugalidade) para diante do continente, com o mar a bater-nos quase nos pés, em risonhas - o tipo tem uma calma risada deliciosa - conversas.

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(A feitoria, fotografia de Miguel Valle de Figueiredo, 2011)

E depois há isto, que a muitos será até imperceptível, a suave elegância do Jorge: ainda hoje lembro a primeira vez que ele foi jantar à nossa casa em Maputo, todos naquela informalidade que nos caracteriza mas mesmo assim a forma como ele tratou a Inês (que conheceu nesse dia) num tão discreto trato fino. E que, à sua saída, eu comentei entre-casal "(não desfazendo...) o Jorge é o único cavalheiro a Sul do Rovuma"... - e isto num país carregado de proto-oligarcas, administradores arvorados e doutorados do Equador.

Há cinco anos fui à Ilha para proferir uma conferência, para aí a minha 30ª visita. Fiquei 4 dias. Não me deu para as poesias que tantos sentem quando lá chegam, não invoquei antepassados nem me deu para reescrever a história, não me encantei com o mussiro das mulheres, não calcorreei o macuti nem me espantei com a pedra-e-cal, não fui mergulhar alhures. Pois para mim, e desde há muito, a Ilha é um punhado de amigos. Com o Jorge na cabeceira (que não na Cabaceira...). Ou seja, passei a maioria desses dias sentado no restaurante que então ele tinha, o Karibu, onde se comia muito bem, bebericando e palrando na sua companhia. Assim deliciado. É desses dias esta fotografia.

Há três meses fui passar uns dias junto ao Sousa, tomar conta da quinta de uma amiga. O Jorge - que entretanto voltou a Portugal - apareceu por lá, almoçámos frugalmente com o casal Bacelar, também já regressados de Maputo e que também me visitavam nesse dia. Foi um dia óptimo, de conversa animada, risadas. Um bocado na sequência de umas visitas que antes me fez em Lisboa, mesmo aos Olivais. O outro dia enviou-me uma mensagem gravada, sabendo que eu estava na Colômbia, a dizer-me que continuava no espírito de "avante...".

Há uma hora uma querida amiga telefonou-me de Maputo. O Jorge morreu ontem, em Braga. A gente, ele e nós, sabia que ele estava muito mal. Ainda assim se fosse eu um tipo diferente, talvez melhor, estaria ali a chorar. Mas como não sou, sou apenas isto, escrevo.

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