Mais Um Beijo Pecaminoso
Há algum tempo o mundo, aliás o "ocidente", cansado da guerra na Ucrânia e desatento a outros guerreares, debruçou-se com ira e furor sobre uma beijoca do señor Rubiales, e a esse propósito de uma formosa campeã se fez mártir desvalida e demonizou-se o histriónico prócere da bola.
Em toda essa argumentação, explícita ou até implícita, notei hoje durante o parco almoço, tabuleiro na mão diante da tv, que faltou um item.
Pois já aqui terei referido o algum apreço que tenho pelo filme romântico Notting Hill (1999), o qual teve um grande sucesso internacional e que, decerto por isso, continua a ser transmitido nos canais televisivos, até em horário indiscriminado (hoje em plena hora de almoço). Ora acontece que perto do final, numa cena que é o verdadeiro clímax do filme - a conferência de imprensa em que William (Hugh Grant) pede perdão a Anna (Julia Roberts) e esta lho concede - há esta agressão de Bernie (Hugh Bonneville, depois celebrizado pela sua actuação no folhetim "Downton Abbey") a uma anónima personagem feminina. Bernie, eufórico com o desenlace amoroso do seu amigo, agarra vigorosamente as faces da referida personagem feminina, e "rouba-lhe um beijo", como antes se dizia...
Este é um problema que a actualidade exige enfrentar. Deverá esta cena ser retirada do filme, de forma a que o contexto romântico, com tons de comédia feliz, não naturalize, legitime, o acto agressor? Ou deve ser mantida a totalidade do filme, respeitando-se a obra, mas impedindo que ela seja transmitida sem qualquer contextualização, em qualquer horário e sem aviso prévio aos espectadores? Confesso que não tenho opinião final. Mas, sem dúvida, urge actuar sobre este corpo delituoso.
(Versão de postal que há meses colocara no Delito de Opinião mas que me esquecera de aqui colocar)