Marcelo e o Decote
A alusão presidencial ao decote de uma cidadã portuguesa que no Canadá acorrera à sua presença é, evidentemente, um disparate. Mais um. Uma marcelice, por assim dizer. Ainda para mais nesta era de exigências de mudanças de práticas e discursos - às vezes exageradas, muito mais vezes bem fundamentadas. Neste caso é mesmo absurdo - é que nem se trata apenas de referir a deselegância de trato, apoucando a função presidencial. Convoca mesmo a memória da insistência de Marcelo no uso do seu corpo como factor de visibilidade: as rábulas dos "mergulhos" no oceano aquando em visitas a alguns países africanos (aqui referi o politicamente contraproducente que isso é), as entrevistas em traje de banhista. E, pior do que tudo, o trocar de calções em público com um batalhão de jornalistas em seu torno. Ou seja, um homem que faz política de tronco nu vem comentar - e sarcasticamente - um decote de uma cidadã? Claro que as acusações de sexismo surgem - a activa Isabel Moreira já as proferiu. Acontece que neste caso tem razão. Mas isso nem é principal defeito. O grave é a sucessão de dislates, atitudinais, a arrombar um pouco de gravitas que a presidência requer. Tem sido um fluxo deles, intermitente mas continuado. Sobre este desnorte de Rebelo de Sousa escrevi há um ano o "A situação presidencial", sumarizando que "Honestamente, a sensação é que Rebelo de Sousa não está bem. Porventura macerado por efeito de insucessos políticos, ou por outras razões desconhecidas, a sua coreografia está descalibrada", e notando a falta de uma entourage política e pessoal que lhe vá equilibrando pose e atitudes. No fundo, lembrando que - como noutros períodos da história recente foi dito, mas agora realmente se impõe, e não apenas por motivos de querelas políticas- é preciso ajudar o Presidente a acabar o mandato com dignidade. E isto (ele) está de tal forma que para tal será preciso uma concertação nacional.
(Agradeço à plataforma SAPO o destaque dado a este postal)