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Out22
"Nhinguitimo", de Licínio Azevedo
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Fui ver o "Nhinguitimo" de Licínio Azevedo, curta-metragem refractando o conto de Luís Bernardo Honwana, ontem projectada no DocLisboa. Uma pequena pérola - e pequena porque são apenas 20 e tal minutos! Adoro, literalmente adoro, o conto - que, como poucos, tem a arte de em breves páginas ser uma súmula da História mas sem a isso se restringir, pois desprovida de panfletarismos. E muito gostei do filme. Vou velho, alquebrado, desprovido, notei-o com as lágrimas que me brotaram na breve cena romântica - essa que há anos, eu vigoroso, me teria feito sorrir, talvez até cáustico...
Mas nada desse meu encantamento me fará esquecer a dor sofrida, ali no escuro da sala da Cinemateca Nacional. Explico-me, desvendando-me, assim deixando-me nu diante dos amigos-FB. Como tantos tive os meus devaneios de vida: em miúdo sonhei-me Hector Casimiro Yazalde, o "Chirola", e logo depois Rui Manuel Trindade Jordão, eternos ídolos. Amadureci e quis-me Dexter, o Gordon, seu sax e desengonço. Mais tarde, já adulto e mais lido, ambicionei-me qual Sir Edmund, Leach esse mesmo, mente privilegiada em andanças únicas. Nada disso cumpri, e menos ainda me aproximei. Mas sobrevivi, não desiludido, fiel a um realismo realista nunca hiper, apenas convicto, resignado coriáceo na aprendizagem recebida em casa: "o mais difícil na vida é habituarmo-nos à nossa mediocridade". Restou-me, a partir dos 30 anos de homem feito, um mero sonho, o de ser cantineiro no cinema, figurante que fosse - cheguei a oferecer-me para tal a uma simpática realizadora patrícia durante uns camarões no célebre "Costa do Sol", algo recebido com evidente desprezo... Ciente desse meu (legítimo) anseio um dia uma querida amiga enviou-me um par das camisas que eu lhe dissera tanto desejar, estas de alças e rendilhadas, deixando perpassar o pelame, obrigatório adereço deste meu alter ego... Este mesmo que eu, há coisa de um ano, aqui convosco partilhei, invocando o referido "Nhinguitimo".
Pois hoje vi o filme. E encontrei o António Cabrita a representar o cantineiro - (e vai bem o sacana) -, roubando-me o derradeiro sonho de vida. E, talvez pior do que tudo, apresenta-se ali de camisa de linho branca, manga comprida, bem composta, e ainda por cima impoluta, sem nódoa de vinho ou de gordura e muito menos do encardido suor.
Enfim, não me queixo do que me decorreu neste já longo percurso, mais rico até do que terei merecido. Mas agora, depois de hoje, deste filme, deste ocaso, nenhum sonho, nenhuma ambição, me resta. Maldita camisa de linho. Imaculada, repito-o...
(Postal para o meu mural de Facebook)