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Nenhures

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17
Jul24

No "Gambrinus" Conversando Sobre Livros

jpt

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O dia fora péssimo, acometera-me uma irritação gigantesca - desnecessária de injusta que tanto a senti -, nisso um gigantesco pico de tensão, tamanho que  me ocorrera, ainda que militante anti-hipocondríaco seja, um "será isto um enfarte?". Mas bom amigo havia-me desafiado para ir petiscar jantar e não me neguei, num "navegar é preciso...", urge viver a vida, parca que esta seja, e sempre na crença de que o bom convívio é bálsamo.  E assim acorri ao "Gambrinus", o balcão lendário, no qual não aportava desde o covid, malvado.

Está o estabelecimento como sempre esteve, excelente! E nisso o que este - cada vez mais  frugal - cliente realça é a qualidade do serviço, a elegância sem mesuras, a atenção acolhedora, a boa educação para isso sumarizar. Cada vez mais rara na cidade, massificada e gentrificada, assim boçalizada. Fomos ambos parcimoniosos, ele bebendo cerveja de pressão mesclada, ali dita "mestiça" - "já não se pode dizer mulata, pá!", esclareceu-me, sábio [Adenda: de imediato recebo nota de um amigo, verdadeiro veterano e sábio: e diz-me ele, "não era nem mulata nem mestiça, era um "gambrinus"!!" Obrigado, Nuno, temos de lá ir "antes que a gente morra"]. E eu fiquei-me na clássica "loura", a qual também mudou de epíteto, é agora remediada como "branca", derivas até paradoxais da actual higiene semântica. Entretanto, ocorreram-nos umas importantes torradinhas debruadas a fino presunto, que por si só justificariam a visita. E cada um de nós enfrentou um trio de croquetes, esses ex-líbris da casa, deliciosos como sempre o foram, satisfazendo o agora também ao convocarem laivos de memórias de incursões no antanho, naqueles apetites juniores ali mesmo recompensados. Este decorrer exagerou-nos a gula, e por isso coroámos o repasto com um prego per capita, "meio-termo" como o deve ser, cuja definição apropriada me exigiria o socorro de um qualquer dicionário de adjectivos, dada a extrema compostura do que me foi apresentado.

Neste entretanto foi diversificada a nossa conversa, flanámos as questões do mundo e da pátria. E depois disso nos apartámos, mergulhando em coisas de livros, lidos e feitos, conversa que se impunha, pois é ele já responsável por um punhado destes  - um dia até se deu ao trabalho, gentilíssimo, de peneirar uma Antologia do Delito de Opinião, blog onde ombreamos, e no qual ele vigora como coordenador -, e acabara de apresentar o seu último "Tudo é Tabu",

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cujo tom freudiano é apenas fonético, uma boa e até urgente "denúncia" do denuncionismo vigente, essa mania dos gringos para cá já importada, e com vigor. Obra que lhe invejo, pois bem ufano ficaria eu se a tivesse feito (e ao trocadilho do título também...).

E nesse entretanto digo-lhe que estou a ler um livro de nosso confrade bloguista e camarada de bancada (mais dele do que de mim, que sigo demasiado relapso ao José de Alvalade), o "Terra Firme", uma incursão pela produção alimentar no Alentejo, do qual muito estou a gostar, pela escrita, nada torneada à máquina sim bem moldada, e nisso macerada de devaneios. 

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Mas mais ainda, até nisso  surpreendido, dada a pertinência analítica e opinativa do José Navarro de Andrade - o qual arranca amiúde certeiros diagnósticos como este, logo à ombreira deste seu alentejanar: "Mas o que é tangencial para os idosos, para os novos é o epítome do inferno. Na desimpedida paisagem do norte alentejano, capaz de encantar os sentimentos telúricos dos forasteiros, os jovens defrontam uma wasteland sem trabalho para eles; e qualquer  esboço de ambição que acalentem de uma existência além de sofrível não cabe ali. Entre velhos e novos, todos os outros ficaram por lá ficar, nem sempre pelas más razões; uma vida ao arrepio de sobressaltos não é um bem negligenciável para quem tende a observar os sinais de progresso pelo óculo do atavismo. Vai-se a ver o  Portugal contemporâneo, no estado em que se pôs, e poder-se-á reflectir se afinal este cepticismo não terá sido avisado" (11). Ele ri-se quando partilho a minha surpresa face ao Navarro armado de escalpelo assim tão aguçado, e nisso obrigo-me a explicar, não fosse deixar medrar engulhos futuros, até melindres, desse que nunca se sabe...: o Navarro é companheiro e bem simpatizo com ele, mas deve ser o único sportinguista que detesta, e nisso é bem veemente, não só o Bruno Fernandes como também o Pedro Gonçalves, o que me deixou dúvidas sobre as suas análises para além-da-bola. Desfeitas agora...

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E continuando neste rumo de leituras amiguistas - mas para me encenar como leitor ávido, que o homem é mesmo voraz nisso -, referi ter acabado este curioso "A Sorte que Tivemos! Um Espectáculo Sobre Abril", um quinteto de textos, um do bom do António Cabrita, ainda lá por Maputo, e que eu vira (com o Navarro, pois eles são amigos) há poucos dias, dois de Rui Cardoso Martins, o qual sempre lembro com um dos raros bons cronistas na "imprensa de referência", nas belas peças nas quais nos trazia a vida dos tribunais, e nisto decerto o apouco, pois dizem-mo bom romancista, e outro de Jacinto Lucas Pires, de quem eu nada lia desde há já décadas.

O Pedro entretanto aflorara já alguns dos seus  projectos de escrita - pois o homem não abranda -, e convocou-me a que me explanasse eu sobre o tão íntimo assunto, inquirindo se estou a seguir os seus bons conselhos. Eu ri-me, pois desde há muito que me exige ele avançar eu numa colecção (re)escrevendo textos (de blog) em que articulo com o meu pai, o "Camarada Pimentel" - "para quê, não terei editora para isso", sempre tartamudeio, "pouco importa isso, avança", responde conduz, a distribuir alento. Mas agora ri-me, e por causa outra: pois neste "A Sorte Que Tivemos!" há um outro texto, "O Cavalheiro de Abril", dedicado ao  tal camarada Pimentel. Uma verdadeira delícia - pelo menos para mim, filho do descrito homenageado -, a deixar-me - mas isso não disse ao Pedro, pois não são coisas confessáveis - choramingando, mesmo chorando, também decerto por estar aqui no escritório dele, diante da sua secretária, na sua poltrona, entre as suas estantes e tantos dos seus livros. Belíssima peça esta vinda da Patrícia Portela, neta amada do meu pai, assim minha sobrinha, e mais do que tudo filha da minha mana tão querida.

"Não seja por  isso", sorriu o Pedro, "avante nisso, e agora ainda mais!". "E também nessas outras tuas ideias", que já me havia eu gabado de uma colecta de resmungos, já reescrita e de título armado, para além de uma espécie de catarpácio de antropologia, minha tapeçaria de Penélope.

Torna-Viagem.jpeg

"Mas para quê?", insisti eu - e nisto já estávamos, a meu pedido, num breve Famous Grouse, vitualha mais adequada a resmungos. Pois se um tipo pouco vende, assim quase nada será lido, de que vale tamanha azáfama? E repeti-lhe, o meu "Torna-Viagem", que me deu uma enorme trabalheira, vendeu 160 exemplares. "Isso é muito bom!", "e ainda por cima nesse sistema de venda por encomenda na internet", disse-me, de novo ensaiando o alentar-me (um "coaching", diz-se no português actual).

Eu gargalho - nada como o tal uísque na mão, não há dúvida - e conto-lhe que aquando das 150 vendas fiz uma informação geral para os meus amigos e conhecidos, anunciando o facto. Descurando aquilo que dissera há meses a um velho amigo - romancista, e bem credor de melhor do que o silêncio leitor que recolhe. O qual é desde sempre, da nossa adolescência, dono de uma consagrada rispidez mas que me acolheu certa vez com surpreendente benevolência, elogiosa até, tanta que temi aparentar eu estar com aspecto deveras moribundo. Mas depois percebi-nos, ele decerto me andaria a ler in-blogs, e tive de o avisar - nisso libertando-o, para que voltasse ao registo agreste que é o dele, é ele, e é assim que deve ser - "éh pá!, atenção pois a autoderisão sarcástica não é lamúria!", ao que ele, lépido, ripostou "mas tens de meter um emoji, que agora já ninguém percebe as ironias"...

Mas, dizia eu, às 150 vendas fiz uma "circular" anunciando o facto. Era o número da minha anunciada utopia comercial! Mas a mensagem era também um sarcasmo, autofágico, e escrevo-o aqui como se fosse o tal emoji. E logo várias pessoas saudaram o sucesso, três académicos publicados dizendo-o com evidente sinceridade, dois outros autores também, sem pingos de ironia, sem odores de "coaching" - coisas que se detectam nas sintaxes, nos léxicos, nas entoações.. Ao que o Pedro, veterano da escrita publicada, resume: "mas são mesmo bons números, há muitos livros mas vendem pouco", haverá leitores e leituras, mas debruçados sobre temas e tons muito diversificados.

E "o  que é necessário", aconselha mesmo, "é que sejamos nós mesmos a fazer a divulgação". Pois não serão as redes sociais - e até porque já desfeita a confraria do bloguismo -, e menos ainda a imprensa. "Já o fiz", defendo-me. "Insiste", diz, autocrata, "repete!". "Impinjo?", aflijo-me, escorropichando o uísque. "Pois!", diz o mais-velho.

E assim saí, saímos, do belíssimo e tão recomendável "Gambrinus". Eu com esta missão auto-atribuída. A de não ser blasé, o que me será fácil pois abomino o blaseísmo. E isto de não ser blasé convoca-me agora a impingir o meu "Torna-Viagem" (que só se compra nesta ligação aposta no título). Mas também, já agora, e não porque qualquer noblesse oblige, estes livros d'amigos.

É Verão, verão que se podem ler. Todos estes que aqui referi têm as ligações apostas nos títulos. Basta comprar, um, vários, todos. E procurar um bom balcão - do "Gambrinus" em dia de festa, um qualquer mais modesto para o dia-a-dia. E ler.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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