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Out22
O Facebook
jpt
Há um bom par de anos que chamei a este facebook a "likeland", a terra onde partilhamos aprazíveis "gostares", uma verdadeira "utopia" de bem-estar moral. Não é um defeito, é uma saudável panaceia que nos intervala os males do mundo. Cada vez isso mais me é visível, pelo menos no nicho das interacções que o algoritmo anima entre as minhas milhares de ligações - os "amigos-FB" com os quais interajo, neste "comércio" mais ou menos frequente de "sorrisos", "anuências" e "saudações", os "likes" (e "comentários"), que (n)os vão fazendo verdadeiros vizinhos, pois nomes que se me vão tornando conhecidos mesmo que nos desconheçamos na vida real, essa incómoda "real land", tópica.
Mais percebo isso pois as nossas características, as desta minha "comunidade" de entreajuda moral, a dos envolvidos neste nosso (quase)diário "estamos juntos", que se quer avessa à solidão - mesmo que enfrente apenas o "sozinhismo" -, implica que me acolhem com ruído prazeroso e solidário, e assim basto "gostável", as novas e notas da minha vida: uns dizeres sobre o meu Sporting, ecos de uma patuscada entre amigos reais, um resmungo com a minha ciática que afinal também é gota mas esta, afinal e vá lá, é apenas um entorse, ainda que bastante incomodativo, um sucesso da minha (magnífica) filha, um livrito para o qual me consegui concentrar, uma memória do "meu" Moçambique, uma nota sobre um bom filme visto na TV ou sobre uma tasca que descobri, uma piada menos brejeira que recebi no Whatsapp. E algum, escasso, etc.
Já algo oposta é a reacção se me ponho a opinar, ou a ecoar opiniões alheias, sobre os "males do mundo", os da tal "real land". As quais vou percebendo como uma violação do protocolo que nos une aqui, neste espaço de suspensão das preocupações e querelas, essas que preenchem a vida e, também, os dizeres nas "rádio, tv, disco e cassete pirata" que nos inundam o quotidiano. Que colhem um silêncio que não será exactamente uma discordância comigo ou com a minha forma - pois para isso há o "desamigar", o neologismo daqui - mas muito mais um até mudo "ó amigo/vizinho Teixeira, deixe-se disso, quer falar de coisas sérias, incómodas? Guarde isso para os blogs, homem...". Ou, até, "para si...", num "já viu como está a sua vida? Estivesse estado você calado...!", que é coisa que não é raro dizerem-me os da "vida real".
Enfim, resta-me anuir a este nosso protocolo (numa concordância ao velho mandamento "se está mal mude-se"). Aceitar esta nossa prazerosa "likeland" tal qual ela é - ainda que consciente e convicto de que esta terra não é a Cocanha.
Mas ainda assim deixo, pois renitente, uma citação que Paulo Sousa colocou agora no Delito De Opinião, sobre esta nossa terra Portugal. Um excerto de um texto que não é de um furioso esquerdista nem de um paladino do professor Ventura, nem de um publicista da sempre pérfida "oposição". É de Ricardo Costa, director do tão institucional de alinhado "Expresso" e também irmão do nosso primeiro-ministro desde 2015. Deixo-a aqui, à transcrição, sabendo que poucos "gostarão" dela. E que, pior ainda, poucos nela atentarão. Pois afronta o sossego identitário de tantos dos "vizinhos":