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Nenhures

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25
Dez24

O governo português e Moçambique

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Em 2024 houve mundo afora um imenso, inusitado, número de eleições nacionais. A reduzir a atenção internacional sobre cada uma delas. Some-se a isso a relevância mundial das eleições americanas, até monopolizadora de interesses alheios,  a continuidade das duas guerras que mais convocam os cuidados da opinião pública e, agora, a queda do velho regime sírio. Tudo isso se congregou para a pouca relevância externa das eleições presidenciais, provinciais e legislativas moçambicanas do último Outubro. Também por cá isso aconteceu.

Nossa desatenção nacional que se reforça pelas características do nosso arco parlamentar politicamente significante. Entre o qual há em relação ao poder daquele país uma atávica solidariedade do PCP. E um desinteresse real do BE - note-se que a única intervenção significante desse partido sobre o assunto foi uma declaração da deputada Matias, a qual, de facto, apenas utilizou o caso moçambicano para criticar a posição portuguesa e europeia face à ditadura venezuelana. Quanto ao PS há uma solidariedade explícita, advinda da comunhão na Internacional Socialista, bem como - e até será mais relevante - existem liames já de décadas entre algumas figuras gradas socialistas e a oligarquia moçambicana, a vera causa do de outro modo inacreditável silêncio do PS sobre este assunto. Quanto ao PSD poder-se-á explicar o silêncio por um trio de influências: o peso de lóbi interno de algumas figuras desse partido, o rumo titubeante neste caso do seu actual Ministro dos Negócios Estrangeiros - o qual, decerto, brandirá um paupérrimo, de mítico, "sentido de Estado" para agora se justificar. E, decerto, a opinião do incompetente e ininteligente presidente da República que desse partido emanou, suas características sempre exponenciadas quando sobre Moçambique se trata. Ficarão os olhares críticos parlamentares sobre a situação moçambicana a cargo da IL, que tem tido posições pertinentes, e do ignaro bolçar revanchista colonialista desse CHEGA que para aqui anda...

Anteontem, ao fim de dois meses e meio (muito mais do que ocorreu em vários processos eleitorais deste ano em África), o Conselho Constitucional moçambicano aprovou os resultados finais - como seria de esperar. Fez algumas alterações aos números inicialmente anunciados pela CNE. Grosso modo, atribui mais 4% dos votos ao segundo candidato mais votado - que tem protestado os resultados -, e mais 1% a um outro. Entretanto, ao longo destes dois meses de contestação popular dos resultados anunciados foram vários os relevantes militantes do partido do poder que confirmaram publicamente a longa tradição do seu (do seu, sublinho) partido na manipulação dos processos eleitorais. Corolário dessas más práticas no ano passado decorreram umas eleições autárquicas sob uma enorme, escandalosa, fraude. 

Neste 2024 aconteceu mais uma enorme manipulação eleitoral. Aos protestos generalizados seguiu-se uma brutal repressão policial: o assassinato de figuras do oposicionistas Podemos, mais de uma centena de mortos, pelo menos centenas de feridos. 

Não contesto que o partido Frelimo tenha ganho as eleições, julgo até ser normal que isso tenha acontecido: aconteceu uma grande abstenção, na desmobilização do voto oposicionista devido a uma longa tradição de manipulação eleitoral, na desagregação real do histórico oposicionista Renamo (de facto cooptado pelo poder, e assim compreendido pela população), na tripartição da oposição eleitoralmente significante, para além do peso histórico do partido do poder e de este ter um efectivo aparelho partidário na totalidade do país. Não contesto a sua vitória nem a afianço, pois de facto os processos eleitorais não são credíveis - como deixou explícito a declaração da missão de observação eleitoral da UE, raríssima de tão crítica. 

A toda essa tradição de prática política eleitoral some-se a atroz repressão em curso, da qual houve nos últimos dois meses incontáveis testemunhos fílmicos e fotográficos.

Mas anteontem, ao fim dos tais dois meses e meio, o Conselho Constitucional validou o processo eleitoral. Duas horas depois, meras duas horas depois, o nosso governo divulga a sua concordância apoiante ao velho poder de Maputo. Articulando algumas recomendações gerais sobre "boas práticas" com a adopção, explícita, da linguagem que o Frelimo usa para agora se legitimar, como está escarrapachado na utilização de "o novo ciclo" no documento oriundo das "Necessidades", tópico na actualidade sempre propalado pelo partido incumbente. Nesta deriva, decerto que emanada por concordância entre Belém e São Bento (e as Necessidades, decerto), não houve sequer uma pausa, uma ligeira demora - tão típica da linguagem diplomática -, que significasse um desconforto - com o passado recente, com o presente, com o molde de autocracia eleitoral, com o constante viés repressivo.

Resta apenas um frenesim, conivente, de Sousa, Montenegro & Rangel. Precaução, dirão os sacerdotes da "realpolitik". Incompetência e desatenção, direi eu, defensor da "realpolitik".

E se há dias para ter vergonha de ser português este é um deles. A causar um Natal acabrunhado.

Adenda

Ao meu postal criticam-no, por via privada, por "aceitar" a vitória do Frelimo. As pessoas querem - sobre aquilo que "torcem" - proclamações, quais adesões. Não o farei a propósito de partidos estrangeiros. O que digo é que não recuso a hipótese da vitória do Frelimo (e adianto razões plausíveis). Mas adianto que, seja qual for o resultado apurado, nada daquilo é credível. E que a reacção do governo português é execrável. Digamos assim, se por cá volta e meia se pede a demissão (até a cabeça) de um qualquer ministro (da Educação, da Administração Interna, da Justiça, etc) por causa de um qualquer episódio, por maioria de razão se deveria pedir o abate deste ministro Rangel. 

Quanto ao resto dizem-me que hoje - nas suas comunicações audiovisuais - o oposicionista Mondlane zurziu no nosso presidente e no nosso governo, com total pertinência. Tendo também a clarividência de salvaguardar os nossos compatriotas residentes no país. De facto inocentes da incompetência do nosso presidente e deste ministro dos negócios estrangeiros (entenda-se bem, o seu comunicado é inadmissível...).

Mas como é Natal e Rangel é Rangel tudo passará e ninguém por cá ligará.

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