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Nenhures

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18
Nov22

O Grau Zero

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Todos sabemos (ou deveríamos saber) que a "razão de Estado" muito prevalece, por vezes (que devem ser escassas) em questões de política interna, muitas vezes em questões de política externa. E é quase sempre difícil "engolir o sapo" quando os nossos regimes democráticos (e seus próceres) vão violentando os princípios, seja compactuando com acções alheias seja elidindo assumir virtuosas oposições. Mas "é assim mesmo", a política é o possível dentro do necessário - e o máximo que podemos exigir em democracia é o funcionamento das instituições que abocanhem os políticos que violem as leis e a liberdade eleitoral para que se possam afastar os políticos que demasiado esqueçam os princípios. Enfim, na democracia nada é perfeito e isso não é defeito. É feitio, e bom.

É certo que esta II República muito apostou no futebol como indutor de patriotismo - quase como substituindo o vetusto "ultramar". Um pouco a reboque das surpreendentes vitórias internacionais das equipas de Carlos Queirós, depois através da desmesura do Europeu de 2004 - projecto nacionaleiro ao qual calçou que nem luva a peculiar e tonitruante  mundividência (reaccionária, strictu sensu) do histriónico e competente seleccionador Scolari. Em termos que ficaram célebres Portugal não precisa, como em muitos países, de reafirmar-se como "comunidade imaginada" nem de "produzir a Nação". Mas a bola vem servindo de cimento pátrio neste atrapalhado início de XXI - e numa verdadeira histeria, como percebe qualquer português que tenha vivido no estrangeiro e assim possa fazer comparações com a futebolização do nosso país. 

Mas estas desgraçadas declarações de Rebelo de Sousa nada têm a ver com isso. Não há qualquer "razão de Estado" inclusa nisto. Ou qualquer acção de produção ideológica. É apenas o inenarrável, mais um exemplo desta pungente presidência. É certo que o futebol é uma enorme indústria de entretenimento global, o seu mundial sénior é um cume de atenção. E também se torna evidente que as instituições do país se agarram a isso para "fazer Portugal" - tanto os poderes políticos como o servil "quarto poder". E tanto assim é que quase tudo é permitido aos agentes do futebol, que se tornaram um verdadeiro "Estado dentro do Estado" - basta ver como o problema fiscal da FPF com o seu seleccionador Santos não passou a escândalo..., ou como um país democrático aceita que os revisores de bilhetes no estádio possam parar espectadores porque têm camisolas "políticas", como aconteceu ontem em Lisboa. 

Nesse âmbito, entre o futebolismo dominante e o evidente mal-estar com a deriva da FIFA em vender o Mundial-2022 àquela ditadura árabe, nem sequer se pede ao nosso presidente que tenha alguma intervenção avessa. Apenas que se cale. Agora que um presidente da república nos venha dizer que esqueçamos a questão dos direitos humanos e que nos concentremos na selecção (lá está, o tal patrioteirismo...)?

Enfim, ao longo dos anos de bloguismo já muito botei sobre Rebelo de Sousa - que considero o pior que a política democrática nos trouxe (sim, incluo Sócrates nisto). Convicto está da sua excelência, que lhe foi dita em jovem (transcrevi um texto de Portella Filho de 1974 que isso augurava). Mas nada mais nos deixa do que um rol de dolorosas inépcias. Resmunguei sobre a anacrónica vacuidade do seu projecto presidencial (12.2016), que de facto intenta a despolitização da sociedade, num populismo manso mas gravoso; da sua adesão à mais rasteira das demagogias futeboleiras (6.2008); da sua desnecessária e maliciosa reescrita da História nacional (4.2017, 5.2017); do seu incumprimento face à política florestal portuguesa (6.2017); da sua incapacidade para pensar a relação com as antigas colónias (1.2020); do seu efectivo desnorte no início da pandemia (3.2020) [tendo-me nesse aspecto socorrido de uma preciosa transcrição: "O Torso Dispensável" de Clara Ferreira Alves, de 10.2020], bem como da forma como se pensa cidadão acima do cumprimento da lei, em pleno controlo pandémico [1.2021]; a sua explícita submissão à hierarquia da igreja católica (8.2022, 8.2022); do seu escandaloso descuido aquando da convocação de eleições antecipadas (2.2022), etc. E, acima de tudo, da minha crença de que algo está mal em Belém (6.2022) e não há ali ninguém para enquadrar, almofadar, o processo degenerativo.

Olho para este rol de resmungos e até a mim me parece uma monomania. Mas de facto não o é. Trata-se apenas de que este Presidente é uma catástrofe. E isto não tem a ver com ser mais "à direita" ou "à esquerda". E agora, com estas declarações futeboleiras, chegou mesmo ao grau zero. Mas não nos iludamos, vai piorar, e a partir de agora é para "negativos".

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