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Nenhures

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04
Ago24

O hermafrodita de Paris

jpt

hermaphrodite-as-caryatid.jpg

 
Como é usual nos velhos julgo viver numa era confusa, nada é como antigamente... É consabido que reina o (pérfido) "neoliberalismo". E noto, surpreendido, que os seus defensores radicais - ultra-neoliberais - têm raízes marxistas, alguns dizem-se até "neomarxistas", são os "genderistas". Cujo modo liberal consiste em serem defensores acérrimos da liberdade de escolha "identitária", a sexual. Não significa isso, como na minha juventude, a defesa da liberdade sexual, das práticas de sexualidade. Mas sim da escolha do sexo (ao qual chamam, por razões "teóricas", "género"). Ou seja, para estes ultra-neoliberais cada um deve escolher o sexo que quer. Desde a mais tenra idade - são, aliás, contra o "policiamento" de sexo (de "género", no jargão). E são também favoráveis a que a sociedade (via familia, por enquanto) induza quimicamente nas crianças os traços biológicos considerados apropriados ao sexo (o tal "género) adequado. Por enquanto, pois mais cedo do que tarde defenderão a indução intra-uterina de caracteristícas de sexo (sim, de "género") pretendido nos nascituros.
 
É uma ideologia, algo confusa nas suas raízes, mas vivida como tal, e com as habituais consequências: sentida com paixão e dotando os crentes de obtusidade e da crença na superioridade intelectual e moral. Em suma, criando uma chusma de imbecis arrogantes.
 
Este caso do pugilismo nos Jogos Olímpicos de Paris é exemplo maior disso. No milénio passado (do qual eu sou membro) dir-se-ia que um hermafrodita (ou, vá lá, em termos mais corriqueiros, um andrógino) estaria lá a sovar umas mulheres. Neste milénio (ao qual eu estou condenado) diz-se que está um "intersexual" de "género" feminino (por escolha própria) a combater com mulheres (também ditas, por vezes, "pessoas que menstruam").
 
Aqueles velhos (como eu) que se lembram de haver uma escassíssima minoria de indivíduos hermafroditas, coisas de derivas naturais, são apupados. Li nestes dias pessoas - normalmente de "género" feminino mas não só - considerando que estamos nós (os tais velhos com alguma memória) pejados de "ódio", "histerismo", reaccionarismo em suma. Trata-se de gente letrada, historiadores, sociólogos - presumo que até antropólogos -, "politólogos" (esse curioso termo), "comunicólogos" (este inédito termo), etc. Muitos publicaram livros, são docentes, divulgam saberes próprios e herdados.
 
E neste caso, constato, mais uma vez mas agora de forma mais visceral, genital direi, que entre as pessoas a grande diferença não é "la petite différence", a que aparta os com pipi dos com pilinha. Nem é a entre os sábios e os ignorantes. É entre os medianos, vulgares de Lineu, e os estúpidos.
 
E, como é sabido, a estupidez é incurável. A tecnologia actual permite até transformar o sexo das pessoas. Mas ainda não consegue tornar um imbecil - mesmo que letrado - num tipo mediano. Ou seja, por enquanto não há nada a fazer com esta tralha de gente. Ignorantes, estúpidos. E convencidos de si-mesmos. Podemos ignorá-los. E evitá-los. Mas temos de os suportar.
 
E quando entram em gritarias de júbilo porque um hermafrodita arreia no ringue umas pataratas pugilistas o que resta a um velho como eu é dizer a uma qualquer amiga "és uma parva" e, diante de desconhecidos, mudar de canal, acelerar o "scroll down". Ou sair da sala. Eu hoje saí de uma sala, enjoado com a prosápia alheia. Não há paciência...
 
Adenda: amigos chamam-me a atenção para que a pugilista não será homem ou intersexual, mas sim padecerá de síndrome de Swyer. Ou seja, que a questão remete para peculiares características individuais daquela mulher. Poderá ser - até agora não lera nada avançando essa hipótese. O que faz lembrar a questão de Caster Semenya, a campeã sul-africana sobre a qual também se levantavam dúvidas, e que deu brado.
 
Um amigo envia-me um texto de António Conceição (autor que desconhecia) que explica ser a divisão das competições entre mulheres e homens uma mera convenção. E é, claro! E que quando competem dois indivíduos nunca eles são iguais! O que é verdade, claro! E que este debate não é sobre um combate de pugilismo, é político. E é, claro (eu chamo-lhe ideológico, mas vai dar ao mesmo). No caso é sobre o poder de definir categorias ou não. E de alguns usarem os casos limítrofes, excepcionais, para sublinhar a porosidade das unidades discretas, e assim refutar a legitimidade das categorias classificatórias - as convenções - que apartem o contínuo humano. E assim afirmar o irrevogável direito de cada indivíduo exigir ser classificado como lhe apetece (não é viver como lhe apetece, é exigir ser classificado como lhe apetece).
 
Diante disto eu posso sair (se é que alguma vez entrei) do ringue parisiense e ficar no sofá lisboeta. E quando a mesma tropa, eivada da mesma ideologia, me bater à porta para me inquirir ou recensear - como o nosso Estado já anda a fazer - e me perguntar a minha "raça" ou a ainda mais patética "etnia" que direi eu? Que sou um iroquês e dou-lhes com um tomahawk? Esta é a questão ideológica.
 
Uma amiga participa na conversa, colocando de facto a matéria política: levanta a questão recente das voleibolistas. Eu nada sei, googlo. E vejo uma notícia engraçada, carregada de convenções: a federação internacional considerou há poucos anos que cada equipa só poderia ter uma atleta transgénero! Uma, só! Fascistas? Pelo menos Convencionalistas!!!
 
Pois é essa a questão política: apesar das irredutíveis e remanescentes diferenças quem se transforma medicamente deve ser classificado (a tal convenção) como quem já é? E mais ainda, - lá está a tal política - devem as sociedades educar para a transformação sexual (induzi-la)?
 
Entretanto fica a dúvida para o futuro: como reagirão as "convenções" quando em breve um qualquer rapaz vindo de menina (desculpem-me as convenções) ganhar uma medalha olímpica.

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