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Nenhures

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29
Dez24

O meu Paraíso Lingão

jpt

em nampula.jpg

Lamento, mas não sei exactamente onde, em 2013, fotografei este "Paraíso Lingão". Foi em Nampula, talvez cerca do Namialo, imagino. Tal como também não sei se o sentido que lhe atribuí é verdadeiro, mas isso pouco (me) importa, pois sou soberano na minha interpretação - se esta desinteresseira. De passagem o que ali vi? Ou melhor, o que ali decidi ver? Uma efígie de André Matsangaíssa assente numa base, qual peanha, que brada "Onde há Frelimo há vida". E não me contestem, por favor, não me desiludam... Até porque transmutando para hoje é isso que Moçambique precisa, de ser qual este meu Paraíso Lingão.
 
Adianto:
 
1) anteontem jantei com grandes amigos, feitos em Moçambique, vindos dos seus longe d'agora para a quadra. O estraçalhado país foi o tema, claro. Enquanto as notificações do telefone me zuniam, catadupas de factos e opiniões de lá; ficaram para esta alvorada...
 
2) um vulgar de Lineu como eu vai, em bicos dos pés (e despenteado, ao que me fizeram notar), perorar à televisão sobre Moçambique. E é óbvio que os amigos e conhecidos reagem. Uns riem-se, outros resmungam, coincidentes no "tinhas de dizer mal do governo... e do Marcelo!". Não teria, será apenas a fadiga sexagenária diante da continuada pesporrência ignara dos nossos mandantes e influentes, quando de questões africanas se trata.
 
3) amigos (cruéis) enviam-me ligações para algumas declarações. No (cada vez mais "de referência") "Observador" o embaixador Martins da Cruz - um dos poucos homens com "gravitas" na nossa cena pública - resume, magnânimo, a situação moçambicana, alertando-nos que são factos "em África", com tudo o de essencialismo negativo isso carrega. E que se tratam apenas de "problemas em duas cidades naquele país", devido aos "derrotados não quererem aceitar as derrotas". Salvaguardada está assim a justeza dos nossos próceres. E o selo "de referência" aposto ao "Observador"...
 
Na RTP o socialista da UCCLA Vítor Ramalho surge genuinamente preocupado e empenhado (justiça lhe seja feita) com Moçambique. Apela a negociações. Mais urgentes devido ao crescimento da violência dos manifestantes, no seio da qual ocorreu a fuga dos prisioneiros (entretanto outro amigo - ainda mais cruel - enviou-me um filme, detalhando o cadáver carbonizado de um desses fugitivos, linchado). E afirma as possibilidades portuguesas de colaborar nessa negociação, até ancoradas no facto histórico "do processo de paz moçambicano se ter devido a Maria Barroso" (sic).
 
4) Outro amigo envia-me um artigo de Elísio Macamo no (também "de referência") "Público". O qual critica Nyusi pelo estado do Estado. E recupera a tese de Agualusa, a de ser Mondlane um "populista de extrema-direita". Entenda-se bem, Macamo é um intelectual muito refinado, assim apenas recupera parcialmente a tese de Agualusa. Pois esta consiste em que para Moçambique é suficiente o binómio Frelimo / Renamo (no anseio de um aburguesado remanso austral "pós-colonial", digo eu, com sarcasmo) e Mondlane é um evangelista de extrema-direita populista.
 
Algo assim bem diferente do referido por Macamo, o qual não é, nem de perto nem de longe, um agualusista: pois sendo ele um saudável crítico de posições, mundividências e políticas "ocidentais" não investe demagogicamente contra o "Ocidente", como é tom do escritor. E muito menos é, como Agualusa o é, um propagandista do imperialismo da ditadura populista de extrema-direita, eclesiasticamente legitimada, de Vladimir Putin.
 
Espero assim, com interesse (e sem ponta de ironia) que - quando tudo "isto" acalmar - Macamo possa, com a sua argúcia, abordar o processo que levou Mondlane a este rumo unipessoal - dito "populista". E, muito mais interessante será, que possa argumentar sobre a crescente relevância da religião - evangélica e outras - na política moçambicana, e não só. Pois essa é uma questão fundamental, essencial.
 
(E não, não menorizo isso da religiosidade politizada: sou ateu, irritam-me aquelas rezas feitas mezinhas do Venâncio, tal como também me irritam os "Deus proteja os EUA e os nossos soldados" dos Obamas, e quase ia morrendo de apoplexia quando vi o nosso Rebelo de Sousa beijar o anel do Papa...).
 
5. Excelente, digníssima, corajosa, a declaração da Ordem dos Advogados de Moçambique, contestando a violência civil, o desleixo libertador de prisioneiros e reclamando a inadmissibilidade das execuções dos prisioneiros "recapturados" feitas pela polícia. (Já agora, o bravo documento termina com ... um trecho bíblico).
 
6. Outro amigo cruel envia-me fotos de Ribaué, um amontoado de cadáveres no meio da rua. Consta que eram atacantes (agora chamam-se "namparamas" em vez de "insurgentes" ou de "bandidos armados"). Alguns têm marcas de sevícias. E estão algemados...
 
7. O que nos vale é que estas execuções sumárias não são de ... extrema-direita. E devem ser causadas pela violência dos manifestantes. E Ribaué será uma das duas cidades em polvorosa. É isso, esta confusão, que aprendo com os comentadores encartados.
 
8. Agora vou cozinhar. Farei rojões - uma deriva da receita da Neuza do Sabor Intenso -, que deixei ontem em marinada. Ao almoço abrirei - excentricamente a essa hora - uma garrafa de vinho tinto do Alentejo, a marca branca do Pingo Doce (enólogo João Portugal Ramos), vendida ao aprazível preço de 1,45 euro (em promoção). E que escorre muito bem.
 
Beberei meia garrafa. Suficiente para a sesta no sofá. Talvez sonhe com o "meu" Paraíso Lingão. Ou então com a vitória do Sporting no jogo de amanhã. Mas não, nunca, com comentadores.

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