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Dez24
O meu Paraíso Lingão
jpt
Lamento, mas não sei exactamente onde, em 2013, fotografei este "Paraíso Lingão". Foi em Nampula, talvez cerca do Namialo, imagino. Tal como também não sei se o sentido que lhe atribuí é verdadeiro, mas isso pouco (me) importa, pois sou soberano na minha interpretação - se esta desinteresseira. De passagem o que ali vi? Ou melhor, o que ali decidi ver? Uma efígie de André Matsangaíssa assente numa base, qual peanha, que brada "Onde há Frelimo há vida". E não me contestem, por favor, não me desiludam... Até porque transmutando para hoje é isso que Moçambique precisa, de ser qual este meu Paraíso Lingão.
Adianto:
1) anteontem jantei com grandes amigos, feitos em Moçambique, vindos dos seus longe d'agora para a quadra. O estraçalhado país foi o tema, claro. Enquanto as notificações do telefone me zuniam, catadupas de factos e opiniões de lá; ficaram para esta alvorada...
2) um vulgar de Lineu como eu vai, em bicos dos pés (e despenteado, ao que me fizeram notar), perorar à televisão sobre Moçambique. E é óbvio que os amigos e conhecidos reagem. Uns riem-se, outros resmungam, coincidentes no "tinhas de dizer mal do governo... e do Marcelo!". Não teria, será apenas a fadiga sexagenária diante da continuada pesporrência ignara dos nossos mandantes e influentes, quando de questões africanas se trata.
3) amigos (cruéis) enviam-me ligações para algumas declarações. No (cada vez mais "de referência") "Observador" o embaixador Martins da Cruz - um dos poucos homens com "gravitas" na nossa cena pública - resume, magnânimo, a situação moçambicana, alertando-nos que são factos "em África", com tudo o de essencialismo negativo isso carrega. E que se tratam apenas de "problemas em duas cidades naquele país", devido aos "derrotados não quererem aceitar as derrotas". Salvaguardada está assim a justeza dos nossos próceres. E o selo "de referência" aposto ao "Observador"...
Na RTP o socialista da UCCLA Vítor Ramalho surge genuinamente preocupado e empenhado (justiça lhe seja feita) com Moçambique. Apela a negociações. Mais urgentes devido ao crescimento da violência dos manifestantes, no seio da qual ocorreu a fuga dos prisioneiros (entretanto outro amigo - ainda mais cruel - enviou-me um filme, detalhando o cadáver carbonizado de um desses fugitivos, linchado). E afirma as possibilidades portuguesas de colaborar nessa negociação, até ancoradas no facto histórico "do processo de paz moçambicano se ter devido a Maria Barroso" (sic).
4) Outro amigo envia-me um artigo de Elísio Macamo no (também "de referência") "Público". O qual critica Nyusi pelo estado do Estado. E recupera a tese de Agualusa, a de ser Mondlane um "populista de extrema-direita". Entenda-se bem, Macamo é um intelectual muito refinado, assim apenas recupera parcialmente a tese de Agualusa. Pois esta consiste em que para Moçambique é suficiente o binómio Frelimo / Renamo (no anseio de um aburguesado remanso austral "pós-colonial", digo eu, com sarcasmo) e Mondlane é um evangelista de extrema-direita populista.
Algo assim bem diferente do referido por Macamo, o qual não é, nem de perto nem de longe, um agualusista: pois sendo ele um saudável crítico de posições, mundividências e políticas "ocidentais" não investe demagogicamente contra o "Ocidente", como é tom do escritor. E muito menos é, como Agualusa o é, um propagandista do imperialismo da ditadura populista de extrema-direita, eclesiasticamente legitimada, de Vladimir Putin.
Espero assim, com interesse (e sem ponta de ironia) que - quando tudo "isto" acalmar - Macamo possa, com a sua argúcia, abordar o processo que levou Mondlane a este rumo unipessoal - dito "populista". E, muito mais interessante será, que possa argumentar sobre a crescente relevância da religião - evangélica e outras - na política moçambicana, e não só. Pois essa é uma questão fundamental, essencial.
(E não, não menorizo isso da religiosidade politizada: sou ateu, irritam-me aquelas rezas feitas mezinhas do Venâncio, tal como também me irritam os "Deus proteja os EUA e os nossos soldados" dos Obamas, e quase ia morrendo de apoplexia quando vi o nosso Rebelo de Sousa beijar o anel do Papa...).
5. Excelente, digníssima, corajosa, a declaração da Ordem dos Advogados de Moçambique, contestando a violência civil, o desleixo libertador de prisioneiros e reclamando a inadmissibilidade das execuções dos prisioneiros "recapturados" feitas pela polícia. (Já agora, o bravo documento termina com ... um trecho bíblico).
6. Outro amigo cruel envia-me fotos de Ribaué, um amontoado de cadáveres no meio da rua. Consta que eram atacantes (agora chamam-se "namparamas" em vez de "insurgentes" ou de "bandidos armados"). Alguns têm marcas de sevícias. E estão algemados...
7. O que nos vale é que estas execuções sumárias não são de ... extrema-direita. E devem ser causadas pela violência dos manifestantes. E Ribaué será uma das duas cidades em polvorosa. É isso, esta confusão, que aprendo com os comentadores encartados.
8. Agora vou cozinhar. Farei rojões - uma deriva da receita da Neuza do Sabor Intenso -, que deixei ontem em marinada. Ao almoço abrirei - excentricamente a essa hora - uma garrafa de vinho tinto do Alentejo, a marca branca do Pingo Doce (enólogo João Portugal Ramos), vendida ao aprazível preço de 1,45 euro (em promoção). E que escorre muito bem.
Beberei meia garrafa. Suficiente para a sesta no sofá. Talvez sonhe com o "meu" Paraíso Lingão. Ou então com a vitória do Sporting no jogo de amanhã. Mas não, nunca, com comentadores.