O "Público" despublica
Em Abril de 2020 estávamos confinados, e a maioria muito ansiosa com o Covid-19. Nisso muito se lia e debatia sobre o assunto. No dia 15 o epidemologista Pedro Caetano publicou no "Observador" um texto veementemente crítico dos discursos dominantes em Portugal, manuseando os dados estatísticos para afirmar que se escondia uma situação gravíssima.
Foi um clamor generalizado, e nesse dia o texto foi mais pontapeado do que defendido, com enorme arreganho, coisas do ambiente tenso que então se vivia. E muitos atacaram o jornal por o ter publicado - lembro-me de ter lido um jornalista (que fora o mais activo nos blogs entre o jornalismo português) defender que o "Observador" não deveria ter autorização para... existir. E do meu nojo diante de tal afirmação vinda de um jornalista, mas percebendo-a denotativa da mundivisão socratista, linha essa em que esse se perfilhou sob o capuz de "independente". Em suma, foi um dia em que muito se bateu no cientista e no jornal, este dito de "extrema-direita" e, como amiúde implicita Pacheco Pereira, mero instrumento de grupos económicos.
No dia seguinte o "Observador" publicou um artigo do biólogo João Correia. Também ele manuseando os dados estatísticos (e uma bela ironia, já agora) opôs-se explicitamente ao artigo da véspera, dando uma visão bastante diferente da situação sanitária do país. E, claro, também esse texto foi bastante discutido na imprensa, blogs e no eixo FB/Twitter (e muito louvado, diga-se, pois também terá servido um pouco de paliativo para as nossas angústias de então). Ainda assim eu não li um elogio que fosse à estratégia editorial do jornal de apor visões tão opostas sobre assunto tão candente. Mas pelo menos nesse dia não vi apelos ao seu encerramento e alusões à sua esconsa agenda fascizante.
Ontem o jornal "Público" publicou um artigo do médico Pedro Girão. Avesso à vacinação dos menores - o que é uma posição legítima -, e clamando a falta de comprovação científica das vacinas - o que sendo uma atoarda é legítimo de ser dito, pois não viola deontologia nem é calúnia. É certo que o "Público" tem todo o direito ao seu critério de selecção editorial, mas este texto foi publicado. Assim, e se afinal contrariada, a direcção do jornal poderia ter vindo afirmar a sua discordância com o seu conteúdo. Ou poderia ter escrito ou induzido a escrita de um texto mais informativo de teor inverso, até explicitamente crítico. Mas não, o jornal "Público" sob o director Manuel Carvalho, pura e simplesmente apagou o texto ("despublicou-o", neste falsário jargão de agora).
Convoco o exemplo de Abril de 2020 (também sobre o tema Covid) para, na comparação, ilustrar como este episódio de ontem tanto demonstra um jornal a bater no fundo, e com estrondo. E esclarece bem o tipo de mentalidade dos seus leitores, que isto aceitam. Pior ainda, mostra o teor colaboracionista dos seus "colaboradores" - que se os jornalistas da casa têm de ganhar o salário já os "colaboradores" não têm qualquer desculpa para pactuar com coisas destas. Quanto ao "grupo económico" por detrás do "Público", isso já é matéria para as elaborações de Pacheco Pereira.