O Último Adeus, de Balzac
É uma total coincidência, devida a que há poucos dias uma querida amiga me disponibilizou uma preciosa pilha de livros. A qual encetei, desconhecendo o seu conteúdo, por este "O Último Adeus" (Adieu), pequena novela de Balzac publicada originalmente em 1830 (em edição Europa-América, tradução de João Gaspar Simões).
A trama romanesca é interessante, ainda que hoje surja algo secundária, até pelo tom de época, de hipérbole sentimental: o coronel Philippe de Sucy - veterano da campanha russa, regressado a França após seis anos na Sibéria como prisioneiro de guerra - reencontra por mero acaso a sua apaixonada, a condessa de Vandières. Esta está tresloucada, devido aos padecimentos sofridos desde que se tresmalhara durante a retirada do exército napoleónico, pois durante a batalha de Berezina enviuvara do general de Vandières e apartara-se de Sucy, que ficara prisioneiro.
(Janvier Suchodolski, "A Retirada de Berezyna", 1866, museu nacional de Poznań)
(Napoleon in Russia, Epic History TV)
Desde isso a narrativa bifurca: uma via contemporânea, descrição da tentativa de curar a condessa, fazendo-a reviver o trauma, anunciando um método catártico ainda mais interessante se se atentar na época da escrita do texto; e uma analepse - que se impõe como o fundamental do texto -, a vivíssima reconstituição pelo enorme escritor que Balzac foi da batalha do rio Berezina, um afluente do Dniepre, nas imediações de Borisov, na actual Bielorússia (descrita com muita competência neste documentário, após os 50 minutos).
A travessia do Berezina (ou "batalha de Berezina") foi um momento crucial na retirada das derrotadas forças napoleónicas. Por um lado, foi um enorme rombo, de tal forma que "bérézina" veio a integrar a língua francesa como sinónimo de "desastre", ecoando o choque das dezenas de milhares de mortos ali caídos - não só militares como também o enorme séquito civil que os acompanhava, que a condessa exemplifica. Mas, e por outro lado, foi também um enorme feito de estratégia militar, de heroísmo sacrificial feito mas também de gélida táctica - queimando as pontecas construídas sobre o rio, deixando assim uma enorme mole de soldados e civis à mercê das forças russas e do letal desabrigo naquele clima invernoso, nisso possibilitando a fuga do exaurido remanescente das tropas.
(Aguarela anónima do primeiro quartel de XIX, de autoria de presumível testemunha)
Mas o que mais me trouxe para a actualidade este breve texto foi mesmo o recordar dos passos da derrota da até então praticamente "Invencível Armada" napoleónica face à resistência russa. Um exército de facto multinacional - os holandeses, cruciais na construção num ápice das pontes salvadores, alemães, polacos, etc. -, então propagandeado como veículo de "bons valores" ("liberdade, igualdade, fraternidade") barrado e depois esmagado pelo império russo, essa algo convulsa federação de povos mas tendencialmente inquebrantável.
Ou seja, e digo-o qual adenda, não é preciso reler o monumento "Guerra e Paz" para relembrar tudo isso. E é conveniente recordar...