16
Jul24
Olivais
jpt
(Postal para o meu mural de Facebook)
Nos finais dos 80s, e durante os 90s, a gente juntava-se no "Pinto" na Cidade de Lobito dos Olivais, o café atascado que fora do Sô António e da Dona Irene, os quais durante anos sempre haviam sido extremosamente gentis, paternais até, para com toda a rapaziada que ali acorria a crescer, nisso a beber como se não houvesse amanhãs, e entretanto passara a ser do Manuel Pinto - de longe, de muito longe, o mais competente, simpático e verdadeiro companheiro dono de estabelecimento que conheci nestes meus 60 anos, um "tipo do caraças" mesmo. Estar ali era uma festa - até excessiva, concedo, se vista desde este futuro.
A gente, aportada a adulta, a terminar cursos e a entreabrir a vida, naqueles tempos fáceis de juventude e europeias "vacas gordas", no "Pinto" nos chegámos aos "mais velhos", esses que anos antes havíamos visto de longe, cobiçando-lhes motos, carros e, sim, as namoradas, sempre lindas pois a nós inacessíveis. E, talvez mais do que tudo, a postura desprendida, vitoriosa.
Os piores anos do bairro haviam já passado e os nossos mais-velhos com que deparávamos eram verdadeiros sobreviventes, haviam passado incólumes as malvadas pragas. Estavam vividos, cada um à sua maneira, mas incólumes. Eram "donos da terra", do bairro Olivais mas também da nova Lisboa que germinava, do Cais do Sodré/Bairro Alto à 24 de Julho e, anos depois, às Docas. É certo, nós tínhamos já muito atrás de nós, tanto que até lhes abríamos caminhos, recantos e becos que eles desconheciam. De certa forma, reconheçamo-lo, éramos mais refinados, de outra "geração". Mas, e também por isso, sabíamos que os mais-velhos vizinhos - então já casados, quase todos pais - tinham "muito andamento" e louvávamos isso. Enfim, as nossas rotas alhures eram um pouco diversas mas em encontrando-nos era logo cumplicidade. E, quando no bairro, "estávamos juntos". No "Pinto"...
As décadas passaram, as rotas divergiram, e mais do que tudo o tempo apartou-nos, em tantos casos para sempre. O Filipe, uma doçura de homem - aqui no meio da fotografia - morreu este ano, ontem seria o seu aniversário. Visito-o, saudoso ainda que dele nunca tenha sido íntimo - sim, devido à memória daquela sua doçura, tão rara. Aqui, na já velha fotografia, estava rodeado pelo Morais, insigne piloto de caça, pelo Luís "Casado" (o qual casara muito cedo, e bem, assim ficou nomeado), também dito "Alain Delon" pois bonitão (e que algo se desagradava quando este puto o dizia, provocador, "Alain Velhon"). E pelo Miguel Rodrigues, a beber café, "o ilustre causídico" como o chamávamos evocando a grande personagem Ezequiel Prado, da lavra de Jorge Amado, o Miguel tão meu querido, que tantos (e mais tantas, diga-se) nos julgavam irmãos, "eu o irmão feio, ele o irmão bonito", sempre concluía eu.
Dos da foto já morreram quase todos. Só cá estou cá eu, que estaria na mesa da tasca, eufórico. a jogar ao "Capitão Cook" (do qual fui grande campeão). E o Beto - aqui chegado vindo do Chiveve -, à esquerda, a quem comprara eu o meu Carocha - que me substituiu o Fiat 600, que se desagregara em combate. E que comigo continua a ombrear. Temos nos aguentar, pá! Nós os dois, e mais alguns, cada vez menos, que por aí, e aqui, ainda resistem.
E assim bebo um copázio de água à memória do Teles, do Filipe. E um uísque à memória de todos os outros que já foram.