Vi agora na televisão este "Operação Outono", filme de 2012 realizado por Bruno de Almeida. Já lera sobre o realizador, e em termos elogiosos, e isso acicatou-me a curiosidade assim orientando-me no demorado zapping entre canais por cabo. Até porque desconhecia o filme, não tinha qualquer memória de sobre ele ter ouvido falar. Nele se trata da operação da PIDE em que Humberto Delgado foi assassinado e do posterior julgamento dos seus autores, materiais e morais. O seu argumento baseia-se, soube ao ver o genérico, na biografia do célebre general feita pelo seu neto, o antropólogo Frederico Delgado Rosa (um intelectual de grande gabarito), a qual nunca li.
Como é óbvio não me vou por a perorar sobre a tese reconstrutora do assassinato, nada li de substancial sobre isso e tenho apenas uma vaga memória do julgamento. Mas lembro-me de já na altura os meus mais-velhos explicitarem que se tratava de uma espécie de "limpeza de arquivo", descarregando o ónus do crime político sobre um "bode expiatório", o mero agente "de base" Casimiro Monteiro.
Mas passados 60 anos pouco importa isso. O interessante será a sensação sobre o filme, principalmente para quem nunca o viu. Não é uma peça inolvidável mas é um produto visível, mediano na imensidão da actual oferta fílmica internacional. Será até talvez menos apetecível para portugueses, dado que nós - pelo domínio da língua - poderemos melhor perceber algumas interpretações um pouco menos conseguidas. Ainda assim foi uma boa surpresa, e recomendo-o aos espectadores do canal HBO, no qual ele está disponível.
Tenho uma ressalva, que pode parecer uma minudência mal-disposta mas a qual refiro pois julgo que denota características descuidadas de produção cinematográfica que já não seriam de esperar em produtos recentes. A cena final demonstra o assassinato - numa analepse, sinalizada pelo recurso a preto-e-branco que senti como opção estilística descabida -, com o autor material relembrando o episódio. Passa-se já no final dos anos 1970, anunciada como na África do Sul, para onde ele se teria refugiado, escapado à punição devida. Ao que li essa cena (como muitas outras) terá sido filmada na Companhia das Lezírias. Ora na breve cena mostra-se uma pobre fazenda sul-africana, com Casimiro Monteiro abrindo o porta-bagagens do seu automóvel, um velho e descuidado Ford. Com o volante à esquerda...
Ok, algum mais acérrimo defensor das opções do filme poderá argumentar que se está ali a deixar implícito que Monteiro - e seu carro - teriam ali chegado nas caravanas automobilizadas partidas de Angola durante a transição para a independência, e que teria ainda transposto a Namíbia até ali aportar, talvez nisso tudo sinalizando a relativa pobreza a que estava consignado. Mas nenhum outro indício no filme aponta para isso. Fica assim apenas a ideia de um anacronismo, em plena cenal final e sumamente elucidativa. Ou seja, se não era fácil à produção arranjar um carro de volante à direita mais valeria ter filmado o carro de outro ângulo, elidindo o volante. Evitando este desnecessário incómodo àqueles que aceitam o pacto do consumidor, isto de crermos na verdade real do que estamos a ver. Ainda por cima mesmo no final.