Os Esquerdalhos
No mural de Facebook do escritor moçambicano Pedro Pereira Lopes encontro esta fotografia, acompanhada de um irónico texto aludindo às vestes do deputado irlandês do Parlamento Europeu Michael Wallace (assinalado na fotografia), durante a recente visita à Assembleia da República de Moçambique de uma delegação de eurodeputados da subcomissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu - incluindo a portuguesa Isabel Santos -, deslocados àquele país para avaliarem o trabalho da missão de formação da União Europeia (EUTM) no âmbito da cooperação UE-Moçambique em segurança e defesa. O texto de Pereira Lopes foi bastante comentado e partilhado, surgindo opiniões de sentido diverso mas entre as quais - como é recorrente no país - logo surgem interpretações remetendo a situação da indumentária do irlandês para o racismo colonialista dos "brancos", desrespeitador dos africanos e suas instituições.
O pequeno episódio logo me lembrou uma bem-humorada troca digital de opiniões, acontecida há poucos dias, que tive com um antigo (excelente) professor cooperante português em Moçambique, sobre o conteúdo que atribuo ao termo "esquerdalho". Pois melhor exemplo não haverá - até porque evita invectivas dentro do universo português, sempre apoucáveis como "clubistas" - para ilustrar o pejorativo que implica tal categorização. Que associo ao primado da atitude face ao conteúdo, raiz (e não mero sintoma) da desonestidade intelectual e da malevolência política.
Para quem esteja minimamente familiarizado com o protocolo indito dos políticos europeus (e não só) a fotografia é elucidativa. Nela dois dignitários moçambicanos recebem na sua sede uma missão visitante a quem reconhecem/atribuem a relevância de pares. A maioria dos membros da delegação dos sete eurodeputados simboliza nas suas vestes a dimensão de "visita de trabalho" ("de campo"), aligeirando a formalidade das vestes, estas com contornos utilitários - as duas senhoras de sapato raso, uma de vestido simples outra de calça e blusa; e quanto aos homens apenas um está de fato-e-gravata (e surge algo desarranjado), um outro de gravata mas de casaco e calça, outros dois desengravatados nos seus "blazers". Em suma, um "business casual" simbolizando uma deferência para os anfitriões e o carácter "on the road" da missão, apelando a alguma informalidade do contacto (o fundamental da mensagem implícita) e ao conforto nas andanças. O irlandês opta por outro registo, extremando a informalidade, através da combinação de pólo, sandálias e calções - ou seja, não está em diálogo com as contrapartes (a moçambicana, os membros da missão da cooperação europeia no terreno), está em monólogo, a afirmar a sua posição. Toma uma atitude e proclama-a, "je m'en fous". Um je-m'en-foutisme relativo aos interlocutores directos e também - como se comprova pelos ecos locais a que acima aludo - pelas formas como a sua postura será interpretada num universo que o desconhece, apreendendo-o apenas por aquilo que ele representa, o parceiro União Europeia, seu Parlamento e mesmo, por arrasto, as sociedades europeias. Nada nesse diálogo implícito conta para o irlandês Wallace, apenas cioso da sua "atitude" para consigo próprio - e para os seus eleitores, lá no seu pequeno círculo, decerto que saudando entre Guiness e Jameson a postura do "nosso Mike" lá pelas "Áfricas" overseas.
Diante desta patetice energúmena fui ver quem é o óbvio esquerdalho. E bate tudo certo, qual "chapa 5". Mike Wallace pertence ao Independents 4 Change, e inscrito no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde. É uma personalidade excêntrica que foi catapultada pelo espectáculo político televisivo irlandês, e vem fazendo um histriónico e egocêntrico exercício parlamentar, - fazendo-me nisso lembrar aquela nossa deputada radical que se alcandorava a figura bíblica num "eu sou o incómodo". Nisso vem sendo um paladino das virtudes do regime chinês e do Partido Comunista Chinês (ainda que este não seja completamente perfeito, permite-se dizer), que permitem uma melhor vida e mais direitos aos seus cidadãos do que os regimes capitalistas europeus. Nega também a relevância da política chinesa de repressão sobre os uigures. E, claro, louva os regimes da Venezuela, Rússia, Bielorrússia e quaisquer outros que entenda avessos à pérfida Europa e seu "neoliberalismo", independentemente de hipotéticos méritos ou defeitos que tenham. Etc, pois o rol de dislates está bem composto.
Ou seja, o que é um esquerdalho? É isto, a redução à atitude, à profusão de "bocas". Grassam por aí e também por aqui esquerdalhos destes. E mais me chateia ver como esta gente, este tipo, armado(s) ao pingarelho ainda convoca(m) os eternos discursos racialistas lá na "Pérola do Índico". Por causa das sandálias e do chulé. Intelectual...