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Nenhures

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30
Ago21

Os Stones, aos 14

jpt

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Entre 2007 e 2009 (e algumas escassas entradas nos anos seguintes) participei num blog colectivo dedicado ao bairro onde cresci - e agora voltei a viver -, o Olivesaria. Ali deixei algumas memórias da meninice. A este texto já o republicara, no meu anterior Courelas. Mas como agora morreu o Charlie Watts recupero-o, para recordar como ele e seu grupo tão importantes me foram:

*****

Olivais, 1970s

A Primavera de 78, aos 13 anos? um poço de timidez desajustada, tão fundo poço que até afogou quase tudo da memória desse ano. Muito mais tarde haveria de recuperar algo desse tempo, como se me preenchendo, em incompetente regime de auto-construção própria, entenda-se. Mas isso só uma mão-cheia de anos depois. Nesse então foram aulas de manhã e, ainda, as tarde passadas a jogar futebol.

Foi nessa época que conheci o Mário W. – e ainda me lembro de ter sido o puto Zé que nos apresentou, à frente do supermercado “Canguru” a dizer com um sorriso “temos um novo amigo“, e tivemos que o Mário era uma jóia. Vivia no prédio acima do meu, o do Zé Nuno Martins, esse onde de vez em quando aportava um célebre “Cantor da Rádio”. O Mário chegara da Guiné-Bissau para viver com a tia, a família passara um mau bocado por lá, detalhes que só alguns anos depois pude dele saber e entender, coisas das revoluções e dos horrores nunca-ditos da família Cabral. Ele era um amigo de mão-cheia – do qual perdi o contacto, estupidamente, pela minha inércia após termos crescido para circuitos diferentes e dele ter avançado na biografia mais depressa, casado e trabalhando ainda eu andava numa tardia adolescência, e depois até enviuvando, ao que ouvi. Nessa época passávamos as tardes no quarto dele ouvindo música, uma fantástica iniciação ao “afro” – funky, disco (sim, disco), reggae, mais tarde até ska. Sabia lá eu que estava a ouvir o Off The Wall, os Chic, Diana Ross, todo o Motown, tanta coisa que era aquilo tudo. Pois para mim que apenas conhecia, através dos mais velhos e da rádio, o rock inglês e o rock progressivo, de todas aquelas novidades só o Marley me já era ícone, o resto apenas fabulosa música. Era um mundo novo que se abria, uma fabulosa discografia baseada num gosto tão diferente, tão mais burilado, tão mais rico, e um ritmo quente, diferente, como se outras coisas houvessem por aí afora. Quase tudo daquilo era pertença do primo dele, um tipo mais velho, já nos vintes e tais, e que veio a morrer novo, só depois percebi que da doença que entretanto chegou, coisas do como ele era e vivia. Música a deixar-nos sentir diferente também pela dança que ali aprendíamos, ainda que desajeitados de envergonhados, pois tanto o Mário nos dava “aulas” como a prima Zinha, um bom par de anos mais velha, nos ensinava, com uma simpatia radiosa a fazer crescer os miúdos.

Nesses meses dos 13 anos foi o começo do crescimento, uma coisa feita neste encerramento que aqui resmungo, porque ainda dolorosa memória, entre os livros paternos, a colecção de bolso da RTP que até já ia comprando, e a música a fazer-me assim. O primeiro single “Money”, comprado no “Pão de Açúcar” e depois o primeiro LP, “Animals” dos Floyd, 240 escudos comprados com 12 notas de 20, que me era a semanada. A seguir o primeiro Dylan, “Desire” que tinha uma canção quase pop que falava de namoro nas praias tropicais chamada “Mozambique”, sabia lá eu o que me viria depois. E o primeiro Genesis, “Wind and Wuthering”. Em Julho, já aulas terminadas, tomei uma decisão que depois percebi como estruturante da minha vida: no dia seguinte ao meu aniversário, chegado aos 14 anos, contado o dinheiro das prendas oscilei entre comprar um skate – como alguns queques tinham – ou o duplo ao vivo “Love You Live” dos Stones.

Hesitei, hesitei… E na tarde de 3 de Julho fui ao Apolo 70 comprar o disco. Foi só pôr a tocar a introdução – o excerto da “fanfarra para o homem comum” de Copland – para perceber que se fodesse o skate . Dois meses antes, numa tarde sozinho em casa, roubara o primeiro SG Filtro da secretária do meu pai. Fumei-o à janela das traseiras, a olhar um Tejo muito longínquo. A deixar-me um sabor que muito de vez em quando ainda me aparece – para aí há um ou dois anos regressou inopinadamente. Pode-me matar esta porra de vício. Mas então construiu-me.

Bloguista

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