08
Mai24
Ouvidos livres
jpt

Guiar à noite na estrada é bom. Não tanto pelo carregar no acelerador, coisa que já não faço (bons velhos tempos...) - e não só por causa dos radares, é mesmo a consciência de que já me faltam os reflexos para o que der e vier... Mas dado que não se está tão dependente dos ruídos alheios, coisa do trânsito citadino, nisto de no estrada afora noctívago ser suficiente atentar nos faróis. E assim pode aumentar-se o som da música, até mesmo à demasia. Ontem fiz dezenas de regrados quilómetros, tendo para isso apanhado na 2 o final da 9ª de Beethoven, uma actuação em Berlim de 2023. Há quem a diga o supra-sumo, até ideológico, mas também quem a diga um "significante vazio" (Steiner?, Ricoeur?, estou longe dos meus livros, não os posso consultar, e já sigo desmemoriado...), pois "serve para tudo", de tudo é símbolo. Mas é imponente, "enche" (e por isso vem "servindo para todos").
Sorte, disse eu. Só depois, já em casa, percebi - via o sempre interessante blog "Herdeiro de Aécio" - que ontem se comemoravam os 200 anos da estreia da sinfonia. Então por isso ouço-a até quase de madrugada (dirigida por Solti, com a Sinfónica de Chicago, que muito miúdo ofereci ao meu pai em LP duplo) - e eu, que há décadas não ouvia as sinfonias do génio nada surdo, desse registo afastado, enfastiado até, ouço agora duas, a 3ª na Gulbenkian há dias, a 9ª agora para cá do Trancão entre árvores.
E hoje ligo o Spotify, deixo-me a ouvir canções tão diferentes, uma selecção feita colectivamente, por amigos, canções "dos nossos tempos", uma celebração de facto de todos nós, amigos de geração em comunhão. Coisas tão diferentes, algumas belas, outras divertidas, outras apenas nostálgicas. Prazerosas, todas, a mostrarem que os ouvidos (pelo menos os ouvidos) não têm donos.
De repente aparece-me esta "Only the Lonely", que já quase esquecera apesar do quanto dela ter gostado. "Gostas disto?, mas é uma cançãozinha, de uma bandazinha", lembro-me tão bem de um amigo melómano me ter invectivado há 30 e tal anos. Mas é-me, sempre o foi, uma delícia, e deixo-a em "loop". Depois procuro uma versão "ao vivo" no youtube, para partilhar. Da época há esta, com som e imagem decentes - apesar da introdução televisiva. E há outras, destes últimos anos, com a Martha Davis, desgastada como eu, curvada quase como eu, até com ar de velhinha vizinha nos Olivais, mas a cantar com a voz de então...
Mas prefiro partilhar o "tudo" de então. Mesmo para frisar aquilo de que os ouvidos não têm dono. E muito menos... agenda.






