Pinto da Costa?
AZ Alkmaar - 3 (2) x Sporting - 2 (1) (AP) de 2004/2005, TU - 1/2 Final - 2ª Mão
Há dois anos fui a Norte, aboletei-me em maravilhosa quinta de querida amiga, ali nas cercanias do Sousa. Nesses dias tive o privilégio (verdadeiro) de ser visitado por amigos sitos nesse acima-do-Trancão. Foi a última vez que vi o Jorge, um delicioso amigo feito na Ilha de Moçambique - com o qual nunca tive, geografia a isso obrigou, grande convívio mas ao qual me unia uma enorme empatia, que quero crer fosse recíproca. O Jorge - que morreu dois ou três meses depois, não sem antes me ter enviado uma mensagem audio, que recebi em Bogotá, a resmungar comigo devido ao meu "direitismo" exarcebado, e a qual não consigo apagar do meu telefone - já estava muito doente mas ainda assim meteu-se ao volante e foi até lá, junto a Paredes. Também foram a Cristina e o Rui, este apareceu um bocado manco, dado a lesão que o acometeu, queridos amigos feitos em Maputo. Foi para mim, neste abandono em que às vezes, demasiadas, me sinto, um dia delicioso. Sentámo-nos a tasquinhar na varanda, com a frugalidade que era, evidentemente, necessária. E falámos da vida que fora.
Às tantas eu contei (mais) uma memória, convocando a gargalhada geral, daquelas até às lágrimas. Pois lembrei este jogo do Sporting com o AZ67, meias-finais da Taça UEFA, há já 20 anos. O qual vi num ecrã gigante na esplanada do "Eagles", na baixa de Maputo, em mesa apinhada. Na qual estava o Rui, claro. E também o Nuno, e a este convoquei então para mandar calar um pateta benfiquista que ali nos azucrinava porque perdíamos a peleja, e eu (que a última vez que me bati com alguém deveria ter 11 ou 12 anos) já estava pronto para a porrada... E no final do jogo, aos 120 minutos - final do prolongamento, já em desespero -, num canto em que até o guarda-redes Ricardo "foi lá à frente" o Sporting marcou, por Miguel Garcia, o lendário golo que o levou à final da Taça (aos 8'15'' do filme). E eu, nos então meus 90 e tal quilos, logo me encontrei, exultante, histérico, ao colo do Rui, ele um pouco maior do que eu, e ambos (ele garboso heterotóxico militante, eu também heterotóxico mas mais onírico) abraçados de beijos na boca - sem língua, sem língua....!!! -, tamanha a felicidade sentida! O que o Jorge se ria, o que se ria a Cristina, o que também se ria o Rui (ainda que tentando negar...), o que me ria eu, com tal memória!
É a bola. O futebol. A suspensão do resto. Enquanto ela rola, os "nossos" jogam.
Mas isso não justifica, nada justifica, que nos suspendamos nos restantes dias, sempre! Que sigamos despojados dos nossos critérios. Um simpático interlocutor veio agora ao meu mural FB exigir-me "elevação" por ter eu resmungado diante do inaceitável coro de elogios ao defunto Pinto da Costa. Por aí afora há imensos encómios ao indivíduo e também apelos desse tipo, o "respeito pela família", "pelos amigos"- como se a família não conhecesse o seu patrono e dele, e de tudo aquilo, vivesse. Como se os amigos (general Eanes, incluído, para mal dos nossos pecados) não fossem adeptos daquilo, miseráveis coniventes. E clientes, quantas vezes.
Vejo agora que o jornal "A Bola" noticia ter o Portimonense jogado hoje com o nome de Pinto da Costa nas camisolas, e que a equipa o homenageou antes do jogo que fez. E logo me lembrei de outro episódio: há cerca de 30 anos Rui Nabeiro decidiu financiar o Campomaiorense no futebol, e entregou a tarefa a um filho. O clube ascendeu à I divisão durante uns anos. Apesar do patrocínio, decerto que generoso, era um clube modesto, plantéis modestos, jogadores modestos - desses que não ganham milhões, que chegados aos 30s avançam para a II ou III divisão, disso seguem para alguns empregos não especializados. Depois uns prosseguem a sua vida, com memórias feitas, outras atrapalhar-se-ão. Um dia num jogo Campomaiorense-Porto houve sururu, e um dos modestos jogadores de Campomaior, ali a fazer pela vida (o prémio de jogo, a ansiar pela manutenção na I divisão, nisso a renovação do contratozeco), foi expulso. Cá fora contou o que acontecera, uma mariolice qualquer (mais uma) do árbitro e ele a protestar. E o guarda-redes do Porto, esse Vitor Baía que viria a seguir até ao fim com Pinto da Costa, a gozá-lo, com sarcasmo, "cala-te, ou vais para a III divisão como o Portimonense" - como fora este clube, remetido por Pinto da Costa pois se indispusera com o seu presidente, o pato-bravo local Manuel João (julgo), que tendia para o Benfica... E o pobre (modesto) do Campomaiorense irritou-se, foi expulso.
E é esta elevação, estas "condolências", que convocam. O respeito pela corrupção, pela violência (eu lembro-me do sexagenário - ou já septuagenário - Carlos Pinhão a ser agredido em Aveiro pelos homens de Pinto da Costa), pela falsificação. Querem o respeito pelo malvado princípio "o que importa é ganhar, seja lá como for". O homem foi um escroque imundo, corruptor da sociedade portuguesa. A agora chorosa família sabia-o perfeitamente e disso fruiu, e muito. Os amigos também ... o são. "Elevação"? Como diria o Boris Vian, se vivesse nestes tempos, "hei-de escarrar no teu forno"! E nos dos adeptos de tais modos...