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Nenhures

Nenhures

17
Jul24

Qual homem do leme

jpt

(Um homem na cidade, Carlos do Carmo)
 
Ontem escrevi memórias sobre a velha "cidade do Lobito", e alguns "dos tempos" me dizem "estiveste bem, Zezé!", num até imaginado "era assim mesmo". E também por isso hoje deslizo até à seguinte "de Benguela", em busca dos resquícios daquele tempo. Ali abanco, deparando-me com inesperado festival festivo, e nisso usurpando a energia de gente que não é já a minha, de quase jovens que ainda vêm, que ainda se imaginam... Irrito-me, na consciência desse meu hiato, e nisso bebo com vertigem, naquela sede como se o Miguel, o "ilustre causídico", estivesse ali, como se o João, o meu amado "Prudêncio" - e que falta me fazes, João -, me esperasse ("borrego, já abusaste....", diria), como se o "Barão" me beijasse como homem e me levasse num "Bonanza, hoje estás...", como se outro Miguel afilhado gargalhasse comigo, como só ele gargalha, como se outros, e tantos foram, estivessem ainda ali para me dar a mão... e a alma.
 
No entretanto uma amiga invectiva-me, longamente, por não ser amoroso - incompreendendo, como todos e, mais do que esses todos, eu mesmo, ter eu sido eu, ser eu, um homem de um único amor, destruído na vida. E na mesa acotovelam-se, imagine-se, espantoso nesta era, casais de noivos, projectando casórios, e nisso se calhar também, meio mudo, sorridente, o meu mais novo amigo, sexagenário afinal também ele apaixonado. E, ainda por cima, no meio de tudo aquilo, um jovem casal desavindo, em histriónico recomeço.
 
NIsso refugio-me, encosto-me ao balcão, toca na rádio a minha "Homem do Leme" dos Xutos - que eu, quando quis fazer uma tese de doutoramento coloquei na introdução, para convocar aos doutos um "o que é isto?" que me desse espaço para responder eu um altaneiro "sou eu, foda-se", intelectuais de merda... À "Homem do Leme" eu ali ao balcão acendo um cigarro, o dono deixa-me num "que se lixe, já fechou!" e percebo, recordo, que não há maior prazer no mundo do que fumar um cigarro num balcão enquanto se bebe.
 
Nisso transito para o uísque, o Famous, "a sério?" perguntam-me, conhecedores dos meus cuidados actuais, isto de querer eu protelar o descalabro. "Venha", afianço, para acompanhar os Xutos da minha vida... E eu, o meu homem do leme, resmungo-me "puta de vida que nunca mais acaba!", cristão ateu que sou e assim, por isso mesmo, obrigação, a aguentarei até ao fim, caralho. Ali ao balcão escrevo, mais uma destas merdas que quase ninguém compra. "Não vais publicar isto!, foda-se, é demais!", diz-me, até preocupado, o Zezé, também ele já no Famous. "Claro que publico", respondo-lhe, indignado, pois eu sou um patriota, lembro-me, "o homem que transporta / A maré povo em sobressalto". Serei pífio nisso. Mas sou-o, que se foda. Nisso beijo, nas faces, uma das noivas, linda, invectivando-a "trata bem o puto, que é uma delicia", que o é, o cinquentinha...
 
A noite acaba, a casa fecha, regresso a casa ombreando com o Zezé, preocupado comigo, com isto da "merda de vida que nunca mais acaba". E por isso lhe sirvo um magníico rum da Guatemala, que meu "irmão" querido acabou de me oferecer. E assim rimo-nos, pois comungamos o "amar a liberdade", e nisso vamos "pela estrada deslumbrada". Patriotas que somos. E por isso, por tanto isso, aguentaremos, eu e o tal Zezé, tudo isto. Quais homens do leme! Não, como verdadeiros homens do leme.

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