Racismo ou mera ilógica na administração pública?
O meu amigo é meu colega. Ou o meu colega é meu amigo, como se preferir. Professor em universidade estatal, pós-graduado em país europeu, profissional de sucesso no seu país. Viajado pelo mundo. Aos quarentas chegado (já! quem diria ..;). Vida familiar estável, casado com a minha colega que é minha amiga, ou vice-versa, também ela em universidade estatal, o que quer dizer emprego estável, também ela pós-graduada em país europeu, também ela profissional reconhecida no seu país. Filhos crianças, que a família lhes vai crescendo e a gente saúda. Avanço estes pormenores para chegar ao pormaior: não me parece biografia nem perfil de candidato a imigrante ilegal. E se o fosse cairia na categoria, sempre bem-vinda ainda que tal nunca seja dito, do “brain drain“.
Vem agora a Portugal o meu amigo, que meu colega é, coisas de um seminário académico, e mais um pulo a Cabo Verde em qualquer reunião, pois Lx é escala do voo, e uns dias por cá, a comer algo e uns vinhos a acompanhar, a rever as vistas que tanto estão na moda, uns abraços a amigos. Precisa de um visto para entrar em Portugal, o meu colega, que meu amigo é. E para isso pede-me o necessário termo de responsabilidade. E assim me comprometerei a assegurar o seu alojamento, até a sua subsistência e o repatriamento. Serei a sua tutela. É um bocado humilhante mas as pessoas estão habituadas (e eu já preenchi vários) à arrogância “tuga”, resmungam e torneiam. Digo que sim, claro, em troca ele trazer-me-à um saco com castanhas, daquelas do mercado do peixe.
Vou ao portal da administração pública, gravo o formulário, imprimo-o. Preencho-o, e digitalizo-o para lho enviar. Mas não basta. Tem que ser reconhecido. Saio de casa, metro, e vou ao notário. 2 horas para isto. Pago 11, 80 euros. Até estava à espera de mais mas ainda assim, de sorriso blasé afivelado, resmungo “dois contos e quatrocentos por um reconhecimento que não devia ser necessário“. O funcionário diz-me, sorrindo, “para nós ficam 4,80 euros, o resto são taxas“. Ou seja, o estado saca-me sete euros para que eu ajude um turista a vir cá pagar impostos sobre o consumo e as taxas turísticas, e para que eu me comprometa a pagar um serviço que deveria ser sua responsabilidade, o repatriamento, se necessário. Esbulho, puro. Depois tenho que enviar o documento original, e já reconhecido, por via postal. Vou ao correio, desconfiado, pois os nossos correios estão muito mal, e os correios locais são um poço sem fundo. Desactualizado, peço um envio tipo “correio azul”. “Expresso” ou parecido, informa-me a funcionária, gentil. “Dois ou três dias para chegar“, felicita-me. É isso mesmo que eu quero, o consulado tem os seus prazos, apesar de ainda faltar quase um mês para a viagem a documentação já é urgente. Pesa-me as quatro folhas A4 dobradas e diz-me o preço: 45 euros! “Hã?“, boçalizo eu, e ela repete, com um ricto que lhe é lamento “Quarenta e cinco euros!” (uns amigos vêm em Agosto via TAAG, que agora opera com a Emirates, por 360 euros cada e pedem-me 45 euros por um pequeno envolope!!!!). Envio em correio registado, 5 euros (mil escudos) e uma promessa muito renitente, “7 ou 8 dias“, com ar de quem me (nos) deseja boa-sorte.
O meu amigo é meu colega. Ou o meu colega é meu amigo, como se preferir. Professor em universidade estatal, pós-graduado em país europeu, profissional de sucesso no seu país. Viajado pelo mundo. Dos quarentas partido (já! quem diria …). Vida familiar estável, emprego estável. Avanço estes pormenores para chegar ao pormaior: não me parece biografia nem perfil de candidato a imigrante ilegal. E se o fosse cairia na categoria, sempre bem-vinda ainda que tal nunca seja dito, do “brain drain“.
Vem agora a Portugal o meu amigo, que meu colega é, coisas de um seminário académico, e mais um pulo algures em qualquer reunião, pois Lx é escala do voo, e uns dias por cá, a comer algo e uns vinhos a acompanhar, a rever as vistas que tanto estão na moda, uns abraços a amigos. Precisa de um visto para entrar em Portugal, o meu colega, que meu amigo é. E para isso pede-me o necessário. Que lhe envie eu um e-mail a explicitar que está convidado para um evento académico organizado institucionalmente. Para ele entregar cópia no consulado. Digo que sim, claro, em troca ele trazer-me-à um saco com castanhas, daquelas do mercado do peixe.
Um dos meus amigos que é meu colega virá de Moçambique. O outro dos meus colegas que meu amigo é virá do Brasil. Advinhem qual é qual. A gente vai-se encontrar. No meio desta gente, claro. Que continua a mandar no país. E no meio dos piores, dos que lhes obedecem. Sempre na esperança de que tenham, para eles, só para eles e seus mais próximos, uma atençãozinha …