2020 vai terminar e é altura de rescaldos. Gerais e pessoais, neste Covidoceno. Para mim foi um ano duro. Perdi a minha mãe, tendo-a visto definhar no isolamento obrigatório. O foco na saúde geral - e o crescente isolamento - trouxe a morte ainda mais para o centro. Assim mais atentei no fim de tanta gente significante, daquela que me faz a paisagem - o último talvez o Le Carré presente desde a minha juventude até ao Magnus Espião Perfeito. E a Branca, a cadela de amigo extremo que me adoptara e que tanto me acompanhou neste(s) ano(s) também morreu. Coisa bem diferente, perdi o meu amor, o que me trouxe uma antevisão de celibato perpétuo, algo mais estranho do que problemático. E, neste ano difícil, percebo que não sei de vários amigos, relações esgarçadas com o tempo. Fica o carinho pelas memórias mas nada mais. Tudo isto algo me desertificou.
Mas foi também um ano bom: nenhuma realização, a consciência de muito menos objectivos, anseios, e das escassíssimas possibilidades que restam. Alijar o ego, perder as angústias das responsabilidades para comigo-próprio. Amadurecer. É bom envelhecer! E ainda uma coisa magnífica em 2020: não passei um dia, uma hora que fosse, com gente de que não gostasse. Sempre rodeado daqueles que amo. Ou, vá lá, gosto muito. Pode-se pedir mais na vida? Não creio.
Para temperar, o piripiri da vida, restaram-me as irritações com a "coisa pública". Também elas escassas, no fundo meras simulações de vida: com os mandarins, no início do covidoceno (o MNE Silva e o presidente Sousa a dizerem que não se podia fechar fronteiras, aldrabões puros; a tonta da agricultura, a negacionista da saúde); os mandarins da academia - o antropólogo, meu antigo professor, a resumir o covid-19 a imprecações contra o brexit, vs Boris, maldizendo Tatcher, e a dizer que Portugal nunca esteve economicamente tão bem: uma indignidade intelectual [espero que leias isto e percebas o meu desprezo, visceral ...]; e a antropóloga (luso?)moçambicana a salvaguardar a China e a dizer que nós-europeus temos que pagar os custos do Covid-19 em África. Verme ...
E, por último, os maluquinhos da direita liberal, durante meses a clamarem todos os dias contra as medidas de protecção, em nome da economia, qu'isto só mata velhos e etc. E, espantoso, a louvarem os suecos sociais-democratas. O rei da Suécia falou, entretanto, a mostrar o quão parvos são estes malucos.
A ver se em 2021 continuo no bom caminho de fenecer. E deixo de ligar aos maluquinhos. E aos antropólogos comunistas/comunitaristas. A bem do meu belo envelhecimento.