Há demasiado futebol na sociedade portuguesa, omnipresente na imprensa, constante no bate-boca popular, viçoso como "futebolês" no linguajar e, assim, empobrecendo as interpretações do real. Mas isso também corresponde à competência do jogo nacional entre o espectáculo desportivo mais popular no mundo: o campeonato é o 6º europeu mais pontuado, a selecção sénior é a 5ª mundial mais cotada e actual campeã europeia, dados que muito ultrapassam a dimensão económica e a demográfica do país. Nisso treinadores, jogadores e o trio de clubes mais representativos têm uma enorme visibilidade internacional.
Neste quadro o Sporting conquista o tão ambicionado título após 19 anos. E assim congrega uma imensa atenção nacional e além-fronteiras. Três dias depois joga o "clássico" dos "clássicos", o Benfica-Sporting, a sempre "taça da 2ª circular" diante do eterno rival. Nas suas camisolas os jogadores trocam o seu nome de campeões pelo dístico "Cabo Delgado", convocando a atenção solidária para o drama ali vivido desde há 3 anos e meio. O qual durante tanto tempo conviveu com o silêncio da sociedade moçambicana, das suas instâncias estatais e da imprensa tradicional bem como, friso, da maioria da intelectualidade do país. E também com a "distração" internacional. Vivi 18 anos em Moçambique, e também no Cabo Delgado, região pela qual então me apaixonei. Muito por isso ontem tanto me comovi ao saber deste inesperado gesto do meu clube - naquilo do gratuito encenado e inútil que é o clubismo.
Hoje de manhã corro o FB e vejo reacções lá na "Pérola do Índico". Alguns - uma minoria do que leio - protestam com esta intromissão nos assuntos internos, nessa pantomina a que reduzem o apreço pela soberania. Mais refinado segue o sociólogo Elísio Macamo, um dos mais afamados intelectuais nacionais. Conhecedor da sociedade portuguesa, onde até publica textos de índole política para gáudio dos "decoloniais", enfileirados no demagógico comunismo identitarista que por cá foi grassando, Macamo saúda a acção sportinguista mas não deixa de a apodar como "gesto imperial".
Muitos gostam de nos chamar "tugas" da "Tuga", nisso sinalizando o desprezo pelo nosso país e por nós-povo, assim ditos mole de gente rasca. Ao ler estas reacções e, acima de tudo, este "gesto imperial" sinto-me um "tuga", um vero "maguerre". E clamo um matinal "fôôôôôda-se...!", assim mesmo, com circunflexo maiúsculo e longo e arrastado "ô". Não injúria, nunca praga, mas uma verdadeira "onomatopeia imperial".
E depois, já azia liberta, regresso-me a burguesote bem-falante. Para findar assim: é isto, são estes clamores, o cerne do "pensamento decolonial". Que se saracoteiem @s académic@s das causas, neste garimpo de "gestos coloniais". Eu? Vou ver a bola...