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Nenhures

Nenhures

22
Ago24

As "Pessoas Que (Não) Menstruam"

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O diretor da Universidade de Verão do Partido Social Democrata (PSD), Carlos Coelho, discursa durante a sessão de encerramento da Universidade de Verão do partido em Castelo de Vide, 04 de setembro de 2022. NUNO VEIGA/LUSA

(Foto de Nuno Coelho, Lusa, retirada daqui)

Há duas décadas conheci em Maputo uma jovem antropóloga espanhola, competente e simpática, que ali leccionava com agrado discente e apreço colegial. Um dia, em conversa decorrida no café do "campus", aludi - e decerto que com amoroso desvelo - à "minha mulher". Ela saltou, inopinadamente, furiosa com a utilização que eu fizera do possessivo, cenho (até belo) franzido, voz alterada, invectivando-me "és o dono dela? é tua propriedade?".

A nossa relação era curial, naquele pacífico tom de colega, e aquela sua reacção extravasava-a por completo. Eu sabia-a dada aos execráveis nacionalismos - dos daquela turba que se diz "catalã" e nisso geneticamente mais aparentada com os franceses do que com os portugueses e marroquinos, entre outras lérias. E de pendor feminista - ideário louvável, ainda para mais naquele país austral, onde, tal como na esmagadora maiorida das sociedades, a igualdade de direitos e a equidade de oportunidades é um necessário desiderato, mas ainda bem longínquo... Mas que me agredisse assim - apesar de ser eu um verme masculino e um desprezível mouro independente -, com armas sintácticas e semânticas, foi-me surpreendente.

Avanço que detesto quando algum não falante de português como língua primeira me vem dizer, doutoral, como devo falar a minha língua - como aquela espanhola naturalizada portuguesa por via de casamento que gritava, mão na anca, que a devíamos chamar "presidenta", "colona" miserável, disse-a, entre outras mudas alusões à comercialização dos seus dotes físicos. Entenda-se, desses alterfonos aceito correcções e propostas, mas não mandamentos linguísticos. Tal como detesto estrangeirismos inúteis, pois desprovidos de conteúdos semânticos - como o "seivar" no lugar de "guardar" ou "gravar", o patético "deletar" em vez de "delir", ou o insuportável "link" como "elo", para exemplos. Já para não falar dos inúmeros que são meros arrivismos guturais, a julgarem-se cosmopolitas. Não é isto nacionalismo linguístico. Mas apenas a consciência de que nem tudo o que vem "lá de fora" é de oiro. Aliás, nem tudo o que desse "lá" por cá aporta reluz...

Mas apesar de tudo isso, e porque estava num bom dia, à minha colega não respondi desabrido, mas sim sorridente. O que lhe piorou a disposição, pois as feministas quando estúpidas e/ou ignorantes - e "ele" há-as - sentem como machismo (o que chamam "mansplaining") a explanação ponderada e eficiente da sua ignorância e/ou estupidez. Avisei-a pois de que quando o amor da minha vida se me referia como "o meu marido" não estava a afirmar-me como sua propriedade, qual escravo (ainda que eu dela me sentisse assim, e disso ufano, na escravidão voluntária que alguns historiadores referem). E aduzi que quando tratava alguém, respeitosamente, por "Senhor" ou "Senhora", ou mesmo "Minha Senhora" não me estava a reclamar seu servo ou lacaio. Não ficou ela convicta, a conversa ali morreu, lembro apenas que um antes apalavrado jantar em nossa casa com ela e o "companheiro" (decerto seria esse o estatuto) não se veio a realizar, por mútuo esmorecimento de vontades.

Leio agora que a Pessoa Que Não Menstrua Carlos Coelho - um antigo excitadinho da jsd, que pelos vistos 40 anos depois continua na politiquice - vem defender a Pessoa Que Menstrua (ou Menstruou) actual ministra da Juventude. Ambos repudiando a utilização dos termos "homem" e "mulher", considerados vilanias anacrónicas, pois coisas do "antigamente". E afirmando ser necessário seguir as instruções vindas "de fora", o palavreado das "organizações internacionais".

Diante disto o que é que um tipo diz a este ex(?)-jotinha? Um mero "vai-te menstruar, pá!"? Ou explica-se-lhe, com verdadeiro mansplaining, as matérias do conteúdo social (semântico) da língua? Hum, duvido que esta pessoa desmenstruada, mero jotinha profissional, chegue a tais compreensões... Quanto à menstruada ministra, de qual nunca ouvira falar, presumo que seja da mesma estirpe. E é esta tralha humana que se julga "atenta". E, ainda pior, que nos governa.

28
Jun24

Texto sobre história de Moçambique

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Desta vez não venho vender livros, como quando há meses - e para notório fastio de alguns - fiz, ao tentar impingir o meu "Torna-Viagem". Pois agora apenas dou: um texto longo – seria maior do que um opúsculo, se eu o fizesse como tal. Há anos participei numa homenagem ao historiador José Capela - a que teve este cartaz, que encima o postal -, grande figura da história de Moçambique e de Portugal em Moçambique. E do escravismo. Depois reescrevi o texto. Agora, como o nosso presidente vem recomendando que atentemos nesses assuntos, decidi divulgá-lo - é longo, repito, e não o escrevi para ser fácil, “amigável ao utilizador” mas apenas como dele gosto. E não é, decerto, ajeitável ao uso dos “activistas” de agora. E divulgo-o também para reavivar a homenagem a Capela, homem que esteve bem à frente do seu tempo e da maioria dos (pobres) pares.

Aqui fica a ligação ao meu: "José Capela: o escravismo em Moçambique como violência estruturante".

 

Sobre Capela antes deixara também:

- recensão a "Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos" e "Delfim José de Oliveira, Diário de uma Viagem da Colónia Militar de Lisboa a Tete, 1859-1860", de José Capela;

- "José Soares Martins, de pseudónimo historiador José Capela", quando morreu; 

- recensão a "José Capela, "Caldas Xavier. Relatório dos acontecimentos havidos no prazo Maganja aquém Chire, Moçambique, 1884";

 

04
Mai24

Jubilação

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Um dos sinais da tão crescente idade é assistir-se à jubilação dos professores que nos fizeram. É bom sabê-los ainda intelectualmente viçosos e embrenhados em pesquisas e na escrita. E que estes términos apenas advêm dos ditames administrativos, isso da classe etária dos "mais-velhos" ser arredada da docência. Ainda assim estas "jubilações" não me trazem "júbilo".
 
Há meses retirou-se (nestes moldes, repito para sublinhar que ele continua activíssimo) João Leal, o professor que mais me marcou na vida, intelectual e pragmaticamente. Pois quando eu leccionava quantas vezes, e durante tantos anos, me interrogava eu "como é que o João Leal abordaria isto?", os conteúdos que me cabiam (re)transmitir...
 
E agora, nesta próxima semana, jubila-se João Pina-Cabral, o antropólogo português que mais li - ele é (e continuará a ser) prolífico, e nisso substantivo, conjugação que nem sempre acontece a outros. Também ele foi meu professor naqueles jovens anos da antropologia lisboeta nos 1980s, depois dele fui colega na UEM noutros jovens anos da antropologia, os do início de XXI em Moçambique.
 
E, a latere, o "Pina" (como a "velha guarda" se lhe refere) publicou o ano passado um livro de reflexões ancoradas em Moçambique, o "Transcolonial", que muito debate intelectual poderia ter alimentado, não fosse o ambiente intelectual nacional estar condenado a mimetizar as nada patuscas páginas do "Público".
 
Enfim, dia 9, quinta-feira, às 17 horas, os que estão em Lisboa poderão ir assistir à sua "última aula". Nós-outros, os do além-Trancão, poderemos assistir no computador.

09
Mar24

Nas Terras do Lago Niassa

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De publicação muito recente, este "Nas Terras do Lago Niassa : Historicidades do Território, Usos e Pertença da Terra" do antropólogo moçambicano Elísio Jossias, meu bom amigo, "mais-novo". No qual ele condensa a sua interessantíssima tese de doutoramento. O livro traz um prefácio de Susana Matos Viegas, antropóloga portuguesa que lhe orientou o processo académico.

Direi que é um livro imperdível para todos os interessados nestas temáticas, independentemente das áreas de formação escolar de que provenham. Algo que posso sublinhar pelo facto de que é de acesso livre. Ou seja, grátis, mahala...

Para gravar o precioso livro basta "clicar" aqui.

30
Out23

Uma revista antropológica dedicada a Moçambique

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O último número da Anthropology Southern Africa -  46 (2) (2023) - vem dedicado a Moçambique, sob o tópico "Resilience and Methodological Resistance: ethnographies of Mozambique during pandemic times". Nele surgem textos de cinco antropólogos: José Adalima, Xénia de Carvalho, Fernando Florêncio, Elísio Jossias, Maria Paula Meneses.

A (bela) fotografia da capa é da autoria do também antropólogo Anésio Manhiça.

25
Set23

Escritos Sob Moçambique (2)

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Há pouco aqui o referi (e expliquei o processo). E agora repito (mas não a explicação): há alguns anos dediquei-me a escrever uma espécie de livro sobre a minha experiência profissional austral. Seria o "Basta Viver: Um Olhar Embaciado Sob Moçambique", uma introdução e 12 capítulos, uns textos mais longos, escritos em tom académico. Depois, por razões várias, interrompi a (demorada) tarefa.

Há pouco regressei àquilo, burilando alguns textos, completando outros. Escolhi divulgá-los - pois deram-me demasiado trabalho para que os deixe eu nas catacumbas dos meus arquivos. E estou (re)publicá-los na minha conta da rede Academia.edu. Em fascículos. Talvez algum visitante se possa interessar neles, ou conheça alguém que se interesse  e assim faça uma chamada de atenção, até mesmo um reenvio. Não serei pago por os ter escrito, mas a remuneração em leituras alheias ser-me-á, garanto, suficiente...

Entretanto há duas semanas o já centenário sábio Edgar Morin veio proferir uma conferência a Lisboa. E teve a devida cobertura noticiosa. Na qual abundaram as referências à "lusofonia" - talvez porque uma das instituições co-organizadoras da sessão carrega esse termo/sonho no seu nome. Sorri. E dei um retoque nos rodapés de um texto meu sobre a tal lusofonia - esse que já me custou um bom emprego, como aqui narrei, pois um mandarim académico se ofendeu por eu ali ter escrito o óbvio, isso de se filiar ele na tralha utópica que dá subsídios a quem a profere. E também tirei as teias de aranha aos textos que o antecediam nesse meu projecto. 

E então aqui deixo as ligações para os cinco primeiros textos ("artigos", "capítulos", como se quiser) desse meu vetusto projecto. Ficam, repito-me, para quem se interesse pelo que passou na cabeça de um antropólogo português em Moçambique:

5. Olhar Português em África: ensaio sobre a lusofonia. - uma visão crítica sobre as crenças na "lusofonia" e sua ambivalente articulação com as visões sobre o(s) império(s) português(eses).

4. A Apneia Desengajada: a antropologia e o desenvolvimento. - uma reflexão autobiográfica sobre a utilização da Antropologia nos projectos de Desenvolvimento.

3. Antropologia: a ciência do colono? - sobre as invectivas à Antropologia, reduzindo-a a "ciência colonial" ou "pós-colonial".

2. "As Botas do Antropólogo: sobre os métodos de trabalho em Antropologia". - uma memória sobre as várias técnicas de pesquisa que utilizei em trabalhos realizados em Moçambique.

1. (Introdução) "Do Maputo ao Rovuma, do Zumbo às Águas do Índico"; - a apresentação do projecto que conduziu a realização deste trabalho.

Em breve colocarei mais ligações aos textos que for definitivamente terminando.

03
Set23

Escritos Sob Moçambique (1)

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Há alguns anos dediquei-me a escrever uma espécie de livro sobre a minha experiência profissional austral. Seria o "Basta Viver: Um Olhar Embaciado Sob Moçambique", uma introdução e 12 capítulos, uns textos mais longos. Foi tarefa em que afrontei a minha faceta "transgender", pois tecia-os dolorosamente durante longas jornadas. Para, nas noites esconsas, encarnar Penélope, destecendo-os furiosamente. Ainda assim estava eu - finalmente - prestes a terminar aquela minha mortalha intelectual quando veio o Covid. Confinei-me. E assim continuei - apesar das vacinas que tomei (do lote Pfizzer, caso o detalhe ainda vos seja relevante) -, confinado, findado, pois imóvel, desistindo daquele trapo, já imundo. De vez em quando sacudia-lhe as traças, nada mais.

Há pouco regressei àquilo. Leio os textos com indulgência - sofrem de uma estéril pompa, típica de um homem de meia-idade traumatizado, a sofrer de um complexo escolástico. Mas não tenho energia para reescrever aquelas 400 páginas num registo solto, o apropriado ao júbilo da reflexão autónoma, a desnecessitar de se justificar. Restam-me 2 opções: o panache de delir os arquivos; a humildade de os divulgar.

Escolhi divulgá-los. Refiz (mantendo o tal registo pomposo) alguns, completei outros. E vou (re)publicá-los na minha conta da rede Academia.edu. Em fascículos, semanais, assim fazendo o tal livro. Não sei se interessam aos aqui visitantes, se estes terão paciência para longos textos com meneios intelectuais. Mas pode ser que algum deles se possa interessar. Ou conheça outrem que possa ter interesse, e assim faça uma chamada de atenção, até mesmo um envio. Enfim, pelo menos estas (re)publicações poderão servir para minha "prova de vida". E, quem sabe, até poderão colher alguns leitores que se tornem dialogantes, debatendo o que eu escrevi.

Então aqui seguem as ligações aos dois primeiros fascículos desse meu "Basta Viver!":

1. (Introdução) "Do Maputo ao Rovuma, do Zumbo às Águas do Índico"

2. "As Botas do Antropólogo: sobre os métodos de trabalho em Antropologia".

Para a semana haverá outro fascículo.

28
Jul23

Marc Augé

jpt

 
[Marc Augé] L'anthropologie aujourd'hui
 
Por vezes resmungo com a imprensa "de referência" portuguesa, cheia de aparências "cultas", e nisso de obituários do showbizz ou de cortesãos, "aparatchicos" tantos deles. Alguns dirão "lá está o reaccionário". Seja!
 
Pois é no Facebook - essa malvada "rede social", tão invectivada por ser território de falsidades e futilidades - que vejo a notícia da morte do grande Marc Augé! Há já quatro dias! Googlo e notícias lusas inexistem - e o que o Google não mostra é porque não existe. Incrível, não só pela notoriedade de Augé como pelo facto dele ter sido dos poucos antropólogos publicados em Portugal - já naquela velha colecção de "livros pretos" das Edições 70 (não os tenho aqui mas pelos menos foram editados o "Domínios do Parentesco" e "A Construção do Mundo" - este último por ele organizado). E depois, mais recentemente, foram sendo publicados vários dos seus livros, isto sob o lema que lhe deram, o de "antropólogo do mundo contemporâneo".
 
Enfim, não me vou por a fazer aqui um "obituário" e muito menos uma eulogia - para o fazer a um homem destes faltar-me-ia o "engenho e a arte". Que algum mais graduado o faça, se alguém o entender. Mas já que os "de referência" nada disseram partilho aqui uma sua palestra, "A Antropologia Hoje" - ele começa a falar aos 13'40''. Lamentavelmente o filme não tem legendas e isto fica para francófonos - atenção, Augé tinha uma bela dicção, quem percebe um pouco de francês poderá acompanhar sem problemas o seu pausado e claro falar.

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Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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