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Nenhures

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Que o tempo se escoa é um lugar-comum, até fastidioso. Mas há sempre momentos em que isso se impõe, de modo mais ríspido. Acabo de ver que em Maputo se inaugurou uma exposição colectiva (que estará até o início de Novembro), assinalando os 20 anos do MUVART - Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique. Esse que então foi uma verdadeira pedrada no... rio artístico nacional.
 
"Caramba, 20 anos já!", sorrio/resmungo. E "Ora este seria um bom pretexto para apanhar o avião, ir matar saudades e ver como estão as coisas...", murmuro, como se tal me fosse possível. Enrolo um cigarro e fumo-o, em memórias das actividades do MUVART e/ou dos seus membros iniciais. Lembro-me também que escrevi um breve texto para o catálogo de uma das Bienais que o movimento organizou, que bem difícil me foi, pois impus-me não aparecer pretencioso - e é muito difícil a um não especialista não ser pretencioso quando escreve sobre arte, em particular a dita "contemporânea". Não ficou grande espingarda mas pelo menos, estou certo, não me armei em parvo.
 
Enrolo outro cigarro. A minha costela Rimbaud restringe-se a um dito dele, em carta tardia. E vem ao de cima, nesta manhã já outonal: "que faço eu aqui?".
 
Adenda: escrevo o postal, nesta verborreia quotidiana. Está terminado e lembro-me do que ontem encontrei um velho amigo, um tipo sempre ríspido, e que me vai lendo. Ao de leve expressou-se um pouco solidário comigo, registo verbal nele excêntrico. Percebi-o e fui-lhe dizendo que a autoderisão sarcástica é muito fundamentada mas não é lamurienta.... Riu-se e rematou "mas olha que as pessoas não te percebem", "tens de meter um emoji...". Não coloco tal coisa, mas deixo o aviso: o bloguista é o tipo que finge o buraco em que deveras está.

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"O artista pode funcionar como um farol, um vidente", muito bem diz o Ídasse. Ele faz-me o enorme favor de ser meu amigo, mesmo amigo! Do qual eu sofro saudades, dos dias no seu bairro do Jardim ou das nossas caminhadas Maputo afora. É o meu artista moçambicano preferido, aquele de quem tenho mais obras, das afinal poucas que acumulei. E é um amigo preferido, "mano" se se quiser, querido como eu prefiro dizer. Talentoso é-o. Mas é também sábio. De uma sageza ponderada, recatada, embrulhada no seu maravilhoso riso, aquele gargalhar tantas vezes irónico e sempre sagaz. E é também, anuncio-o, o único homem que me apazigua - "porra, Idasse, tu dás-me paz", disse-lhe há já tantos anos, num dia que eu em polvorosa me esvaziei diante dele, de uma 2M e de uma mera tosta mista, verdadeiramente espantado com o seu efeito em mim, coisa estranha em homens da minha lavra que, quanto muito, só se apaziguam diante de uma ou (vá lá) outra amada mulher.

Não sei, honestamente, se estas palavras conseguem transmitir o respeito, imenso, que tenho por ele, por aquilo que ele sabe transmitir, grafica, intelectual e sentimentalmente. Para os menos sensíveis, daqueles que precisam de factos, traduzo-me: quem entra em minha casa tem logo uma mulher escarificada e um passo à frente uma curandeira a parir. E diante da minha cama, onde as visitas não entram, está um dançarino flutuante daquela maravilhosa série de 1998. Cá longe, sigo com Idasse.

Que as pessoas em Maputo o procurem. Não o incomodem. Mas tentem fruí-lo, aquilo que possam. E, entretanto, que leiam esta sua recente entrevista ao jornal "O País", onde para além de abordar o seu percurso repisa questões prementes no sector cultural do país. As quais, infelizmente, são sistematicamente esquecidas.

Adenda: como as ligações às páginas informáticas dos jornais são muito perecíveis, e também porque a página de "O País" é de acesso algo irregular, aqui deixo esta edição de "O País.pdf"para consulta desta entrevista, agradecendo à leitora que me enviou o documento.

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Alguém foi-se ao Padrão dos Descobrimentos e escreveu uma qualquer tralha. Caiu "o Carmo e a Trindade". Gente "saiu à rua" (hoje em dia é "aos teclados") arrepenhando os cabelos, rasgando as vestes, acorrendo à honra pátria, a Câmara aprestou-se a limpar a ofensa aos ancestrais, a célere Polícia Judiciária pôs-se em campo e logo desvendou ser o crime uma agressão estrangeira, assim sossegando-nos por não se tratar de uma sempre temível traição.
 
Todo este disparate dá-me vontade de... também bramir. Desde há imensos anos que está Lisboa (e não só) carregada dos tais grafitos. Boçais e imundos. Dizeres estapafúrdios, desenhos indigentes, rabiscos, miríades de "bastos" de todos os tamanhos e posições. Toda essa tralha amadora e morcona de facto legitimada e potenciada pela consagração - pela academia, pelas instituições estatais, pelo "gosto informado", agora até pelos construtores civis - da "street art" (de facto, uma mera "street curio"), que nada mais é do que o piroso desta era - a patética Pasionaria da Graça, os "Pierrot com lágrima" a louvar os profissionais de saúde ditos a "linha da frente" contra o Covid, etc. No fundo, tudo isto seguindo a coberto pelo culto da "intervenção".
 
E agora todo este "ó da Guarda!", "Aqui-d'el-rei!"? Recordo que há uns tempos o jornal "Público" (claro) publicou um artigo de 4 universitários sitos em universidades americanas. Portugueses, brancos, de meia-idade, e de nome compósito. Defendiam a prática espontânea da "intervenção" "decolonial" sobre os monumentos. E desvalorizavam os críticos dessa festança como meros "homens, velhos, brancos e de certa classe social" [burgueses, entenda-se. Ou seja, os que tendem a assinar com nomes compósitos, para quem não perceba]. Alguém deu porrada nesse "paper curio"? Nada, que ninguém se vira a esta gente dos ademanes.
 
Enfim, vai um ror de disparates. E nisso lembrei-me de um texto que escrevi há sete anos quando encontrei uma "intervenção" "decolonial" no ex-libris colonial em Bruxelas. Para quem tiver paciência aqui deixo a ligação.

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Apesar de na véspera ter sido vacinado (produto Pfizer, adianto devido ao interesse geral na matéria) e de estar na situação pela qual ao pressionar o local onde fora injectado ser acometido de uma impressão, dita dor, e de estar então também na iminência de ser acometido por síndrome febril (febre, como se dizia no meu tempo), estive neste último domingo num agradabilíssimo convívio na Arrábida. Nesse Parque Natural, e para além da extrema simpatia e elegância dos convivas, pude conhecer este belo exemplar da simbiose entre Arte e Natureza. Coisas que só nos são proporcionadas pela Arte Viária (aka street art).

 

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