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Nenhures

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O mundo está como está. Ou seja, continua como continua... Quino, em especial a sua Mafalda, é uma necessária inspiração. Para uma inquietude sem candura, algo que nada se conjuga com "causas" ariscas e convicções de mão na cintura, nas certezas de bolso tão do apreço de tantos. Enfim, para que possamos interrogar o 24 que chega.

Por isso deixo três filmes com o grande autor: um excerto onde narra o nascimento da imortal Mafalda (minha grande amiga, Filipe que sou...). E duas entrevistas longas em momentos diferentes da sua vida. Forma de fazer regressar aos seus livros. Maiêuticos.

El nacimiento de Mafalda

Entrevista a Joaquín Salvador Lavado «QUINO» creador de MAFALDA 1977 completa

De Cerca - Entrevista a Quino

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Como me é costume aquando nas cercanias do Sado acordo ainda no breu. Depois, já na alvorada, interrompo a inutilidade para um café - gemo, pois já se me acabaram os pacotes de "Gorongosa" e "Vumba" que mãos amigas me haviam ofertado. Estou assim condenado a frascos de "grande superfície", e como é diferente um bom café destas quase chicórias dos pobres... (ainda se fosse Ricoffy, bem batido...). Fumo dois finos "Amber Leaf" e percorro o meu FB, o que cada vez faço menos e por menos tempo, e nesse gradual desprendimento é notório que não vou sozinho. Estou bem-disposto e partilho a minha simpatia através de um punhado de "gostos", face às aprazíveis colocações de alguns amigos.

Noto também várias publicações de há alguns dias - os "laiques" alheios vão-nas mantendo à tona, visíveis neste rosário múltiplo -, resmungando contra o 25 de Novembro. Sorrio, percebo o contexto social e etário dos indignados contra este "fascismo" novembrista, que tem o atrevimento de se celebrar. Na maioria são os "cidadãos com ADSE", esse peculiar universo ideológico. É gente já com implantes dentários, artroses, varizes, alguns artilhados com próteses coronárias, lambuzando-se com pílulas crónicas. Enfim, velhadas como eu, que se rejuvenescem no "ai, no meu tempo é que (quase) era...". E por isso encaro com quase ternura os dislates, tão convictos. E imagino-lhes as "comunas" de Terceira Idade, os comités revolucionários de Seniores, os piquetes d'Idosos, as brigadas Octogenárias ombreando com as Nonagenárias, tudo culminando com o Termidor do binómio cremação-cendrário. Pois todos somos cinza e à cinza voltaremos, anunciou um antigo, e isso independentemente dos disparates que para aqui dizemos...

Estou eu neste registo bíblico e lembro-me do meu pai, o Camarada Pimentel, ateu convicto, que me ensinou vastas coisas. Uma das quais foi o tão rico e apropriado termo "esquerdalho" - esse mesmo que tanto fere alguns dos meus amigos, que nele detectam, sei lá porquê, alguma vilania "(neo)liberal". Nada gostava ele desses "esquerdalhos", os dos "grupelhos", essa malta maoísta/polpotista, a infecunda tralha enverhoxista, nem mesmo dos suspeitosos mas cá escassos titistas, para além dos patuscos trotskistas (que só depois se vieram a transformar em fridakahlistas). Isto para nem falar dos abjectos baadermeinofistas, grapistas e etarras, brigadistas (esses tão avessos ao "compromisso histórico"). E mesmo aquela gente do IRA não lhe caía no regaço. E num dia adolescente estava eu veemente a contestar-lhe o seu arreigado sovietismo e disparei-lhe, impante, "se vivesses na URSS tinhas sido fuzilado" ao que ele ripostou, de imediato, "com toda a certeza!". Como é óbvio o Camarada Pimentel nunca teve conta de Facebook...

Entretanto - e porque estou em registo de crónica do quotidiano - este fim-de-semana acompanhei um querido amigo numa incursão a uma Bertand. Eu nunca entro em livrarias, pois tenho estantes demasiado carregadas e bolsa demasiado vazia. Mas o homem fartou-se de comprar livros e eu, para não parecer mal, qual "intellectualité oblige", escolhi um, este. No final, já na caixa, o tipo foi generoso e ofereceu-mo.

E depois fiquei a ler, tal e qual como se estivesse diante dos "O Escudo de Arverne", "O Combate dos Chefes", "La Zizanie", tantos outros, tão antes do 25 de Novembro ou de Abril, ou mesmo de saber ler. Pois que se lixe o cendrário, que não tenho pressa.

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Não é postal político, nem quero deixar transparecer qualquer opinião sobre a desgraçada situação em Israel - e já aqui deixei nota sobre o meu estupor diante daquela realidade. Mas a sucessão de notícias levaram-me às estantes, no regresso aos livros do grande Joe Sacco - que também escreveu/desenhou sobre a Bósnia onde trabalhei. Sacco é um autor muito empenhado, defensor da causa palestiniana - o que agradará a uns e desagradará a outros. Pouco (me) importa, os seus livros são preciosos. Sem que com isso me sejam cartilhas.

Comecei pelo "Palestina na Faixa de Gaza" (cá publicado em 2003, com prefácio de Edward Said). Depois passei ao "Palestina, Uma Nação Ocupada" (cá publicado em 2004, com prefácio de Mário Soares). E ainda ando dentro do calhamaço em francês ("Gaza 1956").

E entretanto lembrei-me de incómodo que tenho com o olhar de Joe Sacco. Pois, mesmo muito apreciando-o. Ou melhor, exactamente por muito o apreciar. Pois é esse um dos maiores sinais de apreço, o incómodo recebido na leitura... Há quase uma década deixei um texto, feito numa rápida abordagem, sobre as relações que encontrava entre a obra de Sacco, a recepção (entusiástica) que ele colhe e as práticas actuais da antropologia. Chamei-lhe "Joe Sacco: o engajamento denunciatório". Deixo a ligação para quem tenha paciência...

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Publicado em 1996 este "Pesadelo de Obélix" foi o 30º álbum da série, da qual será um dos mais fracos, demonstração cabal de que o génio gráfico de Uderzo não estava acompanhado de talento argumentista de semelhante dimensão. Um pouco ao invés do que todos (e até o próprio) diziam de Goscinny, cujos dotes gráficos deixavam a desejar, o que conduziu a inventar (com Charlier, dizia ele) a profissão de argumentista de banda desenhada. E foi nessa complementariedade das respectivas excelências de ambos os autores que Astérix se tornara tamanho fenómeno de popularidade, internacional e transgeracional. É certo ser injusto criticar Uderzo por não ser Goscinny (como o seria a crítica inversa), e muito será de o saudar o ter continuado a série, mantendo a paixão dos leitores viva, não só aumentando o número de leitores (em meados da década passada já se haviam vendido 350 milhões de livros!) como provocando a cada novo álbum um ímpeto de releituras, um regresso aos velhos álbuns.

Em 1996 Uderzo já havia realizado a solo 5 álbuns - "O Grande Fosso", a "Odisseia de Astérix", "O Filho de Astérix", "As 1001 Horas de Astérix", "A Rosa e o Gládio" ("Astérix Entre os Belgas", publicado dois anos depois da morte de Goscinny fora ainda um argumento seu) - com resultados algo variáveis, como entre o muito bem conseguido "O Grande Fosso" e o "1001 Horas..." que me pareceu fútil. E antes de se reformar, e da continuidade da série ter sido entregue à dupla Conrad & Ferri, já neste século realizou ainda mais 4 álbuns ("Astérix e Latraviata", "Astérix e o Regresso dos Gauleses", "O Céu Cai-lhe em Cima da Cabeça", "O Aniversário de Astérix e Obélix"). E se o traço se manteve esplêndido alguns dos argumentos tendiam para serem vistos como quase sub-produtos.

Com este novo "Asterix e o Grifo" - que agora reli - voltei ao "Pesadelo de Obelix", a primeira releitura um quarto de século depois. Desvenda um dos enigmas da série, o que aconteceria a Obélix se bebesse a poção mágica. E sublinha a extrema importância da amizade vínculo entre os dois protagonistas, num cúmulo de carinho - Obélix tornara-se um menir humano ao beber e depois de lhe ter sido dado um antídoto algo improvisado por Panoramix, ficara com um corpo de petiz e apenas regressa ao seu tamanho "normal" quando vê Astérix em perigo de vida. Mas tudo o resto é "liso", uma espécie de apressada regata sem verdadeiro fito (o título original é "A Galé de Obélix") apesar do interessante mote: a galé de César fora roubada por um grupo de escravos liderados por Spartakis (Spartacus), o qual surge como Kirk Douglas (protagonista e produtor do filme de Kubrick).

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Já está disponível este "Variantes, Uma Homenagem à Banda Desenhada Portuguesa" - será apresentado amanhã, 5.10, em Coimbra, às 16 horas na Livraria Dr. Kartoon, e no dia 8 haverá uma sessão em Lisboa. Edição de A Seita (72 páginas, capa dura, 17 euros - para um produto destes é um preço pré-Guerra da Ucrânia). 

Trata-se de um passeio por 24 obras da BD no país ao longo da história, desde XIX até ao final de XX. Autores actuais (ditos "jovens", nesta ditadura contemporânea da "eterna juventude", gente sub-40) fazem vénias (sob formato de pranchas e desenhos inéditos), desde à considerada como primeira BD portuguesa,  Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro Sobre a Picaresca Viagem do Imperador do Rasilb Pela Europa  (1872), até ao Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, de João Fazenda e Pedro Brito (2000). Nisso passando por Victor Mesquita (1975, Eternus 9 - publicado na célebre e saudosa "Visão") Relvas (1978, Espião Acácio), Louro/Simões (1985, Jim del Monaco), Saraiva/Pinto (1994, Filosofia de Ponta) e outros, como é óbvio.

O rol dos autores é rico : André Caetano; André Pereira; Daniela Duarte; Fábio Veras; Francisco Nunes; Gonçalo Varanda; Jorge Coelho; José Smith Vargas; Madalena Abreu aka Hada; Marco Mendes; Marta Teives; Paula Cabral; Ricardo Baptista; Rita Alfaiate, Sofia Neto. E ainda Álvaro, Fernando Relvas e Pedro Burgos.

A capa é do Pedro Morais. Companheiro, mostrou-me a ilustração completa....

 

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