O mundo está como está. Ou seja, continua como continua... Quino, em especial a sua Mafalda, é uma necessária inspiração. Para uma inquietude sem candura, algo que nada se conjuga com "causas" ariscas e convicções de mão na cintura, nas certezas de bolso tão do apreço de tantos. Enfim, para que possamos interrogar o 24 que chega.
Por isso deixo três filmes com o grande autor: um excerto onde narra o nascimento da imortal Mafalda (minha grande amiga, Filipe que sou...). E duas entrevistas longas em momentos diferentes da sua vida. Forma de fazer regressar aos seus livros. Maiêuticos.
El nacimiento de Mafalda
Entrevista a Joaquín Salvador Lavado «QUINO» creador de MAFALDA 1977 completa
Histórias de Campo #10 José Flávio Teixeira (3ª história)
Há cerca de ano e meio fui entrevistado para um muito interessante projecto dos alunos do curso de Antropologia de Coimbra: entrevistam antropólogos mais-velhos e estes discorrem sobre as suas experiências de terreno, cada um deixando o que entende, como é óbvio. Isso pode ser acompanhado no blog Antropia, - e a colecção de entrevistas também pode ser vista no youtube.
Face ao que me foi proposto optei por narrar alguns episódios dos meus erros - assentes em pressupostos - nos trabalhos de campo realizados em Moçambique, em particular nos iniciais. Pois julgo que mais importante do que narrar os "grandes feitos" próprios (se é que existem) é anunciar esses defeitos, e até falhanços, para que outros deles se resguardem.
Agora foi colocado este terceiro episódio (3'13'') que retiraram da minha entrevista. É mais um erro, clamoroso até - uma verdadeira borregada-, e ao vê-lo resmunguei um "raisparta, que strip-tease me deixei fazer...". Enfim, aqui está o filme, a confissão da patetice em trabalho de campo feito por um cândido e - reflexividade etnográfica exige referi-lo, ainda que as questões afectivas normalmente sejam esquecidas nesta tão autopunitiva moda da reflexão sobre o posicionamento do investigador - muito apaixonado (então) jovem antropólogo. Também por isso cego e surdo ao universo feminino que enfrenta - imagino o que dirão as furibundas feministas (que abundam na corporação) que virem o excerto.
Uma entrevista à Televisão de Moçambique (Junho de 2022) do General Nuno Lemos Pires, chefe da missão militar da União Europeia em Moçambique, ali deslocada devido aos conflitos no Cabo Delgado.
Excelente! Totalmente demonstrativa de que o obrigatório cuidado diplomático em alguém com tão delicada missão é conjugável com a pertinência analítica e discursiva. O nosso General discorre com elegância, clareza e sentimento sobre as causas daquela guerra, a situação actual, a função das missões militares estrangeiras - e a da UE em particular -, o papel desejável das forças armadas moçambicanas. E fá-lo com empenho esclarecido e esclarecedor, um até afecto nada desbragado.
Excelente, repito, e exemplar. Para quem se interesse pelo país é mesmo de ver.
Há cerca de ano e meio fui entrevistado para um muito interessante projecto dos alunos do curso de Antropologia de Coimbra: entrevistam antropólogos mais-velhos e estes discorrem sobre as suas experiências de terreno, cada um deixando o que entende, como é óbvio. Face ao que me foi proposto optei por narrar alguns episódios dos meus erros - assentes em pressupostos - nos trabalhos de campo, em particular nos iniciais. Pois julgo que mais importante do que narrar os "grandes feitos" próprios (se é que existem) é anunciar esses defeitos, e até falhanços, para que outros deles se resguardem.
Há um ano os autores desse projecto, que se acompanha no blog Antropia, - e cujos filmes também podem ser vistos no youtube - colocaram um primeiro trecho dessa entrevista (3'30''), o meu primeiro "disparate" por assim dizer - que está abaixo. Agora, há uns dias, colocaram um segundo, estes breves 4 minutos que encimam o postal para comprovar a minha parvoíce, para quem ainda de tal precise.
Em meados da década de 1970, a nossa revista semanal "Tintin" era um verdadeiro luxo. Sob os célebres arrais Vasco Granja e Dinis Machado - este que viria a botar o tão influente "O Que Diz Molero", uma pérola...-, agregava o que era publicado na "Tintin", na "Pilote" e ainda na "Spirou", conjugando a "ligne claire" (dita de Bruxelas) com "escola de Marcinelle".* Pouco depois dos meus 10 anos, na era do PREC, nela houve uma "revolução coperniciana". Foi a introdução de autores que então pareciam menos atreitos canónicos, como Derib, Auclair, Cosey, etc. E Pratt, ainda para mais chegado no preto-e-branco que a tantos desagradou. Essas novidades provocaram uma enorme polémica no sempre animado "correio dos leitores" - verdadeiro prenúncio das "redes sociais", poderemos dizer se hoje revisitarmos a revista -, opondo os (jovens) "conservadores", militantes dos heróis já estabelecidos, aos "(jovens) turcos", paladinos das inovações havidas. Descobri-me "centrista", na concertação entre o afã jubiloso com que perseguia as odisseias de Comanche, Alix, Clifton, Blueberry e as de Jonathan, Simon du Fleuve ou Buddy Longway.
Pouco depois, e ainda na minha puberdade, surgiu a brevíssima revista dedicada ao Spirit (talvez seis números apenas), assim descobrindo Will Eisner que logo me encantou. Depois fui crescendo e chegando a outras revistas, outros autores e heróis. Mas antes havia tido uma excepção no meu encantamento: nunca tinha entrado em Tardi, de que fora publicada o início da série Adèle Blanc-Sec ainda na minha adolescência. Pois a este autor só quando adulto vim a aderir. E muito.
E sim, ele é o homem da I Guerra Mundial, da absurda hecatombe dos poilus, obsessão temática que ele próprio reconhece. Quando se celebrou o centenário do Armistício em Portugal - entre um gigantismo militarista totalmente anacrónico e um discurso falsário do presidente da República (que teve o desplante de apresentar a participação portuguesa como se fosse dotada do conteúdo de uma participação na II Guerra Mundial, se associada aos Aliados) - botei, em cima das minhas memórias de Tardi, a minha repugnância por tais dislates. Sublinhada por estar então a viver na Bélgica, onde as comemorações (bem mais sentidas, como é óbvio) estavam despojadas de tais militarismos, patéticos triunfalismos e falsidades históricas. Enfim, foi a Tardi que recorri, tamanha a influência que ele teve na minha visão da nossa História. E o encanto que tenho diante da sua obra gráfica.
Por isso aqui deixo duas entrevistas em registo autobiográfico: esta, ao longo de cinco "fascículos" radiofónicos. E uma entrevista audiovisual:
* Para uma breve história da revista "Tintin" portuguesa ver este artigo de Carlos Maria Bobone; sobre as "escolas" (tendências) da banda desenhada belga ver este postal de Agnés Deyzieux.
Desde que, há cerca de 30 anos, irrompeu nas "noites eleitorais" televisivas, então ainda muito jovem, Pedro Magalhães tornou-se uma espécie de Senhor Sondagens. Durante muitos anos foi bloguista, no esclarecedor Margens de Erro (antes aqui). Anteontem, em plena azáfama eleitoral, o programa Vamos Beber Um Café E Falar Sobre Isso da RTP2, do meu co-bloguista José Navarro de Andrade, esmerou-se em acutilância e transmitiu uma entrevista na qual Pedro Magalhães esmiuça métodos e obstáculos da construção de sondagens, tudo em linguagem mais do que acessível a leigos.
Não podia ter sido melhor o momento para esta verdadeira lição. E que também serve para encolhermos os ombros diante dos furiosos das teorias conspiratórias, esses que vêm nefastas mãos invisíveis atrás dos desacertos das sondagens. Enfim, aqui deixo a ligação, meia hora preciosa para quem se interesse sobre o assunto. E vale bem mais do que estar a fazer "scroll down" num feixe de iras políticas...
(Vamos Beber Um Café e Falar Sobre Isso, RTP2, 30.1.22, entrevista a Pedro Magalhães)
Entrevista a Joseph Bottum por Mark Tooley no canal Providence Magazine. Aborda a influência das visões auto-punitivas e escatológicas na política nos EUA, devido ao que considera ser o colapso das igrejas protestantes no país. Vinte e cinco minutos muito interessantes ...
Para quem quiser deixo ligação a um breve artigo, 6 páginas: Disenchantment and Its Discontents. Demonstra a sua visão e é, provocatoriamente, muito actual para o "debate" português - se é que há tal coisa. (Quase) Termina assim: "Earlier this year, Richard Dawkins reiterated his insistence that bringing up children religiously is a kind of “child abuse.” But I worry more about the rest of us in our modern culture—we children of science, brought up by anti-religious dogmatists in narrow, cramped little doctrines. No art, no richness, no sense of living symbols, nothing poetic, nothing sacramental: That is a truer kind of child abuse—a thinning of the experienced world, a willed privation."
Why should you read "Macbeth"? - Brendan Pelsue (TEDEd); Animação de Silvia Petrov.
Para quê reler Macbeth aos cinquenta e tal anos? Talvez para nunca esquecer a dúvida sobre a virtude do poder, aquilo que diz Malcolm a Macduff, antes de partir à reconquista do reino de que era legítimo herdeiro, e que fora usurpado por Macbeth:
"... penso que a nossa terra se afunda debaixo do jugo. Chora e sangra e, em cada novo dia que passa, junta-se mais uma ferida às suas chagas. ( ...) Mas, apesar de tudo isso, quando esmagar a cabeça do Tirano, ou a erguer na ponta da espada, terá a minha pobre Pátria ainda mais vícios do que tinha antes, mais sofrimentos e misérias do que nunca sob o reino daquele que lhe suceder. (...) É de mim próprio que falo, de mim em que conheço tantos vícios que, quando libertos, o negro Macbeth parecerá tão puro como a neve, e o pobre Estado o tomará como cordeiro, se o comparar com as minhas infinitas malfeitorias. (...) Sei que ele é sanguinário, libidinoso, avarento, falso, desonesto, violento, mau, pejado de todos os pecados que se podem nomear. Mas não tem fundo a minha libertinagem (...) É melhor Macbeth do que um tal Rei". (Tradução de João Palma-Ferreira, edição Livros do Brasil 171-173).
(Macbeth de Orson Welles) - é ver já, antes que seja bloqueado
"William Shakespeare and the Roots of Western Civilization" - Paul Cantor
Dele muito se dirá. Agora que morreu decerto que mais elogios. E se exagerarão as leituras próprias (cada um reclamando "o meu Steiner"). Li-o, acima de tudo, quando começou a ser muito publicado em Portugal, no final dos meus vintes. E continuei a lê-lo. Foi-me importante, um sinal de perenidade. Assim como que um elevada barricada. Daqui a umas décadas será lido, apreendido. Muitos outros, agora fervilhantes, não o serão.
Um dia escreveu sobre bárbaros e a barbárie. Li-o, há quase trinta anos. E logo guardei o trecho. Anda sempre comigo, é o tal "meu Steiner", aquele que me cabe:
“A própria atitude de auto-acusação e de remorso que caracteriza boa parte da sensibilidade esclarecida do Ocidente actual, se revela, uma vez mais, um fenómeno cultural peculiar. (…) O reflexo de um exame de consciência em nome de absolutos éticos é, de novo, um acto caracteristicamente ocidental e pós-voltairiano” (...) “Vendedores de palavras de ordem e pseudofilósofos familiarizaram o Ocidente com a ideia de que o homem branco foi como uma lepra na pele da terra, de que a sua civilização equivaleu a uma impostura monstruosa ou, no melhor dos casos, a um disfarce cruel e astucioso da exploração militar e económica. Ouvimos dizerem-nos, num tom de histeria punitiva, ora que a nossa cultura está condenada – o que corresponde a um modelo spengleriano de um apocalipse racional -, ora que só poderá ressuscitar através da transfusão violenta das energias, dos estilos de sensibilidade, representativos por excelência dos povos do “terceiro mundo.” (…) Trata-se de um neoprimitivismo (ou masoquismo penitencial) cujas raízes mergulham no coração da crise do Ocidente…”
(George Steiner, No Castelo do Barba Azul: Algumas Notas Para a Definição da Cultura. Relógio d'Água: 73, 70).
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