Pedro Sá da Bandeira expõe em Cartagena
Conheci o fotógrafo Pedro Sá da Bandeira há duas décadas em Moçambique. Ia eu já naquela idade em que é raro fazer novas amizades. Mas tornou-se ele meu compadre, por via da amizade entre as duas nossas então tão pequenas filhas. E logo depois verdadeiro amigo. E camarada. Nisso até nos associámos no blog ma-schamba... Eram os tempos em que ele, tendo percorrido Moçambique a fotografar, fez uma individual no Instituto Camões, a "Vai Fazer Bom Preço". Muito significante, notei-o, na forma como abordava os retratados, pois excêntrica no país: nomeava-os, gigantesco pormaior, a mostrar que as ideologias não se apregoam vácuas, e nisso tantas vezes intelectualizadas. Mas que os ideais se vivem... (Então deixei um breve postal sobre isso).
O Pedro agora vive na Colômbia. Amanhã inaugura uma exposição individual em Cartagena, no Museu de Arte Moderna Enrique Grau. Chamou-lhe "Deriva Arrumada". Gostava muito de lá estar, de participar no "cóqtel inaugural". Tal como gostarei de lhe ver uma exposição aqui em Lisboa, nossa "Pátria Amada". Em breve, exijo.
Esta "Deriva Arrumada" leva de início o poema "Deriva VIII" de Sophia de Mello Breyner Andresen. E consiste em cerca de 70 fotografias. O Pedro convocou-me para que escrevesse algo a este propósito. Embaraçado (e honrado) enviei-lhe isto. Com um abraço...
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Deriva Arrumada
Pedro Sá da Bandeira (Lisboa, 1970) sempre se diz fotojornalista, sua situação profissional mas, e acima de tudo, condição da sua visão. Iniciou-se no prestigiado diário desportivo “Record”. Durante uma década ladeou a época da globalização do futebol português, correu a Europa e até alhures, reportando encontros e seus artistas. No que burilou as lentes, aguçou o olhar, desapegando-se dos grandes planos, tácticos ou monumentais, até das celebridades. E da paixão pelo jogo retirando o primado da finta enleante, do requebro mariola, do oxímoro vitorioso, até o do engan(h)o, nisso aficionando-se ao agir “de rua”. Esse atrevido, pé-descalço mesmo, em busca de um qualquer golo, seja esse um breve conforto, até mesmo a paz. Ou apenas o sobreviver…
Depois, pois romântico - como tanto o exsuda nas fotografias -, por amor da sua vida fez deriva, andarilho mundo afora. Primeiro o gigante norte-americano, agora o gigante colombiano, que calcorreia em frenesim apaixonado. Antes defrontara a agreste secura da imensa África do Sul. E o bulício encantatório de Moçambique, país que conheceu e fotografou como tão poucos o haviam feito. Mas sempre retornando a Portugal, nessa paixão pelo país, imorredoira mas desalentada, que nos é tão típica.
É dessa sua rota expatriada, já de um quarto de século, que nos traz agora esta retrospectiva “Deriva Arrumada”. Desde o nosso Atlântico partido, em demanda de “mares já tão navegados” – como diria Camões se fosse hoje –, mas daqui nunca apartado, na carinhosa ironia com que desvenda o novo Portugal que emerge, lampejos de um país-mundo fraterno em que crê, despojado de falsos irredutíveis. E sempre dotado da sublime curiosidade, pois disponível para atentar, nesses tantos outros recantos olhados, à plêiade de “prodígios espantos maravilhas” “pérolas” e “furtivos animais”. Mas, imensamente mais do que isso, capaz de com as suas câmaras fotográficas – essas que lhe são já ombros, de tanto neles habitarem – ouvir dos homens do mundo o “fundo som das suas falas”.
Segue assim com mente e alma indutiva, em busca dos breves momentos, esboços de vida, nisso enquadrando o aparente desenquadrado, captando o que nos é geral, humano. Futuro. Nisso meu colega, irmão, antropólogo, reclamo. É este o seu rumo, o de um homem livre e desapegado, daqueles que podem culminar, como os louvou a nossa Enorme poetisa Sophia, “As ordens que levava não cumpri / E assim contando tudo quanto vi / Não sei se tudo errei ou descobri”. Por isso… arrumado, consigo mesmo.