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Em Portugal o "Público" é o jornal ideologicamente mais próximo do Frelimo (do Frelimo pré-Chapo - e sobre esta distinção talvez seja ainda cedo para falar, mas há já indícios para perseguir). É por isso muito significativo - "sinal dos tempos" - que agora traga uma entrevista com o historiador João Cabrita, insuspeitíssimo de tal viés.
E é muito interessante o que Cabrita diz. Eu não perfilho a sua "etnicização" das discordâncias internas a que alude naquele partido - ainda que noutros contextos ela possa existir. Pois muito mais me parece que intelectuais (por ele referidos) de gabarito como são Severiano Ngoenha ou Tomás Vieira Mário vieram criticando o modus operandi do poder instituído, não se movimentando por qualquer reacção identitária ou regional.
Mas, e para além desta minha resssalva, aqui partilho as declarações de Cabrita, muito avisadas e pertinentes, muitíssimo mesmo.
(Homenagem da Ordem dos Advogados a Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que o apoia, no local dos seus assassinatos; Maputo, 19 de Outubro de 2024, fotografia de Paulo Julião/Lusa, publicada no jornal "Público")
A escritora comunista Ana Bárbara Pedrosa publica na "Sábado" um artigo sobre a situação moçambicana. No qual repete a sua interpretação, já apresentada há cerca de dois meses no "Público": o problema de Moçambique é o candidato oposicionista Venâncio Mondlane - que ainda por cima está no estrangeiro, o mariola (ela prefere chamar-lhe "ególatra", mas é sinónimo).
Após cuidadosa leitura do artigo tenho um contributo para a reflexão da militante comunista ("activista" diz-se no seu partido...), e muito agradecerei se alguém lhe transmitir: Vasco da Gama atravessou o Cabo da Boa Esperança em 1497, e convém conhecer os detalhes históricos quando se quer utilizar a História para figuras de estilo.
Quanto ao resto não tenho muito a dizer...
É Natal, alguns compram livros para ofertar. E é também época para se ir até às estantes em busca de livros que ainda não tenham sido lidos (talvez até ofertas recebidas...). Ou para reler um ou outro, por completo ou excertos que venham à cabeça, por uma razão ou outra. Aconteceu-me agora com este "Sair da Estrada" do Paulo Dentinho - livro sobre o qual deixei um postal quando o li.
Certo, sou amigo do Paulo, vamo-nos vendo de quando em vez, normalmente refeições partilhadas em pequenos comités, dados ao escárnio e maldizer, nisso de remoermos "a questão que tenho comigo mesmo", este Portugal nossa pátria amada... E também - mais ritualmente - aos natais de cada ano, quando se junta um grupo mais alargado (e heterogéneo) de amigos e conhecidos com os quais nos cruzámos (ou não) em Moçambique, portugueses que lá vivemos e nos quais o país se entranhou, a cada um à sua maneira.
E foi lá que nos fizemos amigos - e um dos tijolos disso foi uma situação peculiar: eu já passei por algumas agruras, no meu "Sair da Estrada", que também o fui tendo. Mas nunca me acontecera, nem voltou a acontecer, estar sentado com um amigo (ele-mesmo, pois claro - então correspondente da RTP em Maputo) e virem-no ameaçar de morte: "Dentinho, aqueles ali estão a dizer que te vão matar!", os molwenes (miúdos de rua) mandados para dizer isso, e nós a levantarmo-nos da mesa para ir ver quem eram os esbirros no tal carro apontado... Isto foi uns meses antes de Carlos Cardoso ter sido assassinado, dois anos depois de Lima Félix ter sido morto, não era brincadeira. "Vai-te embora, Paulo, tens cá as filhas...", resmungava-se-lhe diante da sucessão de ameaças que recebia (aquilo dos telefonemas noite afora), e ele empertigado na sua missão de informar, renitente em sair dali: (e o problema é o Venâncio, clamam agora, um quarto de século depois e sempre para pior, os escritores alapados às benesses do partido-Estado e os visitantes de "esquerda", sorrio, cáustico...).
Enfim, divago... Lembrei-me do Paulo e do seu livro quando ouvi Morais Sarmento lamentar a inexistência de reportagens da RTP sobre Moçambique, apesar de lá haver uma delegação. Sabendo do que fala, o ex-ministro referiu que ou o correspondente não produz ou - e é o mais provável - as suas peças não são incluídas nos telejornais, por critérios da direcção de informação lisboeta. E lembrei-me das discussões tidas com o Dentinho, naqueles finais de XX. Em Moçambique havia apenas duas estações, a pública TVM e a RTP-África, então inicial. Lisboa estava muito ufana por ter a estação, pensava-a como se cobrindo o território nacional: pouco interessava que um antropólogo andasse pelo país e dissesse que não era captada nas capitais de distrito nem ... em várias capitais provinciais. Mas em Maputo - no "cimento" - era vista. E as reportagens do Dentinho tinham ali impacto. E provocavam resmungos locais, dado o tom espectacular que tinham. Lembro-me de com ele protestar devido a isso, pois causavam algum mal-estar entre os nossos "anfitriões": um caso célebre foi uma reportagem dele sobre o antigo zoológico da Beira, cujas abandonadas jaulas tinham sido ocupadas pela população, que nelas residia. E em Maputo a burguesia nacional contestava essa "imagem" passada no telejornal, eu (e outros compatriotas) secundávamos num "para quê?, Paulo, o fundamental é construir uma boa relação!", cheios de pruridos diplomáticos. E ele a resmungar, defendendo-se - e tinha toda a razão!, uma razão deontológica, jornalística, um zoo habitado por homens é exemplar motivo de reportagem, denotativo, demonstrativo.... -, nisso também referindo que se não forçasse "a nota", a espectacularidade, em Lisboa, na RTP, nada lhe transmitiriam, desinteressados que estavam de Moçambique. E isto foi há um quarto de século, bem antes do extremo frenesim da notícia "lite" que tanto agora predomina.
Enfim, entre o lembrar-me disto do Paulo e o ir buscar o livro foi um ápice. O seu "Sair da Estrada" é uma espécie de making of - bem humorado, numa escrita que realça o seu amor pela profissão, e sem "engajamentos" apatetados - de grandes reportagens em 13 países (insisto, escrevi este texto qual recensão). E tem um capítulo (entre as páginas 105-145) imensamente actual, pois sobre as suas andanças na Síria (2012, 2016), durante as quais (também) entrevistou Bashar al-Assad. São páginas que não só elucidam um pouco do que agora vai acontecendo como comprovam o seu olhar arguto sobre as realidades nas quais trabalha: "Vou agora (2012) para a (...Síria) no pressuposto, quanto a mim errado, de estarmos perante o colapso do regime..." (105), "Chadi fala-nos do radicalismo sunita crescente e dessa quase impossibilidade de continuarem a viver lado a lado com eles, como fizeram durante séculos" (110), "os seus receios quanto à agenda rebelde, "eles não são sírios, vêm todos dos países em volta" (118), "na Síria, para os combatentes que se reclamam do Islão Sunita, a corrente maioritária no país, ter na presidência Bashar al-Assad é uma blasfémia. Não só por ele ser alauíta, um ramo do xiismo, corrente religiosa pela qual têm um enorme desprezo, mas também por ele representar um regime laico e igualitário. Repressivo e brutal também." (120), "o liberalismo de Bashar assenta no modelo chinês. Nem pensar em pôr em causa o partido. E o capitalismo sírio é apenas para alguns "amigos"..." (140).
Enfim, uma pequena amostra de como o Paulo "apanhou" a Síria. Tal como "apanhou" (até ao osso) Moçambique. E tantos outros locais.
Ou seja, é Natal. Compre-se, oferte-se, leia-se o "Sair da Estrada". (Caminho, 2021)
(Obrigado à SAPO pelo destaque dado a este postal)
Nos últimos tempos tenho aqui referido a situação política em Moçambique. Nesse âmbito lamentei o silêncio do nosso governo e o das restantes autoridades estatais., algo constante desde o início desta crise. E nisso demonstrei a contradição sobre o assunto entre o eurodeputado Paulo Rangel e o ministro Paulo Rangel - que deveria ser letal para o actual MNE, pois descredibiliza-o totalmente, mostrando-o um demagogo rasteiro. Tal como lamentei o efectivo silêncio noticioso entre a imprensa portuguesa. Sem intuitos exaustivos, nem possibilidades de isso tentar, ecoei algumas boas intervenções na imprensa -, mas notando que não só vêm diminuindo, como também nunca acompanharam a relevância dos acontecimentos num país nosso aliado, membro da CPLP. E que são também acompanhadas de indecentes dislates (exemplificados por peças como esta patética crónica no "Público" da escritora comunista Ana Bárbara Pedrosa ou o discurso no PE do PCP), e mesmo de vergonhoso servilismo ao regime ditatorial vigente (como o de Miguel Relvas).
Por isso muito saúdo esta intervenção televisiva de Morais Sarmento. Na qual aborda o silêncio institucional e noticioso em Portugal sobre a situação moçambicana, acertadamente comparando-o com a atenção dedicada a outras realidades internacionais - e mesmo em Moçambique (no caso de calamidades). Frisando também que este silêncio tem repercussão naquele país.
Convém sublinhar que Morais Sarmento não só é membro relevante do partido governamental - presumo que teria agora maiores responsabilidades políticas não fora a grave doença que o acometeu e da qual, felizmente, recuperou. Mas também não é apenas um comentador, pois tem responsabilidades institucionais (é presidente da FLAD). E tem também alguns (e perfeitamente legítimos) interesses económicos no país, pois julgo que ainda será sócio de um pequeno hotel em Inhambane. E nada disso - bem pelo contrário - o impede de dizer aquilo que é óbvio: este silêncio governamental é lamentável. Incompetente, adianto eu. Tal como o é a falta de empenho da imprensa.
Serviço público televisivo? Tem a obrigação ética de respeitar os cidadãos, sem fobias discriminatórias, sem verrina desvalorizando as diferentes "identidades sociais". Mas acabo de assistir ao inverso. Nos seus 66 anos um concidadão morreu no serviço de urgências de um hospital. Na RTP, o preconceituoso, quiçá fóbico, locutor ao nosso compatriota sexagenário desvaloriza como "idoso"... A ira recobre-me.
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