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Nenhures

Rui-Nabeiro-na-Adega-Mayor-com-o-Alentejo-no-horiz

(Rui Nabeiro, fotografia que presumo ser de Ricardo Palma Veiga)

Há pouco tempo passei um ano em Bruxelas. Na vizinhança arranjei dois poisos refúgios da intempérie solidão que me acometera: em Etterbeeck o "Etcetera", um barzito de bairro algo "bobo" (como se dizia, não sei se ainda) - ufano do Depardieu por lá ter passado - e com uma simpática clientela, imensamente acolhedora deste excêntrico português, pois cinquentão nem eurocrata nem nas "obras" e que, talvez mesmo mais por isso, sabia bastante de banda desenhada. E em Schaerbeek o "Ponto de Encontro", reduto português mas aberto a quem viesse por bem - lá decorriam encontros do campeonato nacional de dardos, por exemplo -, um simpatícissimo casal proprietário e um gentil núcleo de fregueses. Entre os quais também eu era excêntrico, notado pois não só o único homem que não trabalhava nas "obras" como, gabavam-me, era o único sportinguista que aparecia após as (então) habituais derrotas. Para me encaixarem foi decidido que eu era "jornalista" - coisa que não levei a mal pois percebi ser a forma de não me resumirem ao naúfrago que ali estava. E pareceria.
 
 
 

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É através do seu filho Jorge, meu bom amigo, que sei passar-se hoje mesmo uma década sobre a morte de Mário Murteira. Economista de longo percurso, de quem fui aluno no mestrado - em "Desenvolvimento " e "Estudos Africanos", âmbito de problemáticas que lhe foi relevante. Homem marcante, pelo saber, aquele que explicitava e o que exsudava, feito de ironia e problematizações, tornando-o aquele raro tipo de professores que não "ensina" e muito menos doutrina, mas que faz medrar intelectos através da partilha de indícios, pistas, dúvidas. E de algumas certezas, também. Estudar "Desenvolvimento" no início dos anos 1990s, tão em convulsão o mundo de então e também as teorias dominantes, era um desafio. Que o já "velho" professor (teria então, grosso modo, a idade que tenho agora) não só assumia como dinamizava, figura grada daquele primeiro curso de mestrado, "interdisciplinar" e nisso ainda um pouco indisciplinado, vocacionado para alimentar de quadros do então recente sector de "cooperação" estatal. Era um grande professor, plácido e colhendo reverência discente... E um Senhor, raro assim. E atento, ao mundo (o tal então em polvorosa) mas também às pessoas circundantes.

Uma década depois ensinou em Moçambique, acompanhando a abertura de uma faculdade de gestão, julgo que algo articulado com o seu ISCTE. Tivemos (a então minha mulher também tinha sido sua aluna, colegas que havíamos sido) o privilégio de o receber em nossa casa - ainda na Engels, lembro -, ouvindo-o discorrer sobre o real mas também procurando corresponder à sua curiosidade sobre o que nos rodeava, coisa rara nos "intelectuais" habituais que nos visitavam, usualmente cheios de vontade de dissertarem as suas opiniões sobre a realidade local que não conheciam. Sua curiosidade que era sinal, supremo, da sua inteligência.

 

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Um amigo recorda-me que passam hoje oito anos sobre o assassinato de Gilles Cistac, jurista, eminente docente da Universidade Eduardo Mondlane, homem impoluto e gentil. Saúdo a sua memória - que se mantém, como o comprova este grafito, dando conta do indignado pesar provocado pelo vil atentado, cujos autores nunca foram encontrados.

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Enquanto o mundo roda o desvio das questões relevantes para os intelectuais, e do perorar que usam para as embrulhar, torna-se cada vez mais patético. Enquadro-me para relatar: no cinema a que prefiro é a Hepburn do Philadelphia Story. É certo que infante brotei com a Loren do A Queda do Império Romano mas depois deliciei-me com a Lange (desde o King Kong, quando ela ainda não era "a" Lange) e a Sarandon (Rocky Horror). E, já quase velho, tombei com a divina Julia. Bem alheias a este perfil. E quem me conhece, nesta "realidade real", sabe que a mulher da minha vida, lindíssima, não corresponde ao molde Lolobrigida. E tão pouco correspondem algumas, pouquíssimas, senhoras que me desvaneceram na vida adulta e real...

Dito isto, encontrar (pois aqui partilhado) um texto de um renomado "intelectual de esquerda" que diz da grande diva Gina Lolobrigida ter ela sido "símbolo de forte carga sensual para um certo padrão de masculinidade hetero" é de bradar aos céus. Nada mais do que um "patois" pretensamente intelectual que mesmo numa invocação na hora da morte tem de intervalar (com "aspas" retóricas), relativizar, a beleza e sensualidade cénica de uma actriz. Como se gente de diferentes genitais e diferentes vontades e devaneios eróticos ("géneros", a tudo isso dizem agora) não se possam conjugar na simples e profunda expressão "a Lolobrigida era um mulherão", pois tamanhas são as suas diferenças - é a mensagem explícita desta tontice rasteira. Ou, por outras e acertadas palavras, olhar para um texto destes é enfrentar um patético onanismo intelectual - que, no desejado correctismo, até da morte de uma actriz faz matéria-prima para propaganda ideológica. 

David-Crosby-011923-2-7f6c7b4751024ab69762c6840bb8

O velho hippie morreu agora. E nunca cortou o cabelo, justiça lhe seja feita... Aqui o(s) deixo, em especial para os que julgam que o rock de estádio começou no Live Aid... (A minha irmã e o meu cunhado tinham o LP Crosby, Stills & Nash e também o Déjà Vu, daqueles Crosby, Stills, Nash & Young - este último bem antes do Rust Never Sleeps e de ser avoengo do agora também já velho grunge. E assim cresci com eles).

CROSBY & STILLS & NASH & YOUNG - Almost Cut My Hair ( Live In Wembley Stadium , London, 1974)

E qui uma das minhas muito preferidas do trio "original" (o célebre CS&N), em excelente versão... septuagenária: vale a pena ouvir, qual posfácio da selecção de 20 canções de David Crosby feita pela Rolling Stone...

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