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Nenhures

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De estratégias de prevenção e combate ao fogo conheço duas coisas: é fácil criticar; é exigível um bode expiatório. Nada mais sei. Apenas testemunho, nesta alvorada, que o fogo assomou à capital concelhia, vizinha de precioso Parque Natural. Raiou os muros, mesmo.

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Em Junho de 2017 houve o incêndio de Pedrógão Grande, mais de 60 mortos. Todos se lembrarão dos dias imediatos: Costa ripostou “não me faça rir” ao jornalista que lhe perguntou se haveria responsabilidade governamental no drama. E foi de férias. Pouco tempo depois a ministra da tutela queixava-se que não tinha ido de férias. A ideia geral nos apoiantes do governo era a de que este não tinha qualquer responsabilidade no acontecido: no próprio dia inicial do incêndio os serviços estatais identificaram a causa, uma coisa chamada “downburst”. Nesse mesmo dia, regressando de férias, a jornalista Fernanda Câncio resumia o acontecido a efeitos climatéricos. Dois dias depois, e completamente ao invés do que acabara de dizer sobre um terrível incêndio londrino, a historiadora Pimentel também reduzia o acontecido a efeitos do clima. As hostes apoiantes afadigavam-se a criticar a demagogia da jornalista Judite de Sousa. E depois cerraram fileiras contra um jornalista português que escrevia sob pseudónimo na imprensa espanhola.

Para eles a situação era simples: o governo não tinha responsabilidades sobre o desastre acontecido na mata portuguesa. A “direita” e a “extrema direita”, “demagógicas”, utilizavam a desgraça para atacar o poder. Dizer que “o PM tem que ser escrutinado, não culpado” (até porque fora importante ministro da tutela, reestruturara o sector, levara a sua equipa de então, uma década depois, para o novo governo, anunciara grandes medidas de combate ao fogo, e mudara as cadeias de comando), era um exemplo de demagogia, de discurso de “direita”. Pois, repito, a responsabilidade do acontecido havia sido, num primeiro nível, climatérica (como Câncio, Pimentel e tantos outros afirmaram) e, vá lá, “estrutural”, efeitos de uma longa política da qual este pessoal político actual não é responsável.

Meses depois outro terrível incêndio matou quarenta portugueses. Mais uma vez o coro de críticas e de lamentos foi invectivado como demagógico e obra da “(extrema) direita”. E uma vaga de resposta surgiu, a culpa verdadeira era não só dos eucaliptos como da lei eucalipteira feita em 2011 por Cristas.

Entenda-se bem, nesta linha discursiva as políticas governamentais não implicavam responsabilidade sobre a existência de desastres florestais. O facto de um ano decorrido o relatório do acontecido não esmaece está crença. Julgo até que a consolida.

Em 2018 arde Monchique (como já ardera este século, note-se). Aos críticos do acontecido aponta-se-lhe de novo o serem de “(extrema) direita” e a “(extrema) demagogia”. Conversando simpaticamente na tv com Nobre Guedes, como se num clube britânico de uma novela vitoriana, Eduardo Marçal Grilo resume a posição dos apoiantes governamentais: o governo tem estado muito bem, “teve azar” (Costa foi a Monchique anunciar a política de prevenção do fogo florestal um mês antes da razia) “mas é a vida” (sim, “é a vida”, foi a expressão de Grilo).

E por todo o lado se lê e ouve o sumário dos fiéis do governo: as medidas do governo são boas “malgré tout”, apesar de Monchique, há que o defender. Apenas noto uma incongruência: se o drama do ano passado era inimputável ao governo, pois excêntrico às suas medidas estruturais e conjunturais, como se pode agora imputar-lhe o (putativo) sucesso? Não há aqui uma incongruência?

Ou melhor dizendo, é um caso típico, esta mentalidade dos adeptos do governo, agitados pelos teclados prostitutos do Expresso e do DN, de “solto por ter cão, solto por não ter”.

Porque, de facto, é a única coisa que interessa a esta gente. Seguirem soltos.

(Postal no "O Flávio")

Telegraph and Texas Register

(Lista dos mortos americanos na batalha do Alamo, publicado no jornal Telegraph and Texas Register , 1836)

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(Lista diária de baixas, I Guerra Mundial, jornal americano de Portland)

Por razões outras fui às estantes, ao nicho “E”, naco “Eco”. Deste, entre outros, caiu o livrinho “Cinco Escritos Morais” (Difel, 1998). No primeiro desses escritos, “Pensar a Guerra“, escreveu ele: “Os intelectuais como categoria são uma coisa muito esfumada … Diferente é porém definir a “função intelectual”. Esta consiste em identificar criticamente o que se considera uma satisfatória aproximação ao seu conceito de verdade – e pode ser feita por qualquer pessoa, até por um marginal que reflicta sobre a sua própria condição e que de qualquer modo a exprima, enquanto pode ser traída por um escritor que reaja aos acontecimentos de modo passional, sem se impor a decantação da reflexão.

Por isso … o intelectual não deve tocar o pífaro à revolução. Não para escapar às responsabilidades de uma opção (que pode fazer como indivíduo), mas porque o momento da acção exige que se eliminem as cambiantes e as ambiguidades (e esta é a função insubstituível do decision maker em todas as instituições), enquanto a função intelectual consiste em escavar as ambiguidades e trazê-las à luz do dia. O primeiro dever do intelectual é criticar os seus próprios companheiros de viagem (“pensar” significa desempenhar o papel do Grilo Falante). Pode acontecer que o intelectual opte pelo silêncio por temer trair aqueles com que se identifica, pensando que, para lá dos seus erros contingentes, eles afinal de contas procuram o maior bem para todos. Trágica opção, de que as histórias estão cheias … por [se] pensar que não se podia trocar a lealdade pela verdade. Mas a lealdade é categoria moral e a verdade é categoria teorética. 

Não é que a função intelectual esteja separada da moral. É opção moral decidir exercê-la …. A função intelectual até pode levar a resultados emotivamente insuportáveis … É opção moral exprimir a sua conclusão – ou calá-la (se calhar com a esperança de que seja errada). Tal é o drama de quem, nem que seja por um único momento, se incumbe da tarefa da “funcionário da humanidade”.

Sobre a catástrofe de Pedrógão Grande e áreas vizinhas muito se escreveu. Aqui também, e referi a elisão estatal das estatísticas reais, expressando o desrespeito pelas vítimas. Isso associado à tentativa do estado, desde o dia da catástrofe, em tornear qualquer indagação sobre o funcionamento das estruturas de protecção civil e em impor uma narrativa naturalizadora sobre o acontecido, em tudo reduzir a uma intempérie – pois é óbvio  o incómodo de Costa, político com grande papel nessa estruturação, e de alguns dos seus mais-próximos, agora com funções executivas ou assessoriais. Nisso teve a colaboração de sectores do jornalismo e da academia (aqui mostrei como um jornalista próximo do PS e uma académica de “esquerda” se contradiziam radicalmente, na ânsia de salvaguardar o governo).

São os jornais que avançam finalmente, neste fim-de-semana, números finais e nomes das vítimas. Mas algo contraditórios. As notícias referem ainda que o silêncio estatal demora as acções das seguradoras. Outros brandem hipotéticas questões ligadas a fundos de apoio. De facto, o rescaldo está por fazer. Ou seja, o luto, o luto da sociedade, está por fazer. E as ajudas ao local vão, também por isso, tardando, deixando correr o agora em que são mesmo urgentes. Em suma, o estado demora-se naquela célebre tarefa de “enterrar os mortos, cuidar dos vivos”. Fá-lo para se salvaguardar, e aos seus dirigentes. Nega-se.

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Sobre a questão das vítimas de imediato o “aparelho (ideológico, dizia-se) de estado” produz isto. Neste mês e meio as manobras da administração pública, do governo e dos seus apoiantes têm sido denotativas de uma concepção de exercício do poder. Mas esta ideia dos funcionários políticos de que há um “segredo de justiça” a cobrir as vítimas de um incêndio é um caso extremo, um extraordinário e liminar exemplo de uma ideologia estatista, de uma subalternização da sociedade, dos seus grupos e indivíduos. Acima ponho exemplos que julgo característicos: listas (quantas vezes diárias) de baixas militares publicadas na imprensa em XIX e XX, produzidas em sociedades democráticas. Sim, poderão referir que o episódio de Alamo se inscreve no expansionismo dos EUA, que a I Guerra Mundial foi uma guerra imperialista. Mas o relevante é que já então os mortos eram anunciados, ao ritmo do seu conhecimento e com as possibilidades tecnológicas de então. Em cenários de guerra, nos quais há sempre responsabilidade estatal.

O que vemos agora, em XXI, em Portugal, é exactamente o contrário, o elogio e a prática da opacidade estatal. E estamos a falar de mortos causados numa catástrofe natural, e sobre a qual a administração pública tudo insistiu para alijar responsabilidades próprias. E culminando com isto, com o Estado português, este governo e os seus membros, assessores e apoiantes, a defenderem o segredo de justiça para que os mortos não sejam conhecidos pelo “público”, pelos seus compatriotas. Isto é uma total involução, uma radical negação da democracia.

Tenho milhares de ligações no FB, e tenho-as arrumadas por “grupos” (exs. “Moçambique”, “Olivais”, “Blogs”). A uma dessas categorias chamei-lhe “Antropologia”, e nela conjuguei antropólogos, obviamente, e gente de outras áreas das “humanidades e ciências sociais”. São centenas de pessoas, alguns poucos brasileiros, muitos moçambicanos (tantos deles ex-alunos) e portugueses. É sobre estes últimos que recai agora a minha atenção. Percorri as suas actualizações destes últimos dias. Parte substancial deste universo é activa nas redes sociais, empenhadamente opinativa. Politicamente atenta.

Nenhum deles, repito, nenhum deles, insisto, nenhum deles, aludiu a isto! Sei que é um núcleo social, grosso modo, muito estatista. Por razões sociológicas, até de exercício corporativo. E também da história das ideias, no país e na Europa. Mas isto, este detalhe, é tão sintomático que monumento. Pois nenhum deles, e tão assertivos e opinativos tantos deles são, nenhum deles considerou isto como relevante de notar, partilhar, criticar.

Isto é, de facto, o incêndio dos intelectuais. E as baixas são monumentais. Avassaladoras.

(Postal no "O Flávio")

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(Fotografia de Rui Duarte Silva, publicada no “Expresso”)

Tendo dedicado a sua recente medalha, obtida na Rússia, a um amigo de infância morto nos incêndios de Pedrógão Grande, e à sua mulher e duas crianças também ali mortos queimados, e acompanhando isso com um texto emotivo, o futebolista Ricardo Quaresma fez algo, e de modo muito genuíno, que está em voga: dar nome e cara às vítimas, sublinhar a individualidade dos perecidos e dos sofredores (algo que também a gente do bairro de origem do homenageado e do futebolista, no meu vizinho Sacavém, também faz, através de um mural, percebo-o nas notícias).

Os memoriais europeus estiveram muito ligados ao ideal nacionalista, como o comprovam nas nossas vilas e cidades (e de vários outros países) os monumentos aos mortos da “Grande Guerra” (a I GM) de cada local, incluindo os seus nomes, e também ao Soldado Desconhecido, ou, nosso caso português, com a toponímia habitada pelos mortos da guerra colonial (recomendo um passeio pelo lisboeta bairro dos Olivais-Norte). E alastrou-se, no seu âmbito, como o comprova o cuidado com a preservação da memória de todos os perecidos no Shoah (e não sei se houve meios de fazer o mesmo com o Porrajmos, o holocausto cigano) ou com os cuidados com o tétrico arquivo fotográfico polpotiano. Ou seja, para além da invocação dos tombados em nome do (pérfido) ideário nacionalista, evoluiu-se para a da memória daqueles feitos tombar em nome doutros ideários. O mote é que a morte causada pela afronta humana alheia é vitimizadora, e de que as vítimas nunca são incontáveis, que há o dever ético de as enumerar, de as individuar, reconhecer cada um dos nossos (humanos) como Alguém que partiu. Já com as vítimas das intempéries, da “fúria dos elementos”, é diferente, aqui e alhures não se sente o ideal da necessidade de a cada um salvaguardar “para todo o sempre”, de a cada um fazer húmus da nossa memória futura: estarão “monumentalizados” os mortos das cheias, da queda da ponte de Entre-os-Rios, do terramoto açoriano, dos incêndios? É possível que não, julgo mesmo que não. Uma diferente concepção antropológica, como se esses mortos sendo fruto do acaso não devam entrar na nossa “memorialização”, não apontem o nosso caminho destino. Mostra-nos o contrário Quaresma, na sua pungente evocação do amigo de infância, “Kostadinov” de alcunha de futebol de rua lá em Sacavém, mostram-nos o contrário os vizinhos que àquela família muralizam, em pintura até “naif”, avessos ao seu esquecimento, à redução do devir ao malvado acaso. Esta extensão da vontade social de memorializar os caídos, de alastrar a cada um vulgar, a cada um das “massas” se se quiser, o que antes se atribuía aos notáveis, a isto de das suas individualidades fazer material para construir o futuro, foi, e é hoje mesmo, projecto dos “progressistas”, daquilo que a topologia mental do nosso contexto social/nacional diz “esquerda”.

Cumprem-se hoje 3 semanas do tétrico incêndio. Ainda não se sabe, neste Estado moderno e “tecnologizado”, exactamente quantos e quais os desaparecidos. Nenhuma instituição estatal homenageou, afixando-os, nomes e caras, memorializando-os, os mortos, nossos compatriotas (ou hóspedes). Nem mesmo um mero rol ou, vá lá, um Número maiúsculo porque final. Nem tão pouco os feridos. Nem sequer é uma questão de discutir a trapalhada organizacional que se vai descobrindo em torno de tudo isto, e das manobras do poder em logo capear o que acontecera. Trata-se de dizer que não é apenas uma questão das intempéries, dos tais elementos “em fúria”. Pois, no mínimo, é uma questão de geografia humana. Ou seja, de uma afronta humana que não é alheia, que é nossa própria, em última análise (e o quão cruel é dizer isso) até dos próprios perecidos adultos, pois cidadãos. Os 64 (?) mortos e os (12?) desaparecidos, cujo nome não sabemos e cujas imagens em vida desconhecemos, mera gente vulgar que foi e partiu, morreu, em última análise, por causa daquilo que todos fizemos com aquela região. E, também, parece que devido à trapalhada que deixámos fazer com as instituições de protecção civil. Não serão esses nossos compatriotas gente para lembrar, cada um deles, para que não nos assombrem o futuro, para que nos construam o futuro, tal como todos os outros presentes em todos os outros memoriais? Ou é gente para esquecer, rápido, varrer para debaixo do sofá da memória, em nome da espuma dos dias dos interesses e paixões “políticas”, que de políticas têm tão pouco, e de interesses, interessados e interesseiros, tanto têm? Onde está agora o tão propalado, noutros momentos, com outros agentes, apreço pelos vulgares, pelas massas, pelas “vítimas”?

Passo para o registo pessoal: limpei agora destas minhas ligações-FB um pequeno punhado de gente, incluindo alguns confrades bloguistas dos velhos tempos do weblog.com.pt, pioneiros do bloguismo português, gente que-quase-que-conheço, que escreviam ontem (sexta-feira, vinte dias depois do massacre social acontecido) que quem falava disto o fazia apenas aproveitando-se para dizer mal do governo, instrumentalizando a desgraça, coisas da “direita”. Não o fiz por uma questão de higiene. Mas porque estou certo de quem consegue olhar para isto dessa forma é, pura e simplesmente, um malvado. Desnecessário à interlocução, desprezível na observação.

Algumas outras pessoas (entre as quais uma queridíssima amiga, lá em Maputo) partilham no FB também um texto do pateta Nicolau Santos (o tal especialista em economia que saudou aquele mitómano que se dizia especialista das Nações Unidas, perdendo nisso qualquer crédito que poderia ter tido). Apago-os também das minhas ligações por serem detentores de miserável ignorância, à excepção dessa minha amiga – a amizade consiste mesmo em amar os defeitos dos amigos. Coexistindo com o desprezo pelos dos conhecidos. O (desonesto) pateta do “Expresso” escreve um texto invectivando todos aqueles, digamos que de “direita”, que durante anos defenderam a redução do Estado e seus serviços e que agora aparecem criticando exactamente o facto do Estado ter menos serviços ou serviços menos eficazes (fala da segurança florestal e militar). A questão é muito simples, e está patente na tão comtiana bandeira do nosso “país irmão” Brasil. É o Estado factor de “ordem e progresso”? Desde XIX que a gente dita mais “progressista” acha que o Estado deve ser agente de “progresso”, directa ou indirectamente. E a gente mais “conservadora” acha que a sociedade promoverá o tal progresso e que o Estado deve ter um papel mais reduzido, sendo fundamentalmente um promotor da “ordem”, da segurança interna, contra as sublevações, o crime e as intempéries naturais. E da segurança externa, contra os inimigos estrangeiros – e daí os cuidados com as forças policiais e de protecção civil, e as forças armadas, respectivamente. E o que acontece agora é que aqueles mais conservadores (e não só eles, claro) dizem que o nosso Estado nem sequer (sublinhe-se o “nem sequer”) é capaz de cumprir as suas funções mais irredutíveis, mais básicas, e tão óbvio é isto. Ser incapaz de perceber isso, ser capaz de cair nas tropelias retóricas (e partilhá-las) dos mercenários das teclas é não só um enorme sintoma de ignorância, de ileitura do básico para quem anda para aí a botar sobre o real, sobre o político e o social, mas também de uma (talvez inconsciente) malvadez. Que me perdoe a minha amiga, que é uma jóia de pessoa. Mas é este o produto do véu da ignorância, como dirá qualquer “progressista” crente na metafísica “alienação”. Não passa do desprezo pela morte dos compatriotas, dos co-humanos, em nome da vil solidariedade com os “seus”. Ainda para mais sendo esses “seus” esta miseranda tribo “socialista”.

(Postal no "O Flávio")

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(Este postal refere o artigo do The Guardian “Teresa May was to scared to meet the Greenfeld survivors“).

X é um jornalista que foi muito animador do bloguismo (e logo no tempo em que a sua corporação ainda bramava contra a nova era da palavra pública) e, depois, de outras formas de expressão na internet. Nisso foi, durante anos, um tipo simpaticíssimo comigo, acolhendo e ajudando. Estou muito grato. Fui agora ver o seu mural de FB e descubro que já não estamos ligados (se calhar, surpreendo-me, terei sido eu a cortar, em dia de mau-humor. Se calhar foi ele, por desinteresse). E é por isso que não o nomeio, pois este postal não é ad hominem, não é mesmo ad hominem. Fui lê-lo porque o vejo (é a minha interpretação) como exemplo da palavra internética atreita ao PS, mas sem a pompa do académico-político ou a verve dos assessores, e tive a curiosidade de lhe ver a linha de recepção do acontecido em Pedrógão Grande e arredores. Talvez porque jornalista, concedo, centra-se na crítica (visceral) ao trabalho da imprensa. Mas imediatamente antes do incêndio reproduzira um postal de um prestigiado vulto da academia portuguesa, partilhando o artigo cuja ligação encima este texto, ambos realçando uma mesma parcela do texto. Vou ver a origem da sua partilha, o mural da intelectual portuguesa, e comparo, em ambos os casos, com a forma como analisam o que aqui aconteceu. É a minha, amadora e atomística, forma de procurar o ambiente geral à “esquerda”.

Vejamos: no dia 14 a torre Greenfell arde em Londres, uma tragédia horrível, potenciada pela incúria das instituições estatais e a ganância dos empresários construtores. No dia 16, dois dias depois, o Guardian (o “meu” jornal britânico, como o Mail & Guardian é o meu sul-africano) publica este artigo. Duríssima análise, imputando responsabilidades por aquela centena de mortos aos governos conservadores. Cito o que os dois compatriotas entenderam realçar “That tower is austerity in ruins. Symbolism is everything in politics and nothing better signifies the May-Cameron-Osborne era that stripped bare the state and its social and physical protection of citizens. The horror of poor people burned alive within feet of the country’s grandest mansions, many of them empty, moth-balled investments, perfectly captures the politics of the last seven years.” O “meu” Guardian não deu tréguas, o seu luto não é o silêncio. É o escrutínio, no momento, com os dados disponíveis. A exigência, ao poder político e à administração pública. Uma análise dos processos sociais e políticos que conduzem às catástrofes. E isso é, por ambos, realçado, partilhado, assim explicitamente louvado.

Mas, no mesmo fim-de-semana, logo de seguida às suas partilhas, acontece a desgraça em Portugal. O que leio naquele mural? O lamento pela fúria dos elementos; o elogio do recolhimento, a correlação entre respeito pelas vítimas e contenção, a qual é apresentada explicitamente como exigência do silêncio; a partilha do texto de F. Câncio no DN que logo se apressou a reduzir o acontecido a uma inevitabilidade climática; uma crónica própria dita na imprensa radiofónica 2 dias depois do acontecido consagrando a tese de que as causas da catástrofe foram apenas naturais e aludindo ao aquecimento global. A crítica à imprensa – com o espantoso momento em que vitupera a falta de deontologia dos profissionais porque continuaram a filmar mortos apesar das “ordens da GNR” que os queriam proibir disso (é preciso repetir? uma crítica, vinda da intelectualidade de esquerda, aos jornalistas porque não acatam ordens da polícia para parar de filmar uma catástrofe!) (é preciso que eu repita outra vez?). E, exactamente dois dias depois das mortes, a elogiosa partilha de quem escreve (no DN, de novo) “é o momento de ajudar, não de criticar“. Culminando, insisto, 2 dias depois das mortes (exactamente os 2 dias que dista o artigo do Guardian do incêndio londrino, friso), com a recusa do “aproveitamento político” da situação, considerando-o “nojento“. Ou seja, dizendo nojenta a análise política do acontecido. Quanto ao meu (ex)blogoamigo-FB continuou, por seu turno, batendo forte e feio na Judite de Sousa e similares. Ao resto dizendo nada.

O tão louvado espírito do Guardian? Deve ser só para acima do canal da Mancha. Ou, vá lá, da velha Vilar Formoso. E é este o ambiente geral, abaixo de Vilar Formoso. Os laicadores, no FB (alguns, lamento dizê-lo, meus conhecidos) e fora dele, ululam e laicam. E vão impantes, eles e os laicados.

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