O Prémio Nobel da Literatura 2023
Amanhã será anunciado o Prémio Nobel da Literatura. Pouco importam as constantes críticas aos critérios de nomeação e de selecção final, pois esta honraria adquiriu tal repercussão mediática que se tornou um verdadeiro solstício literário. E sendo vivido nesta extremada mundividência concorrencial, o ritual não induz um generalizado potlatch (esbanjo festivo) leitor, uma época de febre colectiva de corrida aos tantos escritores, mas mais se tornou numa celebração olímpica, o mero laurear de um campeão de torneio. Assim implicitamente consagrando a Academia premiadora como dotada de uma prerrogativa universal, qual um bando de suecos panópticos.
Mundo afora imensos letrados torcem pelos seus "campeões", opinam, criticam - bem ao invés do que acontece nas premiações congéneres, cujos meandros são deixados aos especialistas, aos oficiais dos ofícios... Também por isso o furor crítico que sempre recai sobre os anúncios, entre as invectivas dos adeptos desiludidos, esses que julgam ser o seu apreço por alguns escritores já suficiente para adquirirem o estatuto de "connaisseurs" - e por mim falo, que também sigo "leitor de bancada", opinando/torcendo apesar de leitor medíocre da literatura contemporânea, que dos premiados em XXI apenas lera 7, rejubilando com as atribuições a Naipaul, a Coetzee e Vargas Llosa, sorrindo às "Crónicas" de Dylan ainda que percebendo que não seria por isso, indiferentando-me com Pamuk, surpreendendo-me com Handke, resmungando com Modiano. E, mais relevante ainda, desconhecendo tantos, quase todos, dos variados outros "finalistas" todos os anos propalados como "favoritos" pelas casas de apostas. Mas mesmo assim todos os inícios de Outubro me encontro no "espero que...", e já foram duas décadas de um (algo patriótico) "Lobo Antunes ou então...".
Mas as críticas às decisões vêm também devido às causas que se presumem conduzir às premiações. Muitos clamam que as escolhas obedecem a critérios extra-literários, de índole política. Ululando contra o dito "politicamente correcto", quando a glória recai sobre autores provenientes de sítios, geográficos e linguístico-culturais "excêntricos" (já agora, como Portugal, direi) - que é argumento que saltará de imediato se o verdadeiro veterano Ngugi wa Thiong'o for finalmente premiado -, num verdadeiro reflexo do mero "quem é esse tipo?", o qual nada mais significa estar o leitor contestatário não só ufano das suas digressões na Feira do Livro local, da arrumação das suas estantes domésticas e mui convicto da sua abrangente sapiência no assunto.
E mais críticas contra os tais critérios "políticos" assomam quando alguns dos galardoados são locutores de posições ideológicas, até mesmo com participação política - de imediato pontapeados pelos desiludidos "apostadores" se estes sentados noutras "barricadas de sofá", que logo os reduzem a propagandistas de "más causas". E temos em casa própria exemplo bem notório disso, com tantos ainda hoje, um quarto de século depois, e já morto o homem, a desmerecerem Saramago não só por "escrever sem pontuação" como por ser do PCP...
Ora nessas ladainhas, de gente clamando a exigência de critérios exclusivamente literários - como se a Academia Sueca fosse um nosso órgão electivo municipal ou nacional -, expurgados de tudo o que não seja "génio", esquece-se que o Nobel da Literatura foi mesmo criado para homenagear o talento literário que pugne por ideários, mais ou menos sistematizados em ideologias, uma espécie de humanitarismo fabiano. Algo que colmatasse a exagerada utilização da dinamite, talvez... Ou seja, no âmago do Nobel literário está inscrita a opção por "políticos", pela divulgação de um qualquer ideal benfazejo. Dito de melhor ou mais actual forma, pelo expressar de um olhar "crítico" sobre o devir que vai vindo.
Enfim, tudo isto dito, e apesar de nunca ter lido os nomes agora mais favoritos, aqui fica o meu desejo - até porque a minha opção (algo patriótica, repito) Lobo Antunes já não consta dos premiáveis - de que este ano Salman Rushdie seja premiado. Pela grandeza da da sua obra, claro. Pelo impacto mundial até extra-literário que isso teria. Pelo recente vil atentado que sofreu. Pela afronta que os fundamentalistas religiosos e os timoratos relativistas coniventes sofreriam (e sobre esses escrevi o "A propósito do ataque a Salman Rushdie").
E também pela sua intransigente defesa da liberdade de expressão e da integridade artística, opondo-se à vilania esquerdista, dita "woke", esse tétrico movimento do expurgar as obras literárias do passado e de censurar as do presente em nome de putativas "sensibilidades" e "boas causas" actuais.
E para quem possa pensar que este paleio subalterniza os escritos em relação ao seu escritor, coisa de mera actualidade, "espuma dos dias" a dever ser apartada de uma sacra "literatura", deixo um texto - já com 41 anos !! - do grande V.S. Pritchett a receber o então neófito Rushdie e o seu fulgurante "Os Filhos da Meia-Noite". Apenas para sublinhar, mesmo, que o autor tem muito mais do que a tal "actualidade"...