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(Muitos continuam a resmungar que "não se lê", versão habitual do "tudo está perdido", chegámos "ao fim do mundo", etc., tudo também muito devido às "redes sociais". Enfim, cada cabeça sua sentença. Entretanto no Facebook estou num grupo - maioritariamente português - de leitores, o "Mostra o que estás a ler...", que conta já mais de 100 000 inscritos (!), numa actividade fervilhante dessa demonstração do que se lê. De vez em quando vou lá e deixo nota do que vou lendo. Hoje deixei esta nota das minhas leituras em curso):
Apeteceu-me reler "Lavoura Arcaica" de Raduan Nassar (Relógio d'Água), um livro de que gosto imenso - poderá ser visto como uma invocação da figura do "filho pródigo", uma visão sobre a vivência da repressão (familiar, social), um discurso sobre o autocontrole, e até etc. Eu vejo-o como uma belíssima narrativa, e Nassar é um dos meus escritores favoritos.
Estou a ler um livro de um dos meus avôs, "O Segredo do Major Thompson" de Pierre Daninos (Clássica Editora). Há cerca de 40 anos lera um antecedente, "Os Cadernos do Major Thompson" - e estou agora a gostar mais do que a memória que tenho do primeiro, talvez efeitos da minha idade, tornando-me mais ... pausado. Daninos era francês, escreve num rumo tipo André Maurois, e teve na época um enorme sucesso. São pequenas crónicas humorísticas, de uma ironia fina (e mansa, também), despretenciosa, jogando com os estereótipos nacionais. A sua criatura, o inglês Major Thompson vive em França, casado com uma francesa, e elabora sobre as características típicas dos franceses. Neste livro vai à Grã-Bretanha em familia e com amigos, e um destes, "Danainos" ele-próprio, elabora sobre as exdrúxulas características que encontra nos ingleses. É uma leitura muito simpática.
Nesta época convulsa (não o são todas?) está-me a ser útil, e prazerosa - ainda que não goste do profético título -, a leitura do "O Poder da Geografia: 10 Mapas que Revelam o Futuro do Mundo", de Tim Marshall (Desassossego). Tem uma escrita cristalina e apresenta em poucas (e sábias) páginas os contextos políticos, seus conflitos e os antecedentes destes, de regiões cruciais na cena internacional. Comecei por um trio de capítulos (Irão, Arábia Saudita, Turquia), seguirei para os dedicados à Etiópia e ao Sael, deixarei para depois os do Reino Unido e Espanha, e terminarei com a Austrália. E vou aprendendo imenso.
Esta semana deram-me o "Viagem de Inverno" de Maria Filomena Mónica (Relógio d'Água), e já quase o terminei. É uma colecção de pequenos textos de opinião e algumas crónicas, publicados na imprensa nas últimas duas décadas, todos com 2 ou 3 páginas. Arrumados por tópicos, os primeiros sobre o estado da nossa sociedade, depois como vai o país, o regime político, por aí afora. Estou a gostar muito, concorde-se ou não com as opiniões da autora, são textos cristalinos, uma espécie de tratado de Bom Senso, na abordagem a questões do nosso país. E não só...
Emprestaram-me este "A Década Prodigiosa: Crescer em Portugal nos Anos 80", de Pedro Boucherie Mendes. É uma calhamaço (650 páginas), e só o terminarei daqui a uns tempos. Mas lê-se bem, escrita escorreita. E o tema é bem adequado às leituras da gente da minha geração. Para além disso o livro está bem conseguido (ou pelo menos assim me parece, vou a 1/5 da leitura), o autor congregou bem os detalhes - e os processos - que fizeram daqueles tempos uma era tão interessante. E inovadora, em Portugal.
Vou lendo o "Se Tivesse Sido Eu a Inventar Deus" de Afonso Melo (Âncora). O autor é um belíssimo cronista, e nisso não facilita. Tornando a leitura um repasto, delicioso. Antigo jornalista desportivo, romancista, culto, cada crónica é uma navegação, cruzando marés desde as da sua intimidade, passando pelo seu enciclopédico conhecimento desportivo - em especial futebolístico - sabedoria literária, esse de evidente grande leitor, ironia, até sarcasmo, tudo vivido sob uma angústia, até heróica. E isso argamassado num diálogo constante que não se apregoa erudito. Mas é mesmo o gosto de ser, que nos dá um imenso gosto de ler - devagar.
E, mergulhando na actualidade mais premente, comecei há dias outro calhamaço, "O Fim do Homem Soviético: Um Tempo de Desencanto", de Svetlana Aleksievitch (Porto Editora), a Nobel de Literatura que neste livro faz um cru relato do que foi a Rússia soviética.
Enfim, votos de boas leituras aos que por aqui passarem...
Uma amiga chega ao café do bairro e dá-me este "Viagem de Inverno" (Relógio d'Água, 2024), de Maria Filomena Mónica, acompanhado de um - até displicente - "passei ali pela Bertrand e achei que gostarias deste...". Eu angustio-me num "mais um livro!", a somar à cordilheira doméstica da minha dívida de leituras. Sei que este me chega às mãos por efeito de algumas conversas naquela mesma esplanada onde a autora também foi tema - há meses li-lhe com agrado a biografia de Eça de Queirós, entre outras coisas. Beijo a querida amiga, e generosa - e é-o muito para além da oferta do livro...
À noite avanço, devagar, no livro, pequenos textos de opinião e algumas crónicas, publicados na imprensa nas últimas duas décadas, todos com 2 ou 3 páginas. Arrumados por tópicos, os primeiros sobre o estado da nossa sociedade, depois como vai o país, o regime político, por aí afora. Sorrio, face ao pertinente cristalino do que vou lendo. Não que concorde com tudo o que ali está, claro - em especial franzo o cenho diante do apreço pela círculos eleitorais uninominais que M.F.M., demasiado britanófila, defende. Mas mesmo assim sigo agradado com a incisiva inteligência, suavemente apresentada, como se "deixada cair". Tanto que digo para a almofada - e presumo que se a autora viesse a ouvir isso decerto se abespinharia - "isto devia ser o manual daquela disciplina de Educação para a Cidadania", essa mesmo que põe uns punhados de tontos a espumar...
Mais para a frente leio, e de novo sorrio face à inteligência alheia, clarividente de nada bombástica: "Vivo em paz com a banalidade da vida democrática. Não preciso de utopias nem considero que exista uma crise de valores" (81-82).
E chego ainda este trecho, que desconhecia, uma pérola mesmo: "Sinto-me mais afastada da gente que, em 1789, se sentou ao lado esquerdo da Assembleia Nacional reunida em Paris do que de J. S. Mill que, em 31 de Maio de 1866, virando-se para os Tories, disse no Parlamento britânico: "Não quis dizer que os Conservadores sejam geralmente estúpidos; o que pretendi afirmar foi que as pessoas estúpidas são geralmente conservadoras". (88).
E logo me lembro destes "estúpidos", imensamente estúpidos, que por ora peroram, entusiasmados com Trump, Vance, Musk... Fecho o livro, apago a luz. E durmo. Hoje lerei o resto.
(Venâncio Mondlane em Tete, julgo que anteontem)
"Zé / Zezé, então e como é que está aquilo em Moçambique?...", perguntam-me diariamente amigos, agora que "as coisas" de lá se afastaram um pouco dos "escaparates" da imprensa. Substituídas por questões prementes, como a do deputado ladrão de malas - repararam como o Ventura, após o seu estupor inicial, agora aparece a reclamar-se "primeiro denunciante"?; as inanerráveis malfeitorias laborais dos bloquistas - face às quais o prévio vereador Robles surge como um simpático agente prenhe de empreendedorismo; a relativa inflexão de PNS sobre imigrantes - que põe os seus camaradas a clamar contra qualquer esforço alheio de adaptação às mundividências nacionais (a "cultura portuguesa", para se falar de modo simples) e o colunista-Expresso Raposo dispara(ta)ndo um lusotropicalismo actualizado: "para semos um V Império, que é um império-cais, onde o mundo pode atracar...", sim o homem escreveu isto; mais as demissões no núcleo governamental devido a trapalhadas privadas, recentes e actuais - mas quem escolhe estes tipos?; e, acima de tudo, o drama da "linguagem de rua" do treinador Lage. Já para não falar das minudências que ocupam os espaços mortos dos telejornais e comentários, o frenesim trumpiano, aquela maçada de Gaza, e a cansativa exigência de Putin em defender o "espaço vital" da sua Mãe Rússia, para se falar como a intelectual Mortágua...
Enfim, com tudo isto a gente distraiu-se de Moçambique. Eles também já estavam a abusar da nossa paciência, é certo... Por isso as perguntas dos meus amigos, essa repetida "Zé / Zezé, então e como é que está aquilo em Moçambique?...", até porque interrompi a saraivada de postais sobre o assunto (os quais sublinho pela sua divulgação telefónica, para aborrecimento de alguns deles, presumo). Costumo responder que talvez seja melhor ouvirem o que dizem sobre o assunto os nossos antigos ministros, reciclados em facilitadores de negócios e até administradores das grandes empresas - "não lhes escrevas os nomes", "não te metas com esses gajos", "não ganhas nada com isso", avisam-me amigos, não tão juniores assim...
Então, e para responder a esses amigos que se foram interessando pelos destinos daquela minha Não-Pátria, resumo o que sei: o candidato Venâncio Mondlane regressou ao país e anunciou três meses sem manifestações (deu os consuetudinários "100 dias de estado de graça" ao novo governo). O partido Frelimo nomeou um novo executivo, com tantos membros oriundos do anterior poder que aparenta ser de continuidade ("uma evolução na continuidade", como diria Marcello, o original). A mortandade entre os militantes oposicionistas nas localidades - incluindo jornalistas - terá amansado, mas não abundam as investigações sobre a responsabilidade dos desmandos sanguinários dos últimos meses. Ainda assim, de quando em vez a polícia usa de violência seguindo-se represálias populares, algo significativo em especial aquando no Sul de país, antiga zona monopólio de implantação frelimista.
Entretanto, a predisposição para entabular conversações com o oposicionista Mondlane, que fora enunciada pelo novo presidente, ainda não se concretizou, e segue o poder Frelimo na sua muito habitual postura esfíngica - "índica", como muitos referem, em particular os dirigentes socialistas portugueses quando em "visitas de Estado" e que agora se arrepiam ao ouvir falar de algumas características comuns às mundividências e práticas portuguesas (mais depressa se apanha um mariola do que um paraplégico, como é consabido...). Os velhos partidos oposicionistas, Renamo e MDM, que se haviam recusado a integrar o novo parlamento estão já a arranjar as micas, dossiers e as pastas de executivo para assumirem lugares.
Nisto Venâncio Mondlane, que se autoproclamara "presidente do povo", encetou uma digressão, uma ronda de "presidências abertas", por assim dizer... Recebo imagens de uma curta visita ao Hospital Central de Maputo, causando um enorme júbilo entre os ali situados. E de gigantescos banhos de multidão em Bobole - perto de Maputo - e em Tete, a Norte. Situações que muito denotam com quem está o povo, a quem o povo apoia. Por mais que custe aos "empreendedores" lusos. E a alguns outros.
Adenda: no sábado (dia 1 de Fevereiro, às 16 horas) estarei na biblioteca municipal de Setúbal, instituição que teve a gentileza de me convidar para falar sobre o meu livro "Torna-Viagem". E, quem sabe, pois dependendo do interesse dos que comparecerem, depois de tentar impingir a colecção de crónicas (2/3 das quais decorrem naquele país) poder-se-á falar um pouco sobre "como está aquilo em Moçambique". Se algum dos leitores do Delito de Opinião estiver nas cercanias será um prazer vê-lo por lá.
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