Marianne Faithfull
(Marianne Faithfull - Broken English Live)
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(Marianne Faithfull - Broken English Live)
Nos últimos dias amigos perguntavam-me o conciliar "Como vais passar o Natal?" - tal como agora perguntarão o sequencial "Como foi?". Fraternidades às quais deixo eu o sempre "Como sempre". Esmiuço-me,
na noite da Consoada culminei em lar de família querida (re)vendo o natalício indefinitely de "Notting Hill". Fora antes frugal - "pai, não estás a comer nada!", ouvi de familiar mais-que-muito-querida -, evitando a impante doçaria, restringindo-me a mera lasca do peixe seco e a uma dupla tira de ave, tasquinhando, registei-o, um queijo de ovelha. No dia seguinte, o propriamente dito - e porque isento que estou desde há anos de almoço comum -, (re)vi comigo mesmo o "Love Actually". Após o que regressei ao conforto do lar comungado, repetindo-me no apreço pelo - pequeno - queijo, e tendo mordido um coscorão, pois tem de ser...
Assim, mesmo se muito reconfortado, invadi-me com a nostalgia do "It's a Wonderful Time", esse que não mais reverei.
(Joni Mitchell, Both Sides Now)
Regressámos à casa própria. Aqui nos auriculares deixei, em contínuo incessante, esta carol. Trauteando "I've looked at clouds from both sides now ..."
(José Mário Branco, Canto dos Torna-Viagem)
"Então é Natal e estás a publicitar os livros dos outros? E o teu", Zé?, amigo alveja-me no Whatsapp, a propósito de eu (merecidamente) louvar/recordar o "Sair da Estrada" do Dentinho...
[Marco Paulo - Maravilhoso coração]
Desprezado pelos gentrificados - e de que maneiras soezes o foi, vilipendiado por ser quem era e por ser de quem era. Pois amado, verdadeiramente, pelo povo. Cantou, deu-se, até ao fim, muito após a voz lhe doer. Morreu hoje o Marco Paulo. Decerto, tanto assim o surgiu durante décadas, um "maravilhoso coração". E um excelente cantor romântico.
[Neil Young - Rockin' In The Free World (Glastonbury 2009)]
Há poucos dias fui a um jantar, colectivo, homenagem a um grande vulto moçambicano (vénia!), ali acompanhado da sua talentosa Senhora. Num intervalo fui à rua, esfumaçar. E nisso conversei com uma senhora presente, com a qual estivera uma vez, coisas de amigo (antropólogo) comum. Lindíssima, interessantíssima, e deixou-se ela elaborar sobre o apaixonante trabalho que está a realizar, garimpando um filão que descobriu. Eu, claro, encantado, nisso demorando-me, enrolando mais um e outro cigarro... A conversa derivou, ela preocupada com essa gente do CHEGA, eu matizando-lhe o receio, qu'aquilo não há-de crescer, é um mero "ponto negro" (expressão que não tem racismo, é até namoradeira). E avançou ela também que os da IL são mais ou menos o mesmo perigo...
E aí eu - estúpido desde o berço, como é consabido - avancei "calma, eu voto IL!", nisso de querer explicar que entre um liberal e a maltosa do CHEGA não há apenas diferenças, são mesmo espécies diversas. Pois um liberal que é liberal (e mesmo havendo tantas formas de o ser) nada tem a ver com aquela imundície. Mas à minha proclamação a senhora (lindíssima, interessantíssima, repito-me, veemente) vacilou, nisso recuou, quiçá arrepiada, até horrorizada, quase se encostando aos muros daquela Alfama. Enfim, lá continuámos a conversa, mas em registo mais apressado, e logo voltei ao restaurante, afogando no já uísque aquele "burro, porque não te calaste?, não tens jeito nenhum...", desjeito que me persegue desde as festas de garagem aos 14 anos...
Este é o preâmbulo para dizer que o bom do Victor Hugo Mendes me convidou para participar amanhã (23.10.2024) no seu muito animado e visto programa "Tem a Palavra", transmitido na RTP-África a partir das 10 horas (Lisboa), para se discutir a situação em Moçambique. (Repetido à noite e alojado na RTP Play).
Irei com uma agenda, que aqui anuncio. Sei que sou "tuga", branco, heterotóxico e reaccionário, aliás "neoliberal", ("o gajo vota na IL!!!!!!"), daí que decerto (neo)colono, e outras coisas quase tão más como estas, e que assim serei visto e entendido.
E porventura também devido a essas "condições" não gosto - mesmo nada - de rap (ou hip-hop e quejandos barulhos). Deste modo explico assim a minha agenda - de estrangeiro, "cunhado", (ex-)viente - para Moçambique. É esta: em paz (Em Paz!!!!!) o avô do grunge junto à malta da meia-idade, diante dos mais-novos, esses que alguns insistem em desvalorizar dizendo-os como "jovens". Todos a rockarem "in a free world", aliás, país...
Quem quiser ver o programa a sua gravação está aqui: Peça a Palavra" (23.10.2024)
[People have the power (Patti Smith sings "People Have The Power" with a choir made up of 250 volunteer singers at NYC's Public Theater. This was done in 2019. Daveed Goldman on guitar and Stewart Copeland playing the frying pan.)]
Isto tudo se liga, se articula... e contradiz! No seu mural de Facebook o Henrique Pereira Dos Santos traz esta versão coral da "People Have The Power" da Patti Smith - a qual vos garanto, por empírico conhecimento, cruza gerações. Canção hino que tantas vezes cantámos, nas pistas ou por aí afora, às vezes exultantes como se gente, outras cantarolando em ira amesquinhada.
Tudo se liga, tudo se contradiz!, digo eu. Estou a ler o imprescindível "Tudo é Tabu" do Pedro Correia (Guerra e Paz Editores) , um rol de 100 casos de censura promovida pela vigente e descabelada ideologia "identitarista", e ontem cruzei o 75º caso, exactamente o respeitante à Patti Smith, até ela alvo do cretino modo "cancel"!
Ao mesmo tempo vou, cá de longe, recebendo as novas sobre as eleições em Moçambique - país onde a "People Have The Power" se canta "Povo no Poder" -, mais um episódio da inenarrável e despudorada apropriação do voto popular, do "Power" do "People". Até quando?, a que custos?, como se chegará ali ao "Basta" ("Chega" é uma palavra agora politicamente poluída, entenda-se...)?
Mas tudo se liga, tudo se contradiz! Pois cantarolo a canção sentado no meio deste meu Povo pensionista, decrépito, cujo poder se restringe a votar nesta pobreza mental e moral, como se vê na gritaria socialista e fascista à volta do orçamento, no dia em que juristas forçam a arrastar um homem doentíssimo num tribunal apenas para justificarem o seu lacaio imobilismo, servis a este estado do Estado.
Tem o "people" o "power"? Tem, estive ontem a ver as sondagens americanas, Estado a Estado... É quase certo que Trump ganhará.
"...the people have the power / to redeem the work of fools"?
É mesmo melhor cada um tomar o combustível que lhe apetece (Vodka tónico para mim, sff) e ir para a pista, dançar e cantar. Sem esperança. Mas não desesperado.
A morte de Fausto (Fausto Bordalo Dias, como depois veio a ser conhecido) faz-me recuar até aos anos 80 mas também me ancora no presente. Logo me lembro, como a tantos acontecerá, deste "Por Este Rio Acima", um disco magnífico. E uma surpresa na época - pois para além do íntrinseco autoral era muito bem produzido, muitíssimo melhor produto do que era a norma de então, e em especial nos muito básicos oriundos da chamada "canção de intervenção", "cantautores" vieram depois a ser ditos. A indústria musical portuguesa não era tão má, tecnologicamente, como a cinematográfica (esta era verdadeiramente uma desgraça), mas era deficitária. "Por Este Rio Acima" mudou isso. O sucesso, comercial e de reconhecimento, foi enorme. Lembro-me - mas lamentavelmente não encontro via motores de busca - de uma deliciosa primeira página de jornal que dizia "Fausto, o Chalana da Música", noticiando um novo - e bem abonado - contrato com empresa discográfica do músico (que me diziam ser um tipo profissionalmente muito difícil, exigentíssimo, até em demasia), fazendo-o equivaler ao grande ídolo da bola de então...
Mas a memória deste disco também me traz para o presente. Pois em alguma imprensa e na academia de algumas ciências sociais (nisso também na antropologia) vem vigorando um discurso - dito "pócolonial" ou "decolonial" -, militante de uma simplificação demagógica do passado recente e da actualidade. O seu cerne é a afirmação da inexistência de uma "descolonização" intelectual no país, da total perenidade da mundividência colonial, imperial, saudosista, após-1974. Há até textos (o jargão chama-lhes "papers") publicados nos locais "da especialidade", botados por estrangeiros (brasileiros de preferência) ou lusos empenhados, que consagram essa perenidade. Sobrevoam, apressados, o "campo literário", desatentam a (sofrível, repito-me) cinematografia. E aguçam-se, vampirescos, sobre o mundo da música popular, neste último clamando a representatividade, como se universal, daqueles obscuros festivaleiros Da Vinci. E, mais ainda, reproduzindo uma interpretação abjecta de básica desse fenómeno pop que foram os Heróis do Mar. Esses mariolas, sempre avessos à rugosidade do real, sua complexidade e multiplicidade, a tudo o que não lhes convém às "causas" (e aos subsídios) esquecem, não só a existência como a real influência de objectos que marcaram o país, suas gentes, as mundividências. Lembro a magistral peça "Fernão, Mentes?" da Barraca, logo no início da década de 1980. E nesse já tão recuado 1984 o monumento - tão influente - que foi este "Por Este Rio Acima". Nem tantas outras coisas, as produzidas e as formas da sua recepção pública.
E continuam "por esses rios abaixo" os tais intelectuais. E nós-outros, os avessos à aldrabice "póscolonial", deveras embrenhados no encapelado da realidade, continuaremos a entoar - e mais agora na morte de Fausto -, "Quem conquista sempre rouba / quem cobiça nunca dá / quem oprime tiraniza / naufraga mil vezes ... Já vou de grilhões nos pés / já vou de algemas nas mãos / de colares ao pescoço / perdido e achado / vendido em leilão / eu já fui mercadoria / lá na praia do Mocá...". Tudo isto, complexo, que não lhes cabe na ladainha, com a qual vão ganhando a vidinha, videirinhos que seguem.
2 de Julho de 2024, farei, faço, sessenta anos, torno-me sexagenário, velhote definitivo. Momentos há que me custa a crer, num "já?!", "como é possível?", pois tantos anseios ainda, outros há em que me espanto num "só agora?", pois Matusalém também me revejo, no alquebrado que deveras sigo.
Pouco acontecerá daqui em diante. Do que antes foi, e que (me) valeu, deixei memória no meu Torna-Viagem. E pouco ou nada acrescentarei desde então. Ou talvez exagere nisso. Pois tenho algumas novidades: sim, tenho ouvido mais Dylan, trouxe-o para esta etapa, quiçá no sonho, esperançoso, de um "simple twist of fate", até porque já sabedor que não é pecado "to know and feel too much within". E nisto sigo ombreando com o meu inseparável companheiro papagaio palrador, este "parrot that talks". O resto...? Virá.
(Para quem não conheça a canção - e por isso incompreenda o postal - deixei versão com legendas.)
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