Je Veux Une Harley, Margerin & Cuadrado
Margerin é dos poucos autores que se tornaram adjectivo. Pois tal como "kafkiano" ou "dantesco" se impuseram, a deliciosa etnografia que o autor fez da juventude urbana dos 1980s, acima de tudo nas aventuras do seu magnífico Lucien - esse que ele foi fazendo envelhecer até aos 50 anos -, o tornou símbolo dessa era e seus tiques. "Isso é Margerin" era a expressão que constantemente se impunha quando víamos a realidade a reflectir a obra, como se a parodiando, na abundância de comicidade com que as personagens (nós mesmos também) mimetizávamos o que Lucien e todos os seus patenteavam.
Há anos que não o lia, nem sabia desta nova série "Je Veux Une Harley" - que já conta com cinco álbuns, todos com argumentos de Marc Cuadrado. Encontrei este nº 2 num alfarrabista, meros 3 euros, e nem fiz menção de resistir. Abençoada compra, a regressar ao mundo Margerin. Agora o centro é Marc, um cinquentão já dono de uma Harley e disso fanático - como o devem ser todos os proprietários de harleys -, um monomaníaco para desespero da sua mulher. E em torno dele um grupo de amigos, suaves perdedores da vida sem desesperos mas com as angústias da meia idade e seus desarranjos cómicos. Uma comédia deliciosa, neste álbum promovida pelo desejo de se constituírem em grupo de "motoqueiros", ambicionando a ficção de rusticidade, nada compatível nem com eles-próprios nem com o meio envolvente. E ei-los a criarem os "Asphalt Troopers". Para logo serem surpreendidos e cooptados pela burocracia necessária para a criação de tais associações - um paradoxo total que lhes trituraria o "wild" da coisa ... se ele fosse mesmo a ambição.
A não perder. Nem este volume nem os outros. Pois, é certo, Margerin ainda "mexe" ... Fresco, cómico. E carinhoso como antes.