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Nenhures

Nenhures

17
Dez24

Carlos Mardel no Instituto Camões

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Miguel Valle de Figueiredo inagurou ontem uma exposição fotográfica dedicada às obras de Carlos Mardel - ou seja, o húngaro Martell Károly -, o arquitecto e engenheiro militar que marcou a Lisboa da época pombalina.

Há dois anos o mvf foi convidado para participar no Festival Fotográfico de Budapeste. E teve a boa ideia de lá mostrar a obra deste húngaro, que seguia desconhecido no seu país - quase tanto como o é aqui, desconhecimento nosso um pouco devido à dimensão da figura de Pombal, mas também, presumo, por uma inércia algo nacionalista, tendente a descurar um contributo de estrangeiro...

Agora a Embaixada da Hungria organizou a apresentação dessa exposição na cidade ... de Mardel (Martell). Acontece na sede do Instituto Camões - na Av. de Liberdade, 270, muito apropriadamente junto ao Marquês de Pombal .

Garanto que se justifica sair do metro e ir até lá (dois minutos pedonais desde a boca da estação apropriada). Pois são 20 fotografias, com o cunho do mvf (o que mostro é a minha paupérrima réplica com telemóvel, que desmostra a grandiosidade da foto da igreja de São Domingos). As quais surpreenderão a maioria (a mim muito me surpreendeu, apesar de já avisado pelo amigo fotógrafo), pois permitem perceber a omnipresença do arquitecto húngaro na Lisboa pombalina, na "nossa" arquitectura.

Passai por lá! É certo que a sala é pequena, está mal iluminada e em mau estado - caramba, é o Camões, exige-se melhor... Mas isso em nada deslustra as fotografias e não impede que melhor nos venhamos a informar sobre Mardel. Aliás, resmungava eu ontem em monólogo mudo, estas fotografias (das quais a exposição é uma selecção "manuseável") são um óbvio material para se fazer um livro sobre Mardel/Martell, cuidando um pouco da memória desse autor da nossa Lisboa.

(Deixo dois artigos sobre o arquitecto/engenheiro: no "Diário de Notícias"; no Arquivo Municipal de Lisboa).

14
Ago24

Morreu o Mário "do B'artis"

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(Bar Artis, Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Recém-octogenário morreu ontem o Mário Pilar, o qual sempre dizíamos Mário "do B'artis". Discreto, fez do seu bar um dos grandes pólos daquele Bairro Alto que mudou Lisboa na década de 80.  Abrira-o no início de 1983, na Diário de Notícias, mesmo no centro do que veio a ser a nova azáfama noctívaga do velho e então decadente bairro. Pouco antes estabelecera-se a discoteca "Rockhouse" também na Diário de Notícias, que cedo mudou para "Jukebox", e logo depois o celebrizado "Frágil", ali ao lado, na Atalaia. E para suporte daquilo havia apenas a vetusta "Tasca Azul", como lhe chamávamos, de seu nome "Arroz Doce", que logo gentrificou (como então não se dizia) a clientela, pois defronte ao "Frágil" e pertença da Tia Alice, irmã do Alfredo que sargentava (e sargentou durante décadas) a portaria do então novo bar-discoteca, desde cedo feito coqueluche lisboeta.

E logo o "B'artis" abriu portas. Num registo diferente dessas casas e das que vieram a pulular na área, o qual manteve durante o quarto de século de existência. Uma pequena sala sob decoração levemente bric-a-brac, com mesas fresquíssimas pois com tampos de brecha da Arrábida, música jazz gravada emitida em tom baixo, a convocar conversas, e preços nada especulativos - apetecíveis naquela era de FMI, louváveis anos depois, já na era das "vacas gordas" europeias. E servindo produtos que se tornaram clássicos locais, pois corriam quantidades do excêntrico "Favaios" e, acima de tudo, ali nos socorríamos de umas decentíssimas e sempre lembradas tostas de frango, que nos escoravam noites afora. A clientela era heterogénea, descomprometida no sentido de descomplexada. Ou seja, isenta da real pinderiquice dos modismos, de vestes, modos e ademanes, que preechiam o sacrossanto "Frágil" e adjacentes. Lembro-me de ter lá chegado, aquilo muito recente, eu ainda caloiro universitário, e ter resumido o ambiente: "é um sítio de professores do liceu", naquele sentido de gente não pintalgada de parvoíces...

O Mário era afável, sem falsos companheirismos com a clientela, e isso vinculava-nos. Rapidamente me tornei, e alguns dos meus, residente naquele curto balcão - mais tarde, num aniversário meu, um amigo chegou com um pequeno presente, tinha mandado imprimir na máquina de multibanco um pacote de cartões de visita meus: a morada era a do "B'artis"! 

De facto, o "Bairro" passou a ser o "B'artis". Claro que havia outros sítios apetecíveis. De início passava-se lá a beber um copo, ou mais, depois ia-se até ao "Lábios de Vinho", onde pontificava o Hernâni, espreitar um "Ocarina" ou outro, e subia-se ao "Frágil". Com o passar dos anos esse roteiro foi mudando mas a base, o ponto de encontro (e de fuga, também) sempre era o "B'artis". Ali se continuava a bebericar, antes de se partir à volta obrigatória. O "Frágil" foi-se tornando cansativo, crescentemente homossexual e suburbano, ia-se lá, até com fastio blasé, para se dizer que se fora, e voltava-se ao "B'artis", para depois, claro, avançar até aos "Três Pastorinhos", tornado o grande sítio, belo ambiente e excelente música. E se houvesse dinheiro (e força) seguia-se ao "Lontra" na Rua de São Bento, ou às "Caves Adão", mais tarde até aos poisos nas Escadinhas do Duque e à inicial 24 de Julho. Anos depois, ainda no Bairro Alto abriram casas apelativas, como o "Mahjong", mais coito das gentes cinéfilo-artísticas, e o "Targus", do sempiterno Hernâni, esta mais abrilhantada pelos núcleos da então viçosa publicidade e da explosiva comunicação social. Mas picava-se o ponto por lá, "viam-se as modas", e "B'artis" connosco, até porque a casa cada vez ia fechando mais tarde, e sempre cheia... Pois era ali o sítio, por estar lá o "ambiente". Sem poses, entenda-se.

Sendo ele discreto poucos lembram ter sido o Mário Pilar, casapiano desde sempre, que cativou o palacete do Casa Pia Atlético Clube para aquelas loucas "Noites Longas", que durante cerca de três anos agitaram - e mudaram - a noite lisboeta, não só alongando-a até às alvoradas como também miscigenando os convivas, como nunca antes naquela ainda velha e provinciana cidade. Mais tarde, já na Lisboa Capital de Cultura de 1994 ao Mário Pilar surgiu-lhe mais uma iniciativa de conjugação, metendo-se a empurrar as Noites de Jazz no Café Luso, esse seu vizinho, pondo o tradicionalista mundo do fado a dar espaço aos melhores músicos de jazz nacionais. Então uma quase heresia...

Desde finais dos 1980s, o Mário Pilar foi-se para a Comporta e investiu o fruto do seu industrioso e incansável labor em casas no Possanco e Brejos da Carregueira, pensando numa explosão turística por aquelas zonas. As quais se tornaram o seu mimo. E orgulho. Um precursor, como é agora evidente, sorrimos nós ao lembrá-lo. Atento. Em 2007 decidiu-se a fechar o "B'Artis", trespassando-o (ainda lá está, com o mesmo nome mas outro perfil). Há alguns anos, pouco antes do COVID, fui jantar nas cercanias do Largo do Caldas, estava à porta do restaurante a fumar e passou ele - vivia ali perto. À minha mesa estava gente da "velha guarda", também antigos residentes do balcão do "B'Artis", levei-o até lá. Foi uma festa, horas de conversa, ele notoriamente agradado com o rosário de memórias ali percorridas, e com o agrado, genuíno, que mantínhamos pelo seu bar. Contou-nos da sua vida, fruindo então de uma velhice saudável e bem-disposta. Viajava imenso, pelo Oriente, Japão e isso, chegara há pouco do Irão, preparava-se para partir para a Coreia do Norte (!), naquelas viagens guiadas pelo escritor Peixoto...

"Foi na casa dele que a gente verdadeiramente se divertiu aos 20 e 30 anos", sumarizava o amigo que me telefonou ontem a anunciar a sua morte. "Quando ainda nos divertíamos!", resmunguei, pesaroso, para sua imediata concordância.

O funeral do Mário Pilar é amanhã, quinta-feira, dia 15 de Agosto. A cremação é às 14.00 horas no cemitério do Alto de São João. Lá irei, por causa de tudo isto que narrei. E talvez encontre algum antigo residente do balcão do "B'Artis". E depois da cerimónia teremos de encontrar um qualquer sítio para se beber um "Favaios".

20
Jun24

Exposição fotográfica "Relicário Sacro-Profano"

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No próximo sábado, dia 22.6, a partir das 17 h., o meu amigo Pinino (também conhecido por Miguel Valle de Figueiredo) inaugura esta exposição fotográfica, a sua primeira em Lisboa desde o malvado Covid-19. A qual ficará visível durante um mês, até 22 de Julho.

E sim, a inauguração coincidirá com um jogo da "Portugal". É uma propositada atitude, atreita àquelas que não julgam ser necessário "concentrarmo-nos no que importa, a selecção...", como julgam alguns outros.

Para a acompanhar convocou-me um textinho. Coisas de uma amizade de 40 anos (!), de termos co-blogado no ma-schamba. E de nos irmos juntando para imprecar o mundo, mais o circundante, sublinho, do que aquele mais alhures, esse pelo qual ainda vamos tendo algum apreço. E também, decerto, porventura até mais do que tudo, numa sua provocação de meter este alheu a loar a fé alheia. 

Por tudo isso, e ainda que uma imagem valha um feixe de palavras - e em sendo dele ainda mais propriedade tem o dito -, aqui o junto: 

 

Relicário Sacro-Profano

Cerca de três dúzias de fotografias, é o que nos oferece o Miguel Valle de Figueiredo. Não um sacrário, qual arrumação de itens patrimoniais em pousio, para que nós os possamos desfrutar, como se flanando no remanso de uma mera sensibilidade, mascarada pela aparente fineza de um gosto que se assim se mostra cultivado. E se as imagens provêm dos quatro cantos do mundo, daqui e d’além-mar, não surgem aqui como o mapear de uma lusa diáspora, como agora se diz, ou um rememorar do padroado que tanto enfunou a vera gesta pátria.

Pois o autor mostra-nos, em cada fotografia e no seu todo, um presente no passado moldado: os ecos da crença motriz no Deus que socorre e alumia, que nos fez calcorrear mares e amarinhar montes e vales. Omnipresente na Sua tutela, sê-lo-á. Mas também um Deus portátil, aposto em cada peça, modesta ou monumental, pública no seu a céu aberto ou esconsa no fundo de uma gruta. Assim condensado para que não O ignoremos, para que a Ele queiramos acorrer, tanto em dias desesperados como nos da esperança dadivosa. No desamparo, no amparo. Na eterna dor, na fugaz alegria.

É notório, e notável, que apenas uma pessoa surja neste desfilar. Símbolo ela, nestes tempos revoltos, do sempre presente que tem essa vigência divina, vivida além das hierarquias rígidas e das comunidades semicerradas, da rispidez de dogmas e até mandamentos. Uma presença animada no crepitar do profano popular, esse colectivo de indivíduos feito, o constante emaranhado da nossa miríade de anseios de Bem e de… Futuro. E de um fundamento que nos guie, que “faça luz”. Em todos nós, cada um no seu rumo. Anseios que revivem, fazendo-nos ajoelhar ou só perfilar, aquando diante de cada uma destas representações. Por isso são elas procuradas, queridas. Amadas. Pois são o quotidiano. A vida.

04
Mar24

Há quatro anos

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toquei na minha mãe pela última vez. É certo que a, posteriormente consagrada, directora-geral da autoridade sanitária pública ainda nos viria convocar para visitarmos os nossos "mais-velhos", e que o nosso PR ainda andava, frenético país afora, em comemorações teatrais. Mas, face ao que já grassava na Itália e em Espanha, decidimos não visitar a mãe até que as coisas, que tão negras pareciam, viessem a serenar. Fui, fomos, à Ericeira dizer-lhe isso, afiançando-lhe a crença de que seria por pouco tempo, uma "maçada" apenas, algo a que ela, nonagenária lúcida, acedeu em acreditar.

Uma semana depois, a 13, a minha filha viajou de Inglaterra - no exacto dia em que Warwick, a sua universidade, encerrava por todo aquele ano lectivo (!) -, fui recebê-la ao aeroporto, ainda pejado de exultantes turistas nórdicos em busca de sol de Inverno, vinho barato e peixe grelhado, tal como no Tejo ainda aportavam os gigantes paquetes..., vil e incompetente coisa de país reduzido ao afã da "indústria turística". E, angustiados, seguimos directos para Sul do Tejo, onde amigos-verdadeiros irmãos abriram a levadiça do seu já confinamento para nos albergar. Dias depois o país confinou-se.

Algum tempo depois pude voltar, voltámos, a visitar a minha mãe, à distância sem beijos nem toques, no jardim frondoso da "Residência" onde vivia. E, em piores momentos, apartados por uma barreira de acrílico. Um dia, meses depois, ela, bastante enfraquecida por aquela clausura angustiante, disse-me e repetiu-me "és muito bonito, meu filho, és muito bonito", inédita hipérbole que atribuí a alguma anciã confusão intelectual e a um carinho saudoso. Era, afinal, uma despedida pois morreu poucos dias depois. Sem que eu a pudesse ver uma última vez, já no seu esquife, devido às exageradas restrições, nisso disparatadas, mesmo assarapantadas...

Andava eu acabrunhado, acabrunhadíssimo fiquei, entretanto talvez me tenha libertado do superlativo.               

E acabrunhados então andávamos, mesmo que não desistentes: o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo - que é não só um bom fotógrafo mas também um homem como deve ser (Homem com H grande, dizia-se) - logo se apartou das angústias e saiu à rua para fotografar a cidade confinada, tendo editado o seu "Cidade Suspensa", a Lisboa dessa inicial era Covid. E depois, meses a fio, continuou a fotografar-nos. Acabrunhados, nisso até exaustos. Deixo aqui alguns de nós por ele fotografados.

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sentada.jpgPara quem se possa interessar: um dia deixei um relato longo dos dois primeiros meses de Covid em Portugal, chamando-lhe "O Capitão MacWhirr e o Covid-19". E julgo que qualquer leitor de Conrad logo pressentirá o seu conteúdo...

 

(Agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal)

15
Out22

5 anos após os incêndios na Beira Alta

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Passam hoje exactamente cinco anos sobre a segunda vaga dos incêndios de 2017 no distrito de Viseu, entre o concelho de Tondela e seus limítrofes, devastando a "Beira Alta", dessa vez causando mais de 40 mortos, a somar aos mais de 60 que haviam perecido durante o Verão anterior. Logo depois o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo percorreu aquela região, que bem conhece pois os seus ascendentes dali eram oriundos, e durante três meses calcorreou mato, lugares, aldeias, vilas, encarou a gente que ali teima, desta ouvindo do horror de então e da violência posterior, advinda da arrogância burocrática de quem vem podendo - a memória desse trabalho foi publicada na "National Geographic", com texto de Gonçalo Pereira Rosa.

Nisso fotografou as "cinzas" promovidas pela fúria dos elementos, o desnorte nacional e a incúria estatal,. Enquanto uns, urbanos, se menearam vaidosos insanos, lamentando-se "de não ter tirado férias" ou, pelo contrário, "iam de férias" e pediam para "não os fazerem rir" a propósito destes e doutros assassinos fogos, e se gabavam de se preparar para as "cheias de inverno", inaugurando casas refeitas com dinheiro alheio, apregoando ter revolucionado as florestas como nunca desde a Idade Média, e se faziam entrevistar em quartel de bombeiros, o Miguel foi para aquele lá, verdadeiros "salvados" de um país que insiste em desistir de o querer ser por via do apreço que vota aos tocos que julga gente, e até elegível.

Dessas suas andanças, vindas do seu fervor de fotógrafo e do seu dever de cidadão, produziu um manancial iconográfico, uma verdadeiro arquivo para alimentar uma memória social do acontecido, deste sofrido que a história recente do país se mancomunou para gerar. E organizou a exposição "Cinzas" - paisagens, pois o pudor impeliu-o a evitar mostrar os retratos feitos dos violentados , 42 fotografias. A qual teve itinerância nacional. 

Agora, para assinalar os cinco anos sobre aquele momento a exposição é hoje mesmo, 15.10.2022, reapresentada em Tondela, no seu Quartel dos Bombeiros Voluntários, - concelho então tão devastado (só nele arderam mais de 400 casas, 219 das quais primeiras habitações). Será muito pedagógico ir lá ver o horror e desperdício que o mvf vagorosa e condoidamente captou. Para que não o esqueçamos. Mas também para que tomemos consciência de que, como diz agora o fotógrafo, "5 anos sobre o terrível incêndio que devastou grande parte da Beira Alta e, como se viu depois em Monchique ou mais recentemente na Serra da Estrela, independentemente de tudo (i.e. alterações climáticas), pouco se aprendeu, ou melhor, o que se aprendeu não serviu de muito na prevenção destas tragédias."

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

 

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

23
Fev21

“Cesse tudo o que a musa antiga canta…”

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A semana do Império (3): um texto do Miguel Valle de Figueiredo, escrito para este blog. As fotografias também são dele.

 
“Cesse tudo o que a musa antiga canta…”  
 
O Exmo Senhor Dr. Ascenso Simōes sugere, entre outros e variados dislates, a demolição do Padrão das Descobrimentos. O excelso deputado, um socialista socrático - o que diz mais dele que do seu mentor - tem sido confundido com qualquer pessoa medianamente inteligente nos intervalos das suas declarações. Estas, por sua vez, quando chegam ao conhecimento público, mal interpretadas com toda a certeza, não ajudam a cimentar a primeira impressão que o seu silêncio normalmente cria. Há um padrão de inanidades descobertas sempre que esta excelência debita e que deve ser considerado. Corre nos burladeros alfacinhas que o homem não está bem. Se é de um destrambelhamento intelecto-mental, daqui lhe envio os desejos de melhoras mas, enquanto o estado se mantiver, talvez um retiro para lá de onde veio fosse uma opção saudável. Ascenso Luis pensa-se um revolucionário polemista enquanto que quem o lê ou ouve, pensa-o um estulto mal-criadote, um patetista encartado. Façanhudo e voluntarioso, destrata quem o sustenta. Vai tudo a eito com este paladino da modernidade que Portugal precisa e merece. Seja o juiz presidente do tribunal constitucional, seja o parvo comum que se encontra no Povo, nunca esquecendo a velha Teodora que queria as contas à moda dela. Trata os eleitores, que, sem lhe sequer conhecer a existência, permitem que se vá coçando lá nas bancadas traseiras da AR de eventual urticária nas partes baixas que parece afligi-lo. Não se retracta nunca - era o que faltava, seria confissão de fraqueza deste forte e temido tribuno, deste pontiagudo aríete da Democracia... - mas apagou, por exemplo, a conta de “Twitter” que, depois de apanhado com as calças na mão, tentou fazer passar por falsa. Ou diz que o que afirmou não é aquilo que percebemos. Estamos em presença de um erudito dado à figura de estilo e não de um solerte "boy" como parece ser. Porém, e segundo os aleivosos do costume, tudo aquilo é resultado de almoçaradas bem regadas que o hepático não aguenta. Outros, mais cientificamente, entendem que o proeminente político é possuidor de um cérebro de funcionamento intermitente. De qualquer maneira, pelas razões apontadas pelo insigne Ascenso, o monumento fascista ia raso. Considera o conjunto de Cottineli Telmo e Leopoldo de Almeida um mamarracho, para além da leitura simbólica que lhe atribui. Notando-lhe um certo ar patibular, medievo, pode pensar-se que está o Ascenso Luis a falar dele próprio depois de se ver reflectido numa qualquer superfície mais polida, talvez numa lata de solarina. Adiante, uma vez aberto o precedente, poupava-se tempo e o erário público, e corria-se pela vizinhança: rebentava-se com o Mosteiro de Santa Maria dos Jerónimos, obviamente com a Praça do Império e sua fonte brasonada - Império que o protestante afirma ter sido uma construção salazarista visto nunca ter existido essa designação plástica que só aparece primeiramente na Constituição de 33…, de seguida ia a cabra da Torre de Belém, para logo dinamitar os pilares do regime fascista que desde 1966 sustentam a ponte baptizada com o nome do ditador. Isto para começar. Parece que conhece a zona da Reitoria da Universidade de Lisboa, aquele conjunto de arquitectura austera tão querida do regime. Dada a extensão do “ campus”, um bombardeamento cirúrgico e era uma limpeza. Uns passos mais e tratava-se do Hospital de Santa Maria, está bem de ver. Talvez uma implosão fosse uma boa solução para aquela reaccionária construção. É cinematográfico e emulava o seu ex-chefe (a Torralta ali em Tróia). Isto só para começar e em Lisboa, porque o país tão atrasado como rico, tem de se ver livre por uma vez de tudo o que possa lembrar o antigo regime, como escolas, tribunais, barragens, outros hospitais, etc, etc. Apagando esses traços fascizantes, lava-se o passado, acaba-se com os fascistas e o futuro espera-nos radioso. Enquanto isso não acontece, mando respeitosamente Sua Excelência à merda.
 
Enfim, como se sabe, cada um diz aquilo que lhe apetecer. A questão está em saber em que posição se está para que os devaneios do pensamento traduzidos na famosa liberdade de expressão, serem admissíveis ou, pelo contrário, entrarem no rol das estultícias constantes de um futuro Anedotário Nacional. O maçador é sermos nós a pagar os salários, as despesas de representação dos cargos que gente sem préstimo conhecido vai ocupando.
 
Deixo ainda uma imagem de meados dos anos 80 que fiz a bordo de um héli da FAP. Um Aloueite daqueles que andou na Guerra Colonial ou do Ultramar, como se preferir, acompanhada da ideia do supra-citado cidadão Simões. Repare-se que se mantém o aterro porque senão lá iam os barcos à vela para próximo do que foi a doca do Bom Sucesso (será que o Ascenso, culto como é, saberá que todo aquele terreno já foi rio?) e a ferrovia que nos leva até Cascais. Por falta de talento não acrescentei uma sugestão artística à fotografia que talvez fosse do agrado estético do Ascenso: um conjunto escultórico equestre. Depois, aos Domingos à tarde para entreter a populaça entre dois pastéis de Belém, podia a obra contar com elementos vivos. Usar este pândego em substituição de um equídeo, a resfolegar-se de tanto escoicear, um seu hábito, seria uma animação e fonte de receita para os arranjos paisagísticos necessários posteriores à intervenção do caterpillar. Fica a ideia.

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Livro Torna-Viagem

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