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Nenhures

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Há alguns anos regressei ao Portugal. E nisso, após 25 anos, regressei à casa que fora paterna e ao meu velho bairro, os Olivais. Desde então, de vez em quando, fui blogando sobre a Junta de Freguesia, ocupada por um inenarrável conjunto de militantes do PS - pois não só é notória a sua incompetência executiva como o é, e ainda mais, a concepção patrimonialista e paternalista, vilmente anacrónica, que aquela gente tem do poder. E também porque de conversa em conversa se vão ouvindo episódios enjoativos das suas práticas - mas não se podem escrever, pois o vulgar freguês não tem provas. Enfim, lá fui resmungando com o estado do bairro sob a presidência da inacreditável Rute Lima (a cuja é também colunista do jornal da SONAE, o que mostra o tipo de gente que vem dirigindo o periódico). Pois apesar da descrença no PS ainda assim me espantava como era possível que um partido daqueles se atrevesse a descer tão baixo, promovendo gente desta laia para dirigir uma freguesia com mais de 30 000 eleitores no centro da capital.
 
Há 15 dias a TVI emitiu uma reportagem sobre as práticas da Junta de Freguesia dos Olivais, a qual por si só deveria ser letal. Mas nada se passou... Hoje emite uma segunda, ainda mais tétrica - isto vai ao ponto, entre outras várias coisas, de uma das vereadoras da Junta, a da Educação, ser diariamente abastecida de refeições distribuídas nas escolas para alimentar a sua família... Fazendo literal a velha expressão "tacho".
 
 
 

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Cresci nos Olivais (Lisboa), bairro sui generis para tal, a nossa geração sabe-o - e lá voltei após 25 anos, já cinquentão . Nestes últimos anos botei breves postais face a uma "junta de freguesia" com características de puro caciquismo, mediocridade intelectual e executiva e anunciado nepotismo. Nas últimas eleições municipais sublinhei como as perdas de votação do PS na freguesia - muito devidas às manigâncias e arrogâncias da sua presidente - foram, por si só, suficientes para a derrota da candidatura de Medina à câmara. Enfim, 40 anos de PS, sob apenas dois presidentes de junta, culminaram na evidência de que o PS só tem esta indigência para propor no centro da capital, algo denotativo de estado degenerado daquele partido.

Ontem o telejornal da TVI emitiu uma reportagem letal sobre os socialistas da junta de freguesia, comandados há uma década pela peculiar Rute Lima (uma colunista do jornal "Público", o que denota o servilismo político das direcções do jornal). Nela são denunciados múltiplos exemplos de puro nepotismo - por exemplo, várias contratações de parentes por afinidade ou consanguinidade dos membros da junta, contratados em feriados (inclusive num 1º de Janeiro recente....!) , manipulação de concursos públicos, etc. E termina a reportagem com uma nota escandalosa, anunciando uma reunião dos eleitos decorrida no último domingo, destinada à destruição documental...

 

 

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Vizinhos elogiosos dão-me a conhecer este programa radiofónico (aka podcast) "Lisboa e os Lisboetas" devido a esta sessão (51 minutos) sobre o meu bairro Olivais. Avanço para o ouvir, enquanto leio: interessa-me o bairro e conheço o "entrevistado" (é uma conversa, não uma entrevista) Pedro Bidarra há 40 anos, olivalense de gema, publicitário renomado, romancista, tipo refinado e de bela verve.
 
Na introdução da conversa o autor do programa deixa algumas indicações sobre "os Olivais" (é assim que se diz) rural, pré-1950s, incidindo na rede de "quintas" das quais há apenas alguns vestígios remanescentes. E mais para a frente alude à evolução da actual "Avenida de Berlim", a velha "Entre Aeroportos" (o de Cabo Ruivo, para hidroaviões, e o posterior da Portela), memórias corográficas decerto que interessantes para os fregueses que as desconheçam.
 
No início da conversa o Pedro Bidarra deixa um pouco da sua, que é a nossa, a da geração fundadora dos Olivais, memória sobre como foi crescer no bairro no pós-25 de Abril - e faz muito bem em lembrar que algo disso deixou no seu ríspido e tão interessante romance "Azulejos Pretos" (ele tem outra ficção, "Rolando Teixo", que é um mimo, e vou avançando isto porque vem aí o Natal e oferecer livros é bom, e ambos são uma boa opção).
 
Depois a conversa desenrola-se, e torna-se um espaço para o autor do programa - José Sá Fernandes, um antigo vereador municipal (surgido com o BE e prosseguido no PS) -, "mudando a agulha" com constantes derivas elogiando ... a sua obra camarária. Deixo cair o livro, deliciado, ficando só a ouvir - pois ter-se-á perdido um bocado do fio à meada olivalense, mas com ganhos, pelo menos para mim, crente que sou no método indutivo. Pois é um documento, delicioso (repito-me) sobre "lisboa", aquela "que anoitece" como (não) cantava o cantor... Lá mais para o fim o Bidarra (com algum carinho - é notório que são amigos - quiçá irónico) deixa uma breve pérola, tentando matizar o fervor intervencionista, até demiúrgico, do político agora radiofónico.
 
Enfim, terminado o programa não resisto e prometo-me: depois dos quartos-de-final de hoje ouvirei o programa (30 minutos) dedicado ao "Bairro Alto" (post-Frágil, claro), cuja "entrevistada" é a articulista do "Público" Carmo Afonso, comunista, putinesca e que se queixa de os taxis lisboetas federem a "trabalhadores portugueses". Mais "lisboa", decerto...

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Acabo de conhecer este episódio parlamentar. É o da "Ana dos Olivais" - uma historieta sobre uma imaginada "Ana de 25 anos" do meu bairro lisboeta, narrada como se exemplar por um deputado do PSD, Alexandre Poço, que assim a quis projéctil endereçado ao primeiro-ministro António Costa.
 
O breve episódio (na ligação estão as duas curtas intervenções) causa-me duas constatações: 1) Alexandre Poço, um ex-jotinha PSD agora já adulto deputado, e que foi conhecido por nós-vulgo através de uma fruste candidatura autárquica que quis "engraçadista", nem televisão vê. Pois se o fizesse em qualquer "filme de tribunal" americano teria aprendido o célebre mandamento: nunca fazer perguntas para as quais não se está preparado para a resposta. E como tal foi-se ele à bancada fazer uma pirueta retórica - um ademane engraçadista -, e em resposta levou "pela medida grande". Para melhor me fazer entender direi que Poço, a putativa "jovem estrela PSD", esteve para Costa como há dois dias Flávio Nazinho esteve para Harry Kane... Encomende-se o rapazola ao VAR ou ao gongo, a ver se safa nos seus próximos atrevimentos no hemiciclo que, pelos vistos, imagina qual campo da bola ou ringue.
 
2) O episódio chamou-me a atenção por ter sido invocado o meu bairro. No qual cresci até aos 25 anos, ao qual voltei aos 50. Conheço alguma coisa do que se passa. Várias vezes botei sobre os Olivais: notando os maus efeitos de uma atrapalhada, pois voluntarista, reforma da administração autárquica; notando a ausência de políticas de "reanimação" urbana; vendo a predomínio de uma visão assistencialista de paternalismo clientelar; clamando contra o - de facto - boçalismo das lideranças que o PS implantou numa freguesia central da capital (com 32 mil eleitores, repito-me até à exaustão). E sublinhando, com a ênfase que me foi possível, que só aquilo que o PS perdeu nos Olivais nas últimas autárquicas foi suficiente para derrotar Medina (malvada a Sorte, pois a este lhe serviu para chegar a ministro, e sorridente como se vê nestas gravações...).
 
Mas notei também, e botei-o, a total irrelevância, a candura ignorante, das restantes candidaturas autárquicas, das atenções partidárias, sobre este meu bairro (o tal dos 32 mil eleitores sitos no centro da capital). Nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, nada foi proposto, nada foi pensado e discursado, um vácuo completo. Mais surpreendente ainda num partido com traquejo, experiência de poder nacional e autárquico, como o é o PSD e que tinha uma candidatura municipal pujante. Nada mesmo, apenas umas candidaturas fundidas, uns candidatos mudos e quedos.
 
Avançaram alguma coisa no último ano? Ouviram o real, pensaram-no, projectaram algo? Que se saiba nada disso aconteceu, nada disso foi divulgado. Resta apenas este jotinha engraçadista, qual um galamba psd, a invocar o bairro e seu universo num destemperada patetice... Convirá perceber que não há pior, não há rumo mais eunuco, do que o engraçadismo (o que serve para o PSD deste jotinha e também para a IL, a qual, ou muito me engano, ou com Rui Rocha ainda mais perseguirá esse aparente trunfo). E, acima de tudo, convirá que o PSD (e não só) perceba que "o que é preciso é pensar a malta". Não é animá-la...
 
Enfim, sou "o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...". E não tenho paciência para estes jotinhas. Vácuos.

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Ficou célebre a definição que é descrição feita por George Steiner, que hoje ainda mais actual surge: “A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos Cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter­-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa”. Atrevo-me a deixar adenda ao dito do sábio, é esta "civilização" Europa - esse eixo de Lisboa a Odessa, da Sicília a Copenhaga - o local dos cafés individuais, cada um com seu dono, configuração única, estilo próprio e clientela particular, assim conteúdo específico, "personalidade" por assim dizer, e não dessas cadeias americanófilas, Starbucks ou quejandas "padarias portuguesas"...
 
E se isso é para Lisboa, cuja biografia pode ser traçada em levas de "cafés", "leitarias" e "tascas", com suas nomenklaturas e seu lumpen, por maioria de razão o digo para os Olivais, esse meu bairro onde cresci e, agora, me aquiesço nas vésperas do forno. Uma grande extensão construída nos 1960s, abarcando a anterior Encarnação, orlada pelo vetusto Olivais Velhos, costas viradas ao Tejo, tornou-se o bairro "a maior freguesia da Europa", gabávamo-nos sem preocupações de rigor, povoada por casais jovens carregados de filhos, como era então costume. Uma enorme população, que Salazar mandara ser multiclassista, nisso saudavelmente desprovida de "condomínios" securitários e fronteiras finórias. População essa, a juvenil e respectivas parentelas, que se associava em torno dos cafés pelos quais cada grupo optava, por motivos de vizinhança, classe, estrato, estilo ou consumos... Do "Gordo" ao "Modesto", do "Tosta" à "Nanu", entre tantos e tantos outros - de tal forma que décadas depois ao conhecer-se alguém que tenha crescido nos Olivais logo se impõe a sacramental pergunta "onde é que paravas?", como quem pergunta "quem és tu?".
 
Eu "era" do "Tó" - na Cidade do Lobito -, nome que marcava o estabelecimento do (óbvio) Senhor António, que o deteve durante décadas, pastelaria com ares de "classe média" (como então não se dizia), algo excêntrica no tal caldeirão interclassista da azáfama do bairro. As décadas passaram, eu parti (tal como quase todos os do bairro), o "Tó" foi trespassado, assumiu o nome "Arcadas" e foi prosseguido em boas mãos conjugais, o sempre "Senhor" João e a "Dona" Júlia , a propiciarem o bom ambiente necessário.
 
Nestas décadas as formas de convívio muito foram mudando. Nesse entretanto o bairro envelheceu, e nisso empobreceu. Os indígenas partiram, em múltiplas direcções. Novas levas de habitantes foram chegando, muito menos atreitas ao "estarmos juntos" e encapsuladas pelos efeitos do paradigma "centro comercial" que se instalou. Como é óbvio, o espectro de "cafés" foi-se atrofiando e os ambientes respectivos unificaram-se, no primado de uma rudeza vigente, atrofiadora de qualquer vislumbre de tertúlia.
 
A tudo isso foi resistindo o "Arcadas", como o comprovei quando regressei aos Olivais, 25 anos depois de ter partido. Ainda albergando a terceira idade original e, mais do que tudo, ponto de encontro da nossa "Velha Guarda" quando em visita ao bairro. Ali havia uma boa "imperial". E um bom ambiente: gente educada e gentil no serviço - uma tradição de décadas que unia as gerências que lhe conheci -, que assim moldava (e filtrava) a clientela. E onde encontrava eu amigos e (ex-)vizinhos que vêm da primária, do liceu, da adolescência. E também da juventude adulta. E até, imagine-se, feitos nesta era cinquentenária. Ali se falava de quase tudo: talvez não de Kierkegaard mas decerto que de Babel ou Steiner... De trabalho, do ânimo - nosso e dos outros-, de política, de futebol, da saúde própria e alheia, do rame-rame, dos nossos queridos, de gastronomia e culinária, de livros, das memórias e até ainda dos anseios, e (hélas, já não) de mulheres. E durante tudo isso bebia-se..
 
Há dois anos o casal proprietário entendeu, merecidamente, ter chegado o momento da reforma e trespassou o café. Passado a uma dessas "cadeias". O descalabro foi imediato. E ficou o bairro completamente desprovido de uma esplanada com um mínimo de elegância, nisso indutora de convívio apetecível, de ponto de encontro.
 
Enfim, agora, dois anos depois, hoje mesmo, o (Senhor) João e a (Dona) Júlia reabrem o café, a por tantos de nós, habitantes e ex-habitantes, ansiada Pastelaria "Nova Arcadas". De lá um amigo logo me enviou um efusivo "Já abriu!!!" com esta fotografia. Eu estou alhures, em nenhures. Mas exulto, e amanhã aproximar-me-ei do Trancão, irei ali à cidade do Lobito, para um imperial ou até mais. Espero uma mesa composta. Apaziguada até, pela felicidade de nos podermos encontrar no nosso sítio. Aprazível. E com aquele leve travo, tão precioso, da alguma elegância. Apenas a q.b., sem ademanes. Como sempre ali foi.

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